0329/2007 - CONFLITO NA GESTÃO HOSPITALAR: O PAPEL DA LIDERANÇA
Hospital Management Conflict: The Leadership Role
Autor:
• Mariana Vendemiatti - Vendemiatti, Mariana - UNESP - <mavendemiatti@hotmail.com>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
O estudo contextualiza o processo de profissionalização da gestão hospitalar e destaca os desafios para a atuação das lideranças para lidar com a dimensão do conflito existente entre as sub-culturas médica, de enfermagem e administrativa. Trata-se de pesquisa descritiva, quanto aos fins, e pesquisa de campo, quanto aos meios, e os instrumentos de investigação foram: observação participante e entrevista. A amostra envolveu 30 profissionais da organização. Os dados indicam que os conflitos entre as sub-culturas são derivados das formas de controle do trabalho, divergência de interesses e a desigualdade de tratamento social. Nesse sentido a atuação da liderança deve deslocar-se de uma perspectiva do comando e controle para outra mais subjetiva, como a construção de relações de confiança, a mediação ou ainda a atribuição de significado para ação dos liderados. A ênfase do processo de gestão estaria apoiada na construção de relações de alteridade, entre sujeitos, orientada por processos de diálogo e negociação.Abstract:
This study analises the context of the hospital management professionalization process showing as the main challenges the leadership role to solve the conflict between the doctor, the nurse and the administrative sub-culture. This is a descritive research and a field investigation absed on the survey tools with enterview and observation of 30 professionals from the hospital. The results shows that the conflict between the various kinds of activities are derivated from the control rules within the hospital, the diference of social assistence and individual values. The conclusion points the need to change the leadership focus from total control to a more flexible kind of management, with enphasis in the dialog and negotiation between this activities in a hospital.Conteúdo:
Introdução
O assistencialismo em saúde sofreu significativas mudanças no sentido de profissionalizar-se e buscar metas não antes desejadas, como por exemplo, o aumento da lucratividade, o que provoca, direta e indiretamente, mudanças na estrutura geral de um hospital.
De acordo com Matos , as instituições de saúde, no ambiente de competitividade cada vez maior, assumem contornos empresariais, necessitando, em tal contexto de uma gestão profissional.
Algumas vertentes, mais conservadoras, ainda relutam em assumir o hospital como parte integrante das empresas nos moldes mais capitalistas; entretanto, estes novos focos de trabalho são demonstrações de uma quebra de paradigma e de preocupação com uma nova forma de Gestão da Qualidade, como defendem os principais autores atuais na área de Qualidade e Hotelaria Hospitalar, podendo ser citados Boeger , Taraboulsi e Dias .
Considerando que a profissionalização dos processos gerenciais das instituições hospitalares constitui-se em uma necessidade tanto do ponto de vista da eficiência como da competitividade, elegeu-se como foco deste estudo o papel da liderança no tratamento dos conflitos derivados do processo de empresarização do hospital.
Parte-se do pressuposto que existe, nesse tipo de organização, uma dualidade no processo de gestão orientada por vetores que em alguns momentos se colocam em posições antagônicas.
De um lado, é encontrada a liderança do corpo de especialistas, composta tanto por médicos como enfermeiros que são tomadores de decisões que envolvem a dimensão administrativa no uso de recursos. Contudo, essas lideranças tendem a orientar-se pela lógica de sua formação profissional e são detentoras de poder tanto em função de seu conhecimento específico, como pelo ambiente de urgência e risco, e ainda pela legitimidade diante da equipe construída pela convivência em situações limite.
Por outro lado, tem-se o corpo gerencial, que, deslocado do cotidiano médico, também ocupa funções que envolvem processos de adesão dos colaboradores e ações de controle e direcionamento das atividades diárias.
Nesse sentido a estrutura organizacional dos hospitais abrigam sub-culturas com peculiaridades que demarcam campos de poder que se constituem em desafios para o processo de gestão.
Van Maanen e Barley apud Hatch definem sub-cultura como sendo um sub setor dos membros da organização que interagem regularmente entre si, se auto-identificam como um grupo distinto dentro da organização, e, rotineiramente, orientam suas ações com base no entendimento coletivo do que é melhor para o grupo.
O processo administrativo ocorre na tensão entre essas duas dimensões (sub-cultura de especialistas técnicos – médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, etc. – e sub-cultura administrativa). A profissionalização dos processos de gestão hospitalar também convive nesse contexto, pois, por um lado não abandona a missão da saúde e o compromisso com a superação das situações limite que envolvem a preservação da vida e, por outro, tem que lidar com a racionalização característica dos processos de gestão.
Parte-se, do pressuposto que a atuação de lideranças do campo administrativo das instituições hospitalares enfrenta desafios adicionais, se comparadas a outras organizações, visto que necessita desenvolver um processo de adesão que suplante a lógica das sub-culturas de especialistas e ao mesmo tempo atribua significado para ações que a primeira vista pareçam ser reduzidas ao controle.
O objetivo deste artigo reside em caracterizar os dilemas existentes entre as sub-culturas de especialidades (médicas, enfermagem e administrativas) a fim de delimitar as possibilidades de atuação das lideranças na mediação dos conflitos derivados desse contexto.
A Organização Hospitalar
As origens do sistema hospitalar, em seu perfil contemporâneo, remontam a Idade Média. Segundo Foucault , a medicina, nesta época, não era uma prática hospitalar; bem como o hospital não era uma instituição médica, sendo até o século XVIII um local essencialmente de assistência aos pobres.
A introdução dos mecanismos disciplinares no espaço hospitalar atribuiu-lhe uma função econômica ao reduzir custos públicos gerados pela propagação das epidemias. A atuação médica, em tal contexto, foi fruto da transformação da prática médica, que amplia o plano de atendimento individualizado nas residências para tal instituição.
Contudo, essa disciplina suscitou mudanças de caráter mais profundo6. Até meados do século XVIII, quem detinha o poder era a parcela das lideranças religiosas, raramente leigas, destinadas a assegurar a vida cotidiana do hospital, bem como a “salvação e a assistência alimentar das pessoas internadas6. O médico estava, portanto, sob a dependência administrativa do pessoal religioso, podendo ser, inclusive, demitido.
Todavia, a partir do momento em que o hospital é concebido como um instrumento de cura e a distribuição do espaço tornam-se um instrumento terapêutico, o médico passa a ser o principal responsável pela organização hospitalar6. Neste raciocínio, considerando o regime alimentar, a ventilação, o ritmo das bebidas e medicações como fatores de cura e, considerando o médico como principal responsável pelo controle destes itens, tem-se que o médico passa a ser, direta e indiretamente, economicamente responsável pela viabilidade do hospital.
Foi este o contexto da época em que os hospitais foram criados, como hoje é conhecido, dando forma às relações sócio-econômicas que se encontram atualmente nas instituições hospitalares.
A empresarialização do hospital, segundo Graça , é a fase da ruptura, tanto conceitual, como organizacional com o passado do hospital cristão medieval e do hospital assistencial do Século XIX.
A respeito da empresarização, Solè compreende que esse fenômeno ocorre em decorrência daquilo que denomina de empresarização do mundo, que transforma as organizações (de natureza social ou filantrópica) em empresas, orientadas por princípios de lucratividade e competitividade, tornando-se similares, em seus valores, às empresas vinculadas ao mundo da produção, constituindo-se como modelo universal da atividade humana. Nesse sentido, a transformação do hospital como organização social em empresa decorre, além dos fatores históricos, de um processo mais amplo que envolveu as organizações.
Graça7 explica que, depois da Segunda Guerra Mundial, em função do peso do desenvolvimento tecnológico, o hospital passa a ser dirigido como uma empresa, modificando todo o sistema técnico de trabalho que foi acompanhado por mudanças organizacionais, podendo ser expressa na criação de áreas antes inexistentes nesta estrutura como, por exemplo, a engenharia hospitalar acompanhada pela gestão da qualidade.
O hospital contemporâneo abandonou a prestação da assistência para assumir a produção dos cuidados com a saúde através da prestação de serviços7. O hospital passa a fazer parte do processo de atenção à saúde, enquanto subsistema de cuidados secundários (por exemplo, cura e tratamento) e terciários (reabilitação e reintegração), para além de lugar de ensino e de investigação biomédica.
Pelo fato do hospital ser uma instituição considerada imprescindível para o desenvolvimento da ciência e para a formação de recursos humanos, uma vez que possibilita descobertas de novos conhecimentos científicos, através da pesquisa, Trevisan afirma a necessidade de refinamento profissional tanto assistencial como gerencial.
Gonçalves , analisando a sociedade contemporânea, diz que é possível perceber o lugar de destaque que os hospitais vêm ocupando. O autor diz que são organizações complexas, que utilizam tecnologia sofisticada e precisam ter uma reação dinâmica às exigências de um meio ambiente em constante mudança. Pode-se, por esta passagem, firmar o entendimento da importância do papel da liderança neste cenário de quebra de paradigmas e adequação às novas necessidades do mercado.
O contexto da liderança
O mundo do trabalho vem passando por diversas transformações ao longo dos anos e, conseqüentemente, estas refletem os diferentes modelos de gestão utilizados pelas organizações, como afirmam Heloani , Morgan e Goulart .
Pode-se considerar como pioneiro no estudo dos estilos de liderança, Max Weber , que diferenciou em três tipologias o comportamento do líder: liderança autoritária, liberal e democrática. Weber14 delimita a diferença entre esses três estilos, dizendo que a liderança autocrática possui sua ênfase centrada no líder; sendo ele quem fixa as diretrizes a serem seguidas e determina as técnicas a serem utilizadas, sem qualquer participação do grupo. Já a liderança democrática coloca sua ênfase tanto no líder como nos subordinados, sendo as diretrizes debatidas e as técnicas e processos escolhidos pelo grupo, assistidos pelo líder. Por sua vez, a liderança liberal coloca todo seu foco nos subordinados. Segundo Weber, neste caso, há liberdade completa, por parte dos colaboradores, para tomada de decisões.
Diversos autores, a exemplo de Koontz et al , destaca que os líderes foram agentes importantes nas mudanças ocorridas no contexto do trabalho, tendo em vista que eram os responsáveis pela difusão das práticas de gestão e pelo gerenciamento da força de trabalho.
De acordo com as mudanças ocorridas no ambiente, Heifetz visualiza uma evolução no conceito de liderança aplicado às organizações. Durante décadas, o termo liderança referiu-se às pessoas que ocupavam posições de gerenciamento no topo das organizações. Contemporaneamente a discussão distingue liderança e gerência entendendo que líderes podem ocupar posições em níveis hierárquicos inferiores.
Sob esta perspectiva, o gerenciamento produz ordem e consistência através do desenvolvimento do planejamento em curto prazo, organização, controle e resolução de problemas; já a liderança produz mudança e movimento nas organizações através da criação de uma visão, desenvolvimento de estratégias, alinhamento das pessoas bem como a responsabilidade de inspirar e motivar o grupo , .
É possível destacar abordagens relacionadas às teorias de liderança apresentadas pela literatura com enfoques diferenciados. Fleishman et al. destacam a existência de aproximadamente 65 sistemas de classificação para sintetizar as dimensões da prática da liderança. Neste contexto, a primeira dificuldade encontrada em definir um conceito de liderança está situada na infinidade de enunciados, facilitando a confusão entre diferentes estilos e teorias de liderança.
Yukl18 ressalta diferentes níveis das diversas teorias de liderança – processo individual (teorias centradas no líder a exemplo da teoria dos traços); processo diádico (teorias focadas na relação entre líder e liderado a exemplo da teoria da troca líder-liderado); e processo grupal (teorias focadas no grupo, entendendo-se que o líder contribui para a eficácia do grupo a exemplo da teoria contingencial).
Há um consenso que a liderança é marcada por um complexo processo de inter-relações entre líder e liderados, na qual ambos influenciam o processo e podem determinar o fracasso ou o sucesso dessa relação17.
Jung e Avolio sugerem que a complexidade do processo de liderança deriva da confiança entre os envolvidos na relação.
Para Davel e Machado , o centro da relação entre lideres e liderados é movido pelo poder, cognição e emoção. O equilíbrio desses fatores é desenvolvido pela liderança através do ordenamento de significados das demandas da organização e dos anseios dos envolvidos que devem gerar processos de identificação. Nesse sentido o processo não é orientado pela autoridade, mas primordialmente pela negociação dos limites possíveis entre os desejos individuais e os objetivos organizacionais, que geram consentimento e legitimam a atuação do líder.
Zand afirma que:
parte da tarefa do líder é trabalhar com as pessoas para identificar e solucionar problemas, mas o seu acesso ao conhecimento e ao pensamento criativo necessários para a resolução dos problemas vai depender do quanto as pessoas confiam nele. A confiança e a credibilidade modulam o acesso do líder ao conhecimento e à cooperação.
Desta forma, cativar e conquistar a confiança dos seguidores apresenta-se também como um desafio, uma vez que esta se apóia na idoneidade da relação. Nesse sentido, a transparência e a ética constituem-se em fatores importantes uma vez que indivíduos desonestos que buscam somente a satisfação de interesses individuais não sustentam tal perspectiva 20,22.
Para Bergamini a liderança tem o papel de atribuição de significados as ações desenvolvidas pelos liderados, nessa perspectiva o líder é um agente de mudança cultural. Sua capacidade de compreender a cultura organizacional permite administrar o sentido que é dado para as ações da organização pelos liderados. Tal processo é derivado de sua habilidade de estabelecer sintonia das expectativas dos contribuintes individuais e grupais com as demandas organizacionais. A dificuldade de atuação da liderança estaria vinculada a resistência da organização em modificar seu status quo.
No âmbito hospitalar a questão da liderança é bastante complexa, pois as relações de identificação entre colaboradores, gestores e a organização são produzidas em vários contextos.
No plano da atuação diária, o médico ocupa um lugar de destaque e sua função não se limita à execução de procedimentos médicos, mas envolve ações administrativas sobre as quais ele tem autonomia dado a natureza de sua função. Este profissional está exposto a situações em que não são possíveis processos de consultas e autorizações.
Por outro lado, a profissionalização administrativa dos hospitais estabeleceu uma linha paralela de condução das relações interpessoais, fazendo com que funções administrativas, antes limitadas à execução de procedimentos de controle assumam um papel de mediador das relações.
Nesse contexto têm-se duas linhas de liderança, que nem sempre agem a partir da mesma lógica de gestão. A sub-cultura médica que realiza atividades em função do que julga correto para a situação e a administrativa que produz regras orientadas para o processo de profissionalização, em busca de controle de custos, aumento da produtividade e busca pela qualidade por meio de padronização das operações. É neste contexto que pode nascer o conflito entre essas duas sub-culturas: uma defende maior liberdade de atuação, prevendo que as situações não podem ser catalogadas e, portanto, deixando de seguir protocolos; enquanto a outra, não reconhece a influência histórica que a sub-cultura médica exerce no cotidiano de um hospital, tentando fazê-los seguir regras impostas sem participá-los previamente das decisões.
Entretanto, essas sub-culturas precisam co-existir dentro do ambiente hospitalar e, desta forma, a fim de gerir as instituições de saúde, Uribe Rivera , afirma que a comunicação e a negociação são instrumentos decisivos na gestão contemporânea em busca da governabilidade de uma organização de alto grau de complexidade, como a hospitalar.
Nesta linha de raciocínio encontra-se Matus , discorrendo sobre o poder nas organizações de saúde, dizendo que este é compartilhado por vários núcleos de profissionais, reforçando a necessidade de aprimoramento constante na comunicação e na capacidade de negociação das lideranças.
Desta forma, ele conclui que, a negociação é cooperativa quando os interesses são distintos, entretanto o objetivo é comum, levando os profissionais a uma saudável disputa. Todavia, o autor diz que, quando os interesses são divergentes e a negociação é conflituosa, o resultado é nulo.
Entende-se, portanto, a vitalidade das lideranças no contexto hospitalar, uma vez que são elas (sejam do corpo clínico, da enfermagem ou administrativo), as responsáveis pelo bom andamento das atividades. Tal harmonia é resultado do saudável relacionamento entre os atores envolvidos, considerando que o descompasso entre a linguagem de cada grupo pode acarretar em uma cultura confusa, gerando pouco entendimento das diretrizes organizacionais por parte dos colaboradores, acarretando em conflito de interesse e falta de alinhamento às estratégias propostas de forma global.
Vale lembrar que a organização hospitalar, de forma geral, ainda é pouco desenvolvida neste sentido, havendo, até mesmo pelo contexto histórico, disputa de poder e provocações sutis mútuas entres as sub-culturas que atuam, supostamente, juntas em função de um objetivo maior.
Cultura organizacional: uma variável para compreender a relação entre conflito e liderança no contexto brasileiro
Os estudos de cultura organizacional nem sempre consideram as singularidades culturais e de alguma forma generalizam conceitos oriundos de outras culturas, principalmente a norte-americana para interpretar as ações do contexto organizacional brasileira. Tal processo gera uma distorção analítica, uma vez que hierarquiza visões de mundo como melhores ou piores, perdendo a compreensão do movimento de cada cultura . No Brasil uma série de estudos propõe uma análise relacional entre os traços da cultura brasileira e o perfil das organizações , , , , .
Fleury destaca que o estudo da cultura organizacional está permeado pela compreensão das relações de poder, do processo de trabalho e das práticas administrativas, que constituem o tecido simbólico sobre o qual a dimensão interpessoal se constitui.
Em tal contexto o estudo da cultura organizacional brasileira deve estar alicerçado em nossa realidade cultural, como matriz interpretativa.
Sobre esse estilo brasileiro de administrar, Prates e Barros27 desenvolvem um sistema de análise que se baseia nos seguintes eixos:
a) líderes e liderados: apresentando como uma concentração de poder por parte dos líderes e uma forte tendência paternalista, geram na dimensão dos liderados a falta de iniciativa, de um lado, e a tendência de evitar conflitos, como forma de não desenvolver um enfrentamento direto com as relações de poder, que articuladas atribuiriam ao liderado brasileiro grande flexibilidade para lidar com situações imprevistas e incertas.
b) institucional e pessoal: de um lado as organizações são dotadas de grande institucionalidade gerando um excesso de procedimentos formais, derivados de uma relação de autoridade muito centralizadora, e de outro, considerando que culturalmente as relações pessoais são valorizadas, tal situação geraria uma lealdade pessoal a pessoa do líder, o que traria problemas nos momentos sucessórios uma vez que as relações são pessoais.
Na intersecção desses dois eixos teríamos como eixo sustentador de processos aparentemente contraditórios a impunidade, que geraria a flexibilidade necessária para a execução de sansões e definição de políticas.
Outro autor que realizou uma pesquisa sobre a influência dos traços nacionais na cultura organizacional, foi Hofstede. Segundo Hatch5 ele realizou um estudo em uma empresa multinacional em 40 países, e especificamente com relação ao Brasil, concluiu que a empresa brasileira analisada é avessa aos riscos, preza as relações pessoais, tem rígida estrutura hierárquica, visão negativa da competição e prefere as decisões por consenso.
Freitas30 também realizou um estudo e define como traços centrais a hierarquia verticalizada, personalismo, malandragem, sensualismo e espírito aventureiro (aversão ao trabalho rotineiro).
Ainda que os autores apresentem ênfases diferenciadas, dada sua perspectiva de análise, é possível verificar certa homogeneidade geral nos traços da cultura organizacional brasileira.
Outros autores, como Miguelis26, criticam essa visão estática da cultura ancorada em uma versão histórica de 500 anos, contudo, ainda que possamos concordar que tais traços não são fixos, uma vez que a cultura organizacional é singular, não podemos desconsiderar tendências mais gerais que certamente influenciam nossa visão de mundo enquanto população brasileira.
Conflito e as interfaces no uso do poder
A temática do conflito foi tratada de forma diferenciada pelas várias abordagens de administração. Segundo Motta , as escolas de administração podem ser divididas sob dois enfoques: o prescritivo e o explicativo. No primeiro grupo estariam localizadas a administração científica e a abordagem humanística, para elas os conflitos eram inexistentes, pois ambas acreditavam em uma harmonia de interesses entre patrões e empregados. Para a primeira, essa harmonia era natural e para a segunda, ela poderia ser alcançada por um processo de gestão compreensivo e terapêutico que eliminaria condutas individuais.
O segundo grupo, no qual o autor inclui o Behaviorismo e o Estruturalismo, admitem a existência do conflito, contudo, enquanto a abordagem comportamental, ainda, procura resolvê-los através da negociação, os estruturalistas o tomam como inevitáveis e até mesmo desejáveis.
Portanto, são esses últimos que incluem na agenda da administração a dimensão do conflito enquanto um agente inerente ao processo organizacional, e o consideram como elemento propulsor de desenvolvimento.
Ainda, para Motta33 essa escola de administração procurou identificar as origens dos conflitos, tomando como referência dois autores: Marx, para o qual eles são gerados em função da ausência de propriedade dos meios de produção por parte dos trabalhadores, e; Weber, que amplia a dimensão da propriedade para o controle, ou seja, os conflitos seriam gerados em função de um processo de controle exercido sobre o trabalho, que geraria divergência de interesses entre indivíduo e organização.
Portanto, a partir dos estruturalistas a reflexão sobre esta temática organizacional passou a fazer parte das preocupações dos teóricos da administração.
Robbins , também, faz uma retrospectiva de como os conflitos foram tratados nas teorias organizacionais, categorizando-as em três visões: a tradicional (o conflito deve ser eliminado), a de relações humanas (o conflito é uma ocorrência natural) e a interacionista (um nível saudável de conflito deve ser estimulado).
Existe um consenso de que os conflitos são gerados pela divergência de interesses12,33,34, contudo, como o tratamento dessa questão reflete nas relações de poder é algo que nos deteremos um pouco mais.
Motta sugere que o tratamento dos conflitos está relacionado, diretamente, com as formas de uso de poder. Em tal perspectiva, quanto mais hierarquizada é uma organização, mais a compreensão do conflito estará articulada a sua dimensão disfuncional e, portanto, passível de repressão.
Para o autor35, admitindo-se que o conflito tem como fonte a diversidade de interesses e a distribuição desigual de recursos, o enfrentamento positivo da questão poderia ocorrer através de processos de participação.
A participação nasce como instrumento para a cooperação e a solução de conflitos. Para os que admitem ser o conflito proveniente de fatores organizacionais e individuais, a participação é normalmente considerada uma forma eficaz de solução, acomodações ou equilíbrio entre grupos divergentes.
Neste contexto, a dimensão da política da organização é evidenciada, e os processos de negociação passam a fazer parte de seu cotidiano. Uma ampliação da esfera de poder pressupõe, segundo o autor, uma perspectiva mais pluralista.
Essa abordagem está baseada em três premissas: os indivíduos são motivados e agem segundo interesses próprios; a ação individual é acompanhada por processos de coalizão e; finalmente, que a capacidade de influência está diretamente vinculada à luta pelo controle de processos35.
Portanto, a dimensão da participação, sob a ótica pluralista do poder, não é tomada de forma ingênua, mas, se reconhece a organização como um campo de forças e disputas que se alinham ou divergem em função de contextos e interesses. Morgan12, também, apoiado na perspectiva política das organizações, caracteriza os conflitos pela diversidade de interesses, contudo, faz uma diferenciação entre eles, o que por sua vez, derivaria formas alternativas de tratamento.
O autor sugere que os interesses podem ser divididos em três categorias: da tarefa, vinculado com o trabalho que se está desempenhando;, de carreira, que inclui a personalidade, valores e preferências individuais e; extra muro que articula a dimensão do cargo e da carreira. Essas categorias não se desenvolvem isoladamente, mas se articulam a partir de situações que colocam em evidência uma ou outra, produzindo uma diversidade de comportamentos no enfrentamento do conflito.
A metáfora política, segundo Morgan12, demonstra como a organização lida com as relações entre interesses, conflito e poder e, portanto, como as coalizões são construídas para o enfrentamento dessa questão.
Em contraste com a visão de que as organizações sejam empreendimentos interligados e racionais que perseguem um objetivo comum, a metáfora política encoraja a ver as organizações como redes de pessoas independentes com interesses divergentes que se juntam em função da oportunidade (...) As organizações são compostas por coalizões e a construção da coalizão é uma importante dimensão de quase toda a vida organizacional.
Em tal perspectiva, o poder está relacionado diretamente com a capacidade de enfrentamento do conflito, pois seria a habilidade de conseguir que uma pessoa mudasse seu posicionamento diante de uma dada situação. Morgan12 elenca uma diversidade de fontes de poder que poderiam ser utilizadas no enfrentamento dos conflitos, quais sejam: autoridade formal; controle de recursos escassos; uso da estrutura organizacional, regras e regulamentos; controle do processo de tomada de decisão; controle do conhecimento e da informação; controle dos limites; habilidade de lidar com a incerteza; controle da tecnologia; alianças interpessoais, redes e controle da organização informal; controle das contra-organizações; simbolismo e administração do significado; sexo e administração da relação entre os sexos; fatores estruturais que definem o estáfio da ação; o poder que já se tem.
Morgan12, também, se alinha com a perspectiva do tratamento dos conflitos sob a ótica pluralista, ou seja, do reconhecimento da diversidade de interesses, intuitos e objetivos presentes na organização. Em tal contexto, o conflito faz parte de um jogo de poder, e o papel do gestor é fazer com que esse jogo traga resultados para a organização. Trata-se de manter um nível adequado de conflito, que permita evitar a improdutividade, encorajando a complacência e letargia e ao mesmo tempo evitar que ele atinja patamares destrutivos e irreconciliáveis.
O autor não sugere um caminho único para o enfrentamento desta questão, mas propõe uma diversidade de posicionamentos e estilo do gestor, definidos a partir de uma análise do contexto e dos comportamentos existentes na organização em uma situação específica.
Os estilos propostos por ele são: impeditivo, negociador, competitivo, acomodador e colaborador. Todos esses estilos estão no contexto da ação pluralista, e a habilidade do gestor está, justamente, em sua capacidade de reconhecer as áreas latentes de conflito e saber como lidar com elas.
Pagès et al , também, reconhece a organização como um locus de interesses contraditórios.
A organização e, se quisermos, uma vasta “zona intermediária” que se interpõe entre as contradições de classe, evita ou atenua conflitos, os absorve e os integra em um sistema social unificado, mas é, entretanto, constantemente sustentada e produzida por elas (...) Todos esses fenômenos não significam o desaparecimento das contradições, nem mesmo sua atenuação. Mas, antes a modificação do sistema de controle da sociedade e das empresas capitalistas, sua extensão a novas zonas, em face das mudanças do sistema produtivo e das condições de luta.
Em tal contexto, o autor sugere que o papel do gestor deva estar mais centrado na mediação, que, em tal situação, teria uma função de antecipação dos conflitos.
Neste caso, sugere que o tratamento dessa problemática organizacional estaria vinculada a manutenção de condições favoráveis para os agentes organizacionais, ou seja, promoção de bem estar para funcionários, satisfação dos clientes, boa reputação.
O diálogo com os autores parece indicar que a dimensão do conflito nas organizações ainda é algo a ser aprofundado, contudo poderíamos traçar algumas tendências.
A primeira é a de que o conflito faz parte da dinâmica organizacional, e, de uma forma ou de outra vem sendo enfrentado pelos gestores na tentativa de potencialização de seus efeitos, seja para os sujeitos, seja para a organização.
A segunda que relaciona o conflito a um processo de percepção e contextualização, ou seja, não é possível a definição de um modelo de tratamento dessa questão uma vez que conjunturas diferenciadas e comportamentos distintos exigem formas particulares de tratar a questão.
E a última está vinculada a relação íntima entre conflitos e poder, ou seja, na mesma medida que parte dos conflitos organizacionais são provocados por uma distribuição desigual do poder este tem sido o instrumento fundamental para seu equacionamento no contexto empresarial, exigindo dos gestores uma capacidade maior de compreensão e negociação da diversidade.
Diante da complexidade dessa questão, propomos um olhar em uma organização, no sentido de perceber em que medida a realidade organizacional se alinha ou não com as perspectivas aqui esboçadas.
Metodologia do estudo
O hospital em que foi desenvolvido o estudo é uma instituição filantrópica de direitos privados, sem fins lucrativos, sendo o remanescente das receitas apuradas, investido no próprio hospital, na aquisição de novos equipamentos e melhorias estruturais.
O organograma da instituição apresenta seis níveis hierárquicos, partindo da presidência, que é representante da mesa diretora da instituição mantenedora; administração, representada por um administrador hospitalar; coordenadores, que são responsáveis pelas grandes áreas; gestores, que têm a função de administrar as gestões de cada coordenação; os supervisores, que gerenciam os setores que cada gestão engloba e os colaboradores, que são os executores.
O presente estudo tem uma abordagem qualitativa. Trata-se de pesquisa descritiva, quanto aos fins, e pesquisa de campo, quanto aos meios, e os instrumentos de investigação foram: observação participante e entrevista.
A amostra envolveu 30 profissionais da organização, sendo: 6 médicos, 4 lideranças de enfermagem, 8 profissionais de enfermagem (operacional), 4 líderes administrativos e 8 colaboradores administrativos. Os sujeitos foram escolhidos por acessibilidade de forma estratificada, procurando contemplar diversidade nas funções e níveis hierárquicos: Estratégica (que engloba Gestão de Pessoas, Gestão de Controladoria e Gestão Financeira), Operacional (que envolve as Gestões de Hotelaria, de Suprimentos e de Engenharia) e Técnica (que diz respeito aos departamentos de enfermagem e médicos, divididos nas Gestões de Materno-Infantil, Clínico-Cirúrgico, Ambulatorial e SADT – Serviços de Apoio ao Diagnóstico e Terapia).
Para cada grupo hierárquico foi elaborado um roteiro de investigação adaptando situações específicas da área de atuação e posição no organograma. O instrumento de pesquisa abordava questões relacionadas ao conflito entre as sub-culturas, processo decisório e liderança.
As entrevistas foram gravadas e transcritas para análise interpretativa dos depoimentos. Segundo Merriam (1998) trata-se de um processo de articulação de dados concretos e conceitos abstratos, orientado pelo raciocínio indutivo e dedutivo que possibilita a descrição e a interpretação.
As categorias de análise foram definidas a partir de eixos recorrentes nas falas: organograma, participação, conflito e liderança.
A observação participante foi realizada por um membro da equipe que trabalha no hospital. Durante seis meses (janeiro a julho/2006) o pesquisador anotou suas impressões e depoimentos sobre a temática da pesquisa que subsidiou a elaboração do roteiro e a condução das entrevistas.
As realização das entrevistas ocorreu durante um mês (agosto/2006).
Resultados da Pesquisa
1. Organograma
Para compreender em que medida a dimensão da tomada de decisão e os conflitos era decorrente do conhecimento mais amplo sobre a organização algumas questões abordaram a percepção dos entrevistados sobre o organograma.
A dimensão formal da hierarquia, representada no organograma, não é amplamente conhecida. Os gestores, coordenadores e a administração sabem e conhecem quais são os níveis, o que eles representam e quem são os ocupantes de cada cargo.
Por outro lado, colaboradores e alguns supervisores dizem nunca ter visto o organograma da instituição. Eles sabem a quem devem se reportar, mas desconhecem a rede formal de autoridade existente. O mesmo ocorre com os médicos e membros do corpo clínico, com exceção do Diretor Clínico cujo conhecimento é derivado de sua relação com o corpo administrativo dado a função que exerce.
A ausência de uma divulgação mais ampla do organograma dificulta que os agentes envolvidos nos processos da organização compreendam as relações de autoridade. Do ponto de vista das ações administrativas esse desconhecimento dificulta a percepção dos fluxos decisórios relativos às ações.
Questionados sobre os motivos que levam a esse desconhecimento, aqueles que ocupam cargos afirmam que o hospital está passando por fase de re-estruturação e que este desenho é muito recente, não tendo havido tempo para sua divulgação.
Contudo, mesmo aqueles que conhecem a estrutura hierárquica confirmam que, pela pressa de resolver determinada situação, acabam burlando os níveis propostos. É o caso de um coordenador que reconhece sua dificuldade em acatar a relação hierárquica proposta no organograma.
Em alguns casos a hierarquia é apontada como um fator que dificulta a agilidade dos processos, e nesses casos existe certa dificuldade em manter a proposição do organograma.
A dificuldade em compreender como se desenvolvem os fluxos decisórios pode se constituir em um dos fatores geradores de conflitos. Contudo, os relatos demonstram que a questão central não é o desconhecimento, mas primordialmente a emergência da situação de um lado, e a cultura organizacional que em outros momentos era receptiva a contatos diretos que ignoravam a hierarquia existente.
2. Participação dos Superiores e Subordinados e Médicos no processo de gestão
Sobre a participação na gestão, fica claro que o sistema de trabalho ainda é centralizado na administração e especialmente na presidência. Desde os supervisores até os coordenadores, a sensação é de terem autonomia para resolver situações que estejam dentro de sua rotina; qualquer eventualidade que ocorra, um nível superior deverá ser acionado. A parte médica diz ter autonomia para sugerir mudanças, mas não se sente no direito de iniciar uma nova rotina sem um membro do corpo oficial do hospital.
Um dos coordenadores do hospital, caracterizando seu nível de autonomia explica que os supervisores também concordam que existe autonomia restrita as atividades rotineiras, contudo, novas iniciativas ainda não são incentivadas.
No que diz respeito ao envolvimento dos subordinados e dos superiores no processo decisório (de uma situação-problema, de uma nova rotina, etc.), verifica-se que há uma considerável variação de setor para setor. Por exemplo, nos departamentos de enfermagem, onde a hierarquia é mais definida (pois não depende do organograma ser divulgado ou não – existe uma hierarquia histórica e de níveis de conhecimento – auxiliar, técnico e enfermeiro), a participação dos subordinados é menor (sendo este dado apontado tanto pelos supervisores quanto pelos colaboradores).
Já nas áreas mais administrativas (operacionais) a participação dos subordinados nas rotinas e decisões é maior.
Da mesma forma é a participação dos superiores dentro dos setores: nos departamentos de enfermagem, a ligação entre os membros é vertical, seguindo a hierarquia proposta: coordenador – gestor – supervisor – colaborador; ligação que é mais maleável nos departamentos administrativos.
Ainda que os setores administrativos apresentem uma visão mais otimista, alguns depoimentos indicam que essa questão ainda não faz parte da cultura, e depende, em alguma medida do perfil de quem ocupa o cargo:
Nesta perspectiva o contexto da enfermagem aproxima-se mais do administrativo, pois o envolvimento entre aqueles acima e abaixo dos cargos médicos não apresenta comunicação direta.
Já no que diz respeito as forma de relacionamento e canais de comunicação entre supervisores e subordinados, entende-se que a hierarquia da enfermagem apresentou-se mais rígida, podendo ser decorrência de uma forma histórica de trabalho e do escalonamento gradativo de saberes. Entretanto, no quesito envolvimento entre superiores e subordinados, tanto os grupos administrativos, quanto os de enfermagem, mostraram-se “engessados” e com hierarquias pouco flexíveis.
No que tange a influência dos grupos médicos nas decisões administrativas, foi verificado que esta é compreendida informalmente. Por exemplo: se a administração estabelece alguma rotina que o corpo médico não concorda, eles boicotam a rotina, não fazendo parte dela, não seguindo o que foi proposto. Desta forma, eles conseguem fazer com que essa rotina seja revista.
Entre os médicos não há consenso nessa questão, pois ao mesmo tempo em que alguns afirmam não ter autonomia, em função da precariedade contratual, visto que eles não são funcionários do hospital, mas prestadores de serviço, outros afirmam que se sentem à vontade para tomar decisões, contudo tal conduta não está vinculada a flexibilidade da gestão, mas a certa rebeldia do profissional com relação as regras:
O status que um médico tem, em uma instituição dessa natureza, permite atitudes como essa, por outro lado é necessário considerar que esse comportamento, questionador a gestão, os coloca em conflito com o restante da equipe, há uma exposição individual, mas principalmente dos outros membros da equipe que são co-responsáveis pela atividade, passíveis de punição, gerando conflitos entre as sub-culturas.
A participação ocorre, portanto, por processo de pressão e não de espaços favorecedores do diálogo. O papel que o médico ocupa na dinâmica do hospital lhe confere poder que permite esse tipo de conduta.
Um dos coordenadores quando questionado sobre a existência de influência dos grupos médicos na definição de procedimentos que vão contra os já propostos pela administração, ressaltou que cada médico segue sua própria agenda não importando desta forma a rotina estabelecida pelo hospital, fala esta também ressaltada por um supervisor.
Diante da dificuldade de exercer poder de influência sobre os médicos a administração reconstrói rotinas para evitar o constante descumprimento de procedimentos, contudo, como os canais de diálogo não funcionam as limitações permanecem:
Contudo esse posicionamento não é consensual, pois segundo um supervisor de enfermagem os médicos não são consultados diante da elaboração de uma nova rotina. :
Esse relato demonstra que para relativizar a dificuldade de exercer influência sobre o médico, o setor administrativo delega para a enfermagem procedimentos que inicialmente eram de responsabilidade dos médicos, contudo, dificultam a realização dessas atividades por parte da enfermagem, que de alguma forma, passam a monitorar os médicos para proceder os registros.
Um representante do corpo clínico, por sua vez, quando perguntado sobre suas atitudes quando recebe a notícia de uma nova rotina com a qual não concorda, destaca que tenta entender os motivos da mudança da rotina, recorrendo ao supervisor da área, caso não haja compreensão continua fazendo da mesma forma anteriormente traçada.
Novamente percebe-se que a autonomia dos médicos não está relacionada a padrões de gestão, mas mecanismos de pressão que escapam ao controle da área administrativa.
A classe médica expressa preocupação com os problemas enfrentados pela dimensão burocrática do hospital. Exemplo disso são os depoimentos recorrentes dos setores administrativos e de enfermagem da falta de paciência por parte dos médicos em preencher as documentações necessárias. Quando perguntado a representantes da classe médica sobre essa assertiva, as respostas não desmentiram o já exposto.
A precariedade do vínculo, aliada a necessidade do médico em se relacionar com mais de um hospital, e ainda, a cultura da profissão que o coloca no papel de decidir entre a vida e a morte, situações em que a dimensão burocrática não faz o menor sentido, leva os médicos a tomarem posicionamentos que exercem pressão na estrutura administrativa que podem facilmente ser confundidos com autonomia.
Nesse contexto se estabelece um relacionamento distante entre corpo médico e administração. Como amortecedor desses conflitos, o setor de enfermagem recebe pressão dupla, dos médicos e da administração, tornando-se prisioneiros dessa falta de diálogo.
3. Conflito entre as áreas Médica, de Enfermagem e Administrativa
Algumas pessoas consideram que existe muito conflito, outras, que não existe conflito nenhum. De acordo com as respostas recebidas quando um membro administrativo presencia alguma atividade fora da rotina protagonizada por um membro médico, por exemplo, tenta-se resolver a situação no momento em que acontece; sendo que alguns se dirigem diretamente ao médico e outros aos seus supervisores.
Percebem-se atitudes orientadas pelo perfil individual e pela afinidade, ao mesmo tempo em que alguns relatos demonstram rigidez outros vão demonstrando que as pessoas escolhem a intensidade dessa rigidez orientada pelas relações pessoais, como foi visto anteriormente característica presente no perfil cultural das organizações brasileiras.
Já a área de enfermagem, quando presencia algum médico tomando uma atitude fora da rotina, procede de acordo com o seu lugar na hierarquia. Por exemplo, uma técnica de enfermagem, normalmente, irá suportar que o médico haja da maneira que lhe convir, mas depois irá reportar o caso a sua supervisora. Se uma enfermeira, responsável por um setor, presenciar algo que não está na rotina, ela mesma tomará atitude. Caso o médico continue insistindo em atuar fora do proposto, foi observado que a situação é levada a instâncias maiores, como a Diretoria Clínica e a Administração.
Nos conflitos entre as sub-culturas médicas, de enfermagem e administrativa, cada grupo toma atitudes orientadas pela hierarquia, mas primordialmente, quando se trata de denunciar problemas se orienta pelas afinidades pessoais. Fica sub-entendido que existe uma zona de atuação de cada área e, desde que uma não apresente riscos ao campo de outra, aquela pode proceder da forma como lhe convier. Ou seja, desde que um médico não cause danos à administração, ele pode montar sua rotina conforme preferir. Do mesmo modo, se um médico proceder de forma não protocolar, mas não interferir no trabalho da enfermagem, não haverá comoção.
Desta forma, os conflitos não existem abertamente, até mesmo em função da co-dependência entre as atividades de cada sub-grupo.
Os coordenadores da área administrativa concordam que as diferenças e divergências não são debatidas.
A insatisfação e os desejos de mudança ficam velados e pouco discutidos, visto que a contratualização entre médicos e administradores é frágil. O médico não é funcionário do hospital, portanto, não se interessa por questões que não são de sua alçada. Da mesma forma, pela falta de vínculo empregatício, o hospital deixa de exigir maior participação e responsabilização, já que historicamente é assim que se procede.
A dificuldade que se coloca não apenas no plano formal da comunicação, mas principalmente no cultural, dificulta o aprimoramento dos processos e por sua vez geram outros conflitos com os níveis hierárquicos subordinados que enfrentam diariamente as dificuldades derivadas dessa ausência de discussão.
4. Liderança
Quando perguntado aos diversos entrevistados o que consideravam um líder, os adjetivos mais usados foram: alguém que ajuda, que ouve, que colabora na rotina, que comanda bem.
Quando indagados sobre o que consideravam ser um chefe, os seguintes adjetivos sobressaíram: Alguém que só manda, que faz cumprir regra, que ameaça, é decidido, autoritário, muito correto.
Para melhor compreender essa dicotomia de papéis indagou-se: Um chefe pode ser líder, e vice-versa? As respostas encontradas foram dicotômicas: alguns diziam que líder e chefe são duas coisas diferentes, enquanto outros diziam que sim.
Portanto, na compreensão dos entrevistados, a liderança tem um papel mais afetivo e compreensivo, enquanto o chefe está limitado ao comando e controle.
Tal interpretação indica que possivelmente as relações hierárquicas são conflituosas, sendo que aqueles que estão em cargos de comandos são considerados pejorativamente como chefes.
Por outro lado, também é possível indicar uma postura de expectador por parte daqueles que se consideram subordinado, uma vez que idealiza na liderança a total resolução dos problemas. Não há, nessa concepção, co-responsabilidade pela resolução dos problemas, mas uma postura passiva.
No que diz respeito a liderança da classe médica, alguns acreditam que o médico seja um líder até mesmo pela natureza de sua profissão; outros entendem que uma função em nada comunica-se com outra.
Contraditoriamente ao que já foi apresentado esse médico afirma que só assume a liderança de processos quando os procedimentos formais não existem, pois de outra forma declara que seguiria as normas pré-definidas.
Contrapondo o colega de profissão, um cirurgião-geral, relata que o médico incorpora no seu dia-a-dia profissional a função de líder.
Neste sentido, pode-se perceber que o entendimento do médico como líder dentro da organização hospitalar depende da postura de cada médico perante o tipo de responsabilidade que sua profissão assume. Assim sendo, passa pelo mesmo embate que qualquer profissional, ou seja, o exercício da liderança fica vinculado ao desejo de alguém exercê-lo e não do poder formal que é colocado nas mãos do profissional.
Considerações Finais
Como visto anteriormente, o papel da liderança deslocou-se da perspectiva do comando e controle para outra mais subjetiva, aquilo que alguns autores denominam como construção de relações de confiança20,22 outros trabalham com o conceito de mediação36 ou ainda de atribuição de significado21,23. O ponto de encontro entre elas diz respeito a uma relação de alteridade, entre sujeitos, orientada por processos de diálogo e negociação.
A dinâmica hospitalar revelou que o processo de interelações é produzido por uma complexidade de agentes que negociam a partir de diferentes lugares de poder, de especialização, e de identidade organizacional.
Enquanto as sub-culturas administrativa e de enfermagem tem vínculos formalizados com a organização e, portanto, sujeitos a relações de autoridade formal, a sub-cultura médica, dada a precariedade de seu vínculo de contratação, tem uma autonomia derivada da ausência da possibilidade de controle.
Por outro lado, entre as sub-culturas administrativas e de enfermagem, a primeira é orientada pela dinâmica da eficiência administrativa, com uma cadeia de comando relativamente clara, enquanto que a segunda está entre a autoridade médica e a administrativa.
A sub-cultura administrativa tem a responsabilidade de estabelecer e acompanhar processos de controle que necessitam responder a eficiência das atividades, mas ao mesmo tempo, devem ser adequadas e compatíveis com o perfil cultural da sub-cultura médica, que só adota os procedimentos que considera compatíveis com o exercício de sua profissão.
Além dessa complexa rede, os processos administrativos ainda têm que contar com características próprias do perfil cultural brasileiro, em duas vertentes significativas: a postura de expectador de parcela dos funcionários, a orientação de conduta pelas relações pessoais e também uma estrutura vertical.
Esses fatores aliados são base suficiente para originar conflitos relativos ao controle do trabalho, divergência de interesses e a desigualdade de tratamento social.
Ressalta-se também que esse cenário é fruto de uma construção histórica em que a organização hospitalar migrou de um perfil filantrópico, em que a dimensão administrativa estava colocada em um segundo plano, para um perfil empresarial, nesse caso associado a questões como competitividade.
Os depoimentos indicam que a confiabilidade das relações tanto na dimensão vertical como na horizontal da hierarquia são precárias.
Diante desse quadro indaga-se sobre como a atuação da liderança poderia amenizar esse quadro de forma a estabelecer relações mais cooperativas e solidárias capazes de potencializar procedimentos administrativos que viabilizassem maior eficiência organizacional.
A atuação central da liderança parece estar em estabelecer um processo de mudança na cultura organizacional.
Um primeiro viés de atuação poderia estar vinculado a construção de identidade entre os colaboradores da organização, independente da sub-cultura a que pertencem, com a organização. Para que tal processo fosse possível seria necessário um alinhamento entre os desejos setoriais de cada sub-cultura com os objetivos organizacionais. Não se trata de um processo de “vestir a camisa”, mas primordialmente na construção de ações significativas em que cada ator percebesse a importância de seu papel no contexto das relações com os demais, em uma interação mais sistêmica do que hierarquizada.
Tal perspectiva poderia ter como base fundamental a ampliação dos processos de participação efetiva dos diversos agentes através do aprimoramento dos espaços de comunicação e diálogo, capazes de estabelecer processos de ação negociada em que o produto final não fosse interpretado como resultado de jogos de pressão e poder, mas no avanço possível que o momento em questão foi capaz de produzi
O assistencialismo em saúde sofreu significativas mudanças no sentido de profissionalizar-se e buscar metas não antes desejadas, como por exemplo, o aumento da lucratividade, o que provoca, direta e indiretamente, mudanças na estrutura geral de um hospital.
De acordo com Matos , as instituições de saúde, no ambiente de competitividade cada vez maior, assumem contornos empresariais, necessitando, em tal contexto de uma gestão profissional.
Algumas vertentes, mais conservadoras, ainda relutam em assumir o hospital como parte integrante das empresas nos moldes mais capitalistas; entretanto, estes novos focos de trabalho são demonstrações de uma quebra de paradigma e de preocupação com uma nova forma de Gestão da Qualidade, como defendem os principais autores atuais na área de Qualidade e Hotelaria Hospitalar, podendo ser citados Boeger , Taraboulsi e Dias .
Considerando que a profissionalização dos processos gerenciais das instituições hospitalares constitui-se em uma necessidade tanto do ponto de vista da eficiência como da competitividade, elegeu-se como foco deste estudo o papel da liderança no tratamento dos conflitos derivados do processo de empresarização do hospital.
Parte-se do pressuposto que existe, nesse tipo de organização, uma dualidade no processo de gestão orientada por vetores que em alguns momentos se colocam em posições antagônicas.
De um lado, é encontrada a liderança do corpo de especialistas, composta tanto por médicos como enfermeiros que são tomadores de decisões que envolvem a dimensão administrativa no uso de recursos. Contudo, essas lideranças tendem a orientar-se pela lógica de sua formação profissional e são detentoras de poder tanto em função de seu conhecimento específico, como pelo ambiente de urgência e risco, e ainda pela legitimidade diante da equipe construída pela convivência em situações limite.
Por outro lado, tem-se o corpo gerencial, que, deslocado do cotidiano médico, também ocupa funções que envolvem processos de adesão dos colaboradores e ações de controle e direcionamento das atividades diárias.
Nesse sentido a estrutura organizacional dos hospitais abrigam sub-culturas com peculiaridades que demarcam campos de poder que se constituem em desafios para o processo de gestão.
Van Maanen e Barley apud Hatch definem sub-cultura como sendo um sub setor dos membros da organização que interagem regularmente entre si, se auto-identificam como um grupo distinto dentro da organização, e, rotineiramente, orientam suas ações com base no entendimento coletivo do que é melhor para o grupo.
O processo administrativo ocorre na tensão entre essas duas dimensões (sub-cultura de especialistas técnicos – médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, etc. – e sub-cultura administrativa). A profissionalização dos processos de gestão hospitalar também convive nesse contexto, pois, por um lado não abandona a missão da saúde e o compromisso com a superação das situações limite que envolvem a preservação da vida e, por outro, tem que lidar com a racionalização característica dos processos de gestão.
Parte-se, do pressuposto que a atuação de lideranças do campo administrativo das instituições hospitalares enfrenta desafios adicionais, se comparadas a outras organizações, visto que necessita desenvolver um processo de adesão que suplante a lógica das sub-culturas de especialistas e ao mesmo tempo atribua significado para ações que a primeira vista pareçam ser reduzidas ao controle.
O objetivo deste artigo reside em caracterizar os dilemas existentes entre as sub-culturas de especialidades (médicas, enfermagem e administrativas) a fim de delimitar as possibilidades de atuação das lideranças na mediação dos conflitos derivados desse contexto.
A Organização Hospitalar
As origens do sistema hospitalar, em seu perfil contemporâneo, remontam a Idade Média. Segundo Foucault , a medicina, nesta época, não era uma prática hospitalar; bem como o hospital não era uma instituição médica, sendo até o século XVIII um local essencialmente de assistência aos pobres.
A introdução dos mecanismos disciplinares no espaço hospitalar atribuiu-lhe uma função econômica ao reduzir custos públicos gerados pela propagação das epidemias. A atuação médica, em tal contexto, foi fruto da transformação da prática médica, que amplia o plano de atendimento individualizado nas residências para tal instituição.
Contudo, essa disciplina suscitou mudanças de caráter mais profundo6. Até meados do século XVIII, quem detinha o poder era a parcela das lideranças religiosas, raramente leigas, destinadas a assegurar a vida cotidiana do hospital, bem como a “salvação e a assistência alimentar das pessoas internadas6. O médico estava, portanto, sob a dependência administrativa do pessoal religioso, podendo ser, inclusive, demitido.
Todavia, a partir do momento em que o hospital é concebido como um instrumento de cura e a distribuição do espaço tornam-se um instrumento terapêutico, o médico passa a ser o principal responsável pela organização hospitalar6. Neste raciocínio, considerando o regime alimentar, a ventilação, o ritmo das bebidas e medicações como fatores de cura e, considerando o médico como principal responsável pelo controle destes itens, tem-se que o médico passa a ser, direta e indiretamente, economicamente responsável pela viabilidade do hospital.
Foi este o contexto da época em que os hospitais foram criados, como hoje é conhecido, dando forma às relações sócio-econômicas que se encontram atualmente nas instituições hospitalares.
A empresarialização do hospital, segundo Graça , é a fase da ruptura, tanto conceitual, como organizacional com o passado do hospital cristão medieval e do hospital assistencial do Século XIX.
A respeito da empresarização, Solè compreende que esse fenômeno ocorre em decorrência daquilo que denomina de empresarização do mundo, que transforma as organizações (de natureza social ou filantrópica) em empresas, orientadas por princípios de lucratividade e competitividade, tornando-se similares, em seus valores, às empresas vinculadas ao mundo da produção, constituindo-se como modelo universal da atividade humana. Nesse sentido, a transformação do hospital como organização social em empresa decorre, além dos fatores históricos, de um processo mais amplo que envolveu as organizações.
Graça7 explica que, depois da Segunda Guerra Mundial, em função do peso do desenvolvimento tecnológico, o hospital passa a ser dirigido como uma empresa, modificando todo o sistema técnico de trabalho que foi acompanhado por mudanças organizacionais, podendo ser expressa na criação de áreas antes inexistentes nesta estrutura como, por exemplo, a engenharia hospitalar acompanhada pela gestão da qualidade.
O hospital contemporâneo abandonou a prestação da assistência para assumir a produção dos cuidados com a saúde através da prestação de serviços7. O hospital passa a fazer parte do processo de atenção à saúde, enquanto subsistema de cuidados secundários (por exemplo, cura e tratamento) e terciários (reabilitação e reintegração), para além de lugar de ensino e de investigação biomédica.
Pelo fato do hospital ser uma instituição considerada imprescindível para o desenvolvimento da ciência e para a formação de recursos humanos, uma vez que possibilita descobertas de novos conhecimentos científicos, através da pesquisa, Trevisan afirma a necessidade de refinamento profissional tanto assistencial como gerencial.
Gonçalves , analisando a sociedade contemporânea, diz que é possível perceber o lugar de destaque que os hospitais vêm ocupando. O autor diz que são organizações complexas, que utilizam tecnologia sofisticada e precisam ter uma reação dinâmica às exigências de um meio ambiente em constante mudança. Pode-se, por esta passagem, firmar o entendimento da importância do papel da liderança neste cenário de quebra de paradigmas e adequação às novas necessidades do mercado.
O contexto da liderança
O mundo do trabalho vem passando por diversas transformações ao longo dos anos e, conseqüentemente, estas refletem os diferentes modelos de gestão utilizados pelas organizações, como afirmam Heloani , Morgan e Goulart .
Pode-se considerar como pioneiro no estudo dos estilos de liderança, Max Weber , que diferenciou em três tipologias o comportamento do líder: liderança autoritária, liberal e democrática. Weber14 delimita a diferença entre esses três estilos, dizendo que a liderança autocrática possui sua ênfase centrada no líder; sendo ele quem fixa as diretrizes a serem seguidas e determina as técnicas a serem utilizadas, sem qualquer participação do grupo. Já a liderança democrática coloca sua ênfase tanto no líder como nos subordinados, sendo as diretrizes debatidas e as técnicas e processos escolhidos pelo grupo, assistidos pelo líder. Por sua vez, a liderança liberal coloca todo seu foco nos subordinados. Segundo Weber, neste caso, há liberdade completa, por parte dos colaboradores, para tomada de decisões.
Diversos autores, a exemplo de Koontz et al , destaca que os líderes foram agentes importantes nas mudanças ocorridas no contexto do trabalho, tendo em vista que eram os responsáveis pela difusão das práticas de gestão e pelo gerenciamento da força de trabalho.
De acordo com as mudanças ocorridas no ambiente, Heifetz visualiza uma evolução no conceito de liderança aplicado às organizações. Durante décadas, o termo liderança referiu-se às pessoas que ocupavam posições de gerenciamento no topo das organizações. Contemporaneamente a discussão distingue liderança e gerência entendendo que líderes podem ocupar posições em níveis hierárquicos inferiores.
Sob esta perspectiva, o gerenciamento produz ordem e consistência através do desenvolvimento do planejamento em curto prazo, organização, controle e resolução de problemas; já a liderança produz mudança e movimento nas organizações através da criação de uma visão, desenvolvimento de estratégias, alinhamento das pessoas bem como a responsabilidade de inspirar e motivar o grupo , .
É possível destacar abordagens relacionadas às teorias de liderança apresentadas pela literatura com enfoques diferenciados. Fleishman et al. destacam a existência de aproximadamente 65 sistemas de classificação para sintetizar as dimensões da prática da liderança. Neste contexto, a primeira dificuldade encontrada em definir um conceito de liderança está situada na infinidade de enunciados, facilitando a confusão entre diferentes estilos e teorias de liderança.
Yukl18 ressalta diferentes níveis das diversas teorias de liderança – processo individual (teorias centradas no líder a exemplo da teoria dos traços); processo diádico (teorias focadas na relação entre líder e liderado a exemplo da teoria da troca líder-liderado); e processo grupal (teorias focadas no grupo, entendendo-se que o líder contribui para a eficácia do grupo a exemplo da teoria contingencial).
Há um consenso que a liderança é marcada por um complexo processo de inter-relações entre líder e liderados, na qual ambos influenciam o processo e podem determinar o fracasso ou o sucesso dessa relação17.
Jung e Avolio sugerem que a complexidade do processo de liderança deriva da confiança entre os envolvidos na relação.
Para Davel e Machado , o centro da relação entre lideres e liderados é movido pelo poder, cognição e emoção. O equilíbrio desses fatores é desenvolvido pela liderança através do ordenamento de significados das demandas da organização e dos anseios dos envolvidos que devem gerar processos de identificação. Nesse sentido o processo não é orientado pela autoridade, mas primordialmente pela negociação dos limites possíveis entre os desejos individuais e os objetivos organizacionais, que geram consentimento e legitimam a atuação do líder.
Zand afirma que:
parte da tarefa do líder é trabalhar com as pessoas para identificar e solucionar problemas, mas o seu acesso ao conhecimento e ao pensamento criativo necessários para a resolução dos problemas vai depender do quanto as pessoas confiam nele. A confiança e a credibilidade modulam o acesso do líder ao conhecimento e à cooperação.
Desta forma, cativar e conquistar a confiança dos seguidores apresenta-se também como um desafio, uma vez que esta se apóia na idoneidade da relação. Nesse sentido, a transparência e a ética constituem-se em fatores importantes uma vez que indivíduos desonestos que buscam somente a satisfação de interesses individuais não sustentam tal perspectiva 20,22.
Para Bergamini a liderança tem o papel de atribuição de significados as ações desenvolvidas pelos liderados, nessa perspectiva o líder é um agente de mudança cultural. Sua capacidade de compreender a cultura organizacional permite administrar o sentido que é dado para as ações da organização pelos liderados. Tal processo é derivado de sua habilidade de estabelecer sintonia das expectativas dos contribuintes individuais e grupais com as demandas organizacionais. A dificuldade de atuação da liderança estaria vinculada a resistência da organização em modificar seu status quo.
No âmbito hospitalar a questão da liderança é bastante complexa, pois as relações de identificação entre colaboradores, gestores e a organização são produzidas em vários contextos.
No plano da atuação diária, o médico ocupa um lugar de destaque e sua função não se limita à execução de procedimentos médicos, mas envolve ações administrativas sobre as quais ele tem autonomia dado a natureza de sua função. Este profissional está exposto a situações em que não são possíveis processos de consultas e autorizações.
Por outro lado, a profissionalização administrativa dos hospitais estabeleceu uma linha paralela de condução das relações interpessoais, fazendo com que funções administrativas, antes limitadas à execução de procedimentos de controle assumam um papel de mediador das relações.
Nesse contexto têm-se duas linhas de liderança, que nem sempre agem a partir da mesma lógica de gestão. A sub-cultura médica que realiza atividades em função do que julga correto para a situação e a administrativa que produz regras orientadas para o processo de profissionalização, em busca de controle de custos, aumento da produtividade e busca pela qualidade por meio de padronização das operações. É neste contexto que pode nascer o conflito entre essas duas sub-culturas: uma defende maior liberdade de atuação, prevendo que as situações não podem ser catalogadas e, portanto, deixando de seguir protocolos; enquanto a outra, não reconhece a influência histórica que a sub-cultura médica exerce no cotidiano de um hospital, tentando fazê-los seguir regras impostas sem participá-los previamente das decisões.
Entretanto, essas sub-culturas precisam co-existir dentro do ambiente hospitalar e, desta forma, a fim de gerir as instituições de saúde, Uribe Rivera , afirma que a comunicação e a negociação são instrumentos decisivos na gestão contemporânea em busca da governabilidade de uma organização de alto grau de complexidade, como a hospitalar.
Nesta linha de raciocínio encontra-se Matus , discorrendo sobre o poder nas organizações de saúde, dizendo que este é compartilhado por vários núcleos de profissionais, reforçando a necessidade de aprimoramento constante na comunicação e na capacidade de negociação das lideranças.
Desta forma, ele conclui que, a negociação é cooperativa quando os interesses são distintos, entretanto o objetivo é comum, levando os profissionais a uma saudável disputa. Todavia, o autor diz que, quando os interesses são divergentes e a negociação é conflituosa, o resultado é nulo.
Entende-se, portanto, a vitalidade das lideranças no contexto hospitalar, uma vez que são elas (sejam do corpo clínico, da enfermagem ou administrativo), as responsáveis pelo bom andamento das atividades. Tal harmonia é resultado do saudável relacionamento entre os atores envolvidos, considerando que o descompasso entre a linguagem de cada grupo pode acarretar em uma cultura confusa, gerando pouco entendimento das diretrizes organizacionais por parte dos colaboradores, acarretando em conflito de interesse e falta de alinhamento às estratégias propostas de forma global.
Vale lembrar que a organização hospitalar, de forma geral, ainda é pouco desenvolvida neste sentido, havendo, até mesmo pelo contexto histórico, disputa de poder e provocações sutis mútuas entres as sub-culturas que atuam, supostamente, juntas em função de um objetivo maior.
Cultura organizacional: uma variável para compreender a relação entre conflito e liderança no contexto brasileiro
Os estudos de cultura organizacional nem sempre consideram as singularidades culturais e de alguma forma generalizam conceitos oriundos de outras culturas, principalmente a norte-americana para interpretar as ações do contexto organizacional brasileira. Tal processo gera uma distorção analítica, uma vez que hierarquiza visões de mundo como melhores ou piores, perdendo a compreensão do movimento de cada cultura . No Brasil uma série de estudos propõe uma análise relacional entre os traços da cultura brasileira e o perfil das organizações , , , , .
Fleury destaca que o estudo da cultura organizacional está permeado pela compreensão das relações de poder, do processo de trabalho e das práticas administrativas, que constituem o tecido simbólico sobre o qual a dimensão interpessoal se constitui.
Em tal contexto o estudo da cultura organizacional brasileira deve estar alicerçado em nossa realidade cultural, como matriz interpretativa.
Sobre esse estilo brasileiro de administrar, Prates e Barros27 desenvolvem um sistema de análise que se baseia nos seguintes eixos:
a) líderes e liderados: apresentando como uma concentração de poder por parte dos líderes e uma forte tendência paternalista, geram na dimensão dos liderados a falta de iniciativa, de um lado, e a tendência de evitar conflitos, como forma de não desenvolver um enfrentamento direto com as relações de poder, que articuladas atribuiriam ao liderado brasileiro grande flexibilidade para lidar com situações imprevistas e incertas.
b) institucional e pessoal: de um lado as organizações são dotadas de grande institucionalidade gerando um excesso de procedimentos formais, derivados de uma relação de autoridade muito centralizadora, e de outro, considerando que culturalmente as relações pessoais são valorizadas, tal situação geraria uma lealdade pessoal a pessoa do líder, o que traria problemas nos momentos sucessórios uma vez que as relações são pessoais.
Na intersecção desses dois eixos teríamos como eixo sustentador de processos aparentemente contraditórios a impunidade, que geraria a flexibilidade necessária para a execução de sansões e definição de políticas.
Outro autor que realizou uma pesquisa sobre a influência dos traços nacionais na cultura organizacional, foi Hofstede. Segundo Hatch5 ele realizou um estudo em uma empresa multinacional em 40 países, e especificamente com relação ao Brasil, concluiu que a empresa brasileira analisada é avessa aos riscos, preza as relações pessoais, tem rígida estrutura hierárquica, visão negativa da competição e prefere as decisões por consenso.
Freitas30 também realizou um estudo e define como traços centrais a hierarquia verticalizada, personalismo, malandragem, sensualismo e espírito aventureiro (aversão ao trabalho rotineiro).
Ainda que os autores apresentem ênfases diferenciadas, dada sua perspectiva de análise, é possível verificar certa homogeneidade geral nos traços da cultura organizacional brasileira.
Outros autores, como Miguelis26, criticam essa visão estática da cultura ancorada em uma versão histórica de 500 anos, contudo, ainda que possamos concordar que tais traços não são fixos, uma vez que a cultura organizacional é singular, não podemos desconsiderar tendências mais gerais que certamente influenciam nossa visão de mundo enquanto população brasileira.
Conflito e as interfaces no uso do poder
A temática do conflito foi tratada de forma diferenciada pelas várias abordagens de administração. Segundo Motta , as escolas de administração podem ser divididas sob dois enfoques: o prescritivo e o explicativo. No primeiro grupo estariam localizadas a administração científica e a abordagem humanística, para elas os conflitos eram inexistentes, pois ambas acreditavam em uma harmonia de interesses entre patrões e empregados. Para a primeira, essa harmonia era natural e para a segunda, ela poderia ser alcançada por um processo de gestão compreensivo e terapêutico que eliminaria condutas individuais.
O segundo grupo, no qual o autor inclui o Behaviorismo e o Estruturalismo, admitem a existência do conflito, contudo, enquanto a abordagem comportamental, ainda, procura resolvê-los através da negociação, os estruturalistas o tomam como inevitáveis e até mesmo desejáveis.
Portanto, são esses últimos que incluem na agenda da administração a dimensão do conflito enquanto um agente inerente ao processo organizacional, e o consideram como elemento propulsor de desenvolvimento.
Ainda, para Motta33 essa escola de administração procurou identificar as origens dos conflitos, tomando como referência dois autores: Marx, para o qual eles são gerados em função da ausência de propriedade dos meios de produção por parte dos trabalhadores, e; Weber, que amplia a dimensão da propriedade para o controle, ou seja, os conflitos seriam gerados em função de um processo de controle exercido sobre o trabalho, que geraria divergência de interesses entre indivíduo e organização.
Portanto, a partir dos estruturalistas a reflexão sobre esta temática organizacional passou a fazer parte das preocupações dos teóricos da administração.
Robbins , também, faz uma retrospectiva de como os conflitos foram tratados nas teorias organizacionais, categorizando-as em três visões: a tradicional (o conflito deve ser eliminado), a de relações humanas (o conflito é uma ocorrência natural) e a interacionista (um nível saudável de conflito deve ser estimulado).
Existe um consenso de que os conflitos são gerados pela divergência de interesses12,33,34, contudo, como o tratamento dessa questão reflete nas relações de poder é algo que nos deteremos um pouco mais.
Motta sugere que o tratamento dos conflitos está relacionado, diretamente, com as formas de uso de poder. Em tal perspectiva, quanto mais hierarquizada é uma organização, mais a compreensão do conflito estará articulada a sua dimensão disfuncional e, portanto, passível de repressão.
Para o autor35, admitindo-se que o conflito tem como fonte a diversidade de interesses e a distribuição desigual de recursos, o enfrentamento positivo da questão poderia ocorrer através de processos de participação.
A participação nasce como instrumento para a cooperação e a solução de conflitos. Para os que admitem ser o conflito proveniente de fatores organizacionais e individuais, a participação é normalmente considerada uma forma eficaz de solução, acomodações ou equilíbrio entre grupos divergentes.
Neste contexto, a dimensão da política da organização é evidenciada, e os processos de negociação passam a fazer parte de seu cotidiano. Uma ampliação da esfera de poder pressupõe, segundo o autor, uma perspectiva mais pluralista.
Essa abordagem está baseada em três premissas: os indivíduos são motivados e agem segundo interesses próprios; a ação individual é acompanhada por processos de coalizão e; finalmente, que a capacidade de influência está diretamente vinculada à luta pelo controle de processos35.
Portanto, a dimensão da participação, sob a ótica pluralista do poder, não é tomada de forma ingênua, mas, se reconhece a organização como um campo de forças e disputas que se alinham ou divergem em função de contextos e interesses. Morgan12, também, apoiado na perspectiva política das organizações, caracteriza os conflitos pela diversidade de interesses, contudo, faz uma diferenciação entre eles, o que por sua vez, derivaria formas alternativas de tratamento.
O autor sugere que os interesses podem ser divididos em três categorias: da tarefa, vinculado com o trabalho que se está desempenhando;, de carreira, que inclui a personalidade, valores e preferências individuais e; extra muro que articula a dimensão do cargo e da carreira. Essas categorias não se desenvolvem isoladamente, mas se articulam a partir de situações que colocam em evidência uma ou outra, produzindo uma diversidade de comportamentos no enfrentamento do conflito.
A metáfora política, segundo Morgan12, demonstra como a organização lida com as relações entre interesses, conflito e poder e, portanto, como as coalizões são construídas para o enfrentamento dessa questão.
Em contraste com a visão de que as organizações sejam empreendimentos interligados e racionais que perseguem um objetivo comum, a metáfora política encoraja a ver as organizações como redes de pessoas independentes com interesses divergentes que se juntam em função da oportunidade (...) As organizações são compostas por coalizões e a construção da coalizão é uma importante dimensão de quase toda a vida organizacional.
Em tal perspectiva, o poder está relacionado diretamente com a capacidade de enfrentamento do conflito, pois seria a habilidade de conseguir que uma pessoa mudasse seu posicionamento diante de uma dada situação. Morgan12 elenca uma diversidade de fontes de poder que poderiam ser utilizadas no enfrentamento dos conflitos, quais sejam: autoridade formal; controle de recursos escassos; uso da estrutura organizacional, regras e regulamentos; controle do processo de tomada de decisão; controle do conhecimento e da informação; controle dos limites; habilidade de lidar com a incerteza; controle da tecnologia; alianças interpessoais, redes e controle da organização informal; controle das contra-organizações; simbolismo e administração do significado; sexo e administração da relação entre os sexos; fatores estruturais que definem o estáfio da ação; o poder que já se tem.
Morgan12, também, se alinha com a perspectiva do tratamento dos conflitos sob a ótica pluralista, ou seja, do reconhecimento da diversidade de interesses, intuitos e objetivos presentes na organização. Em tal contexto, o conflito faz parte de um jogo de poder, e o papel do gestor é fazer com que esse jogo traga resultados para a organização. Trata-se de manter um nível adequado de conflito, que permita evitar a improdutividade, encorajando a complacência e letargia e ao mesmo tempo evitar que ele atinja patamares destrutivos e irreconciliáveis.
O autor não sugere um caminho único para o enfrentamento desta questão, mas propõe uma diversidade de posicionamentos e estilo do gestor, definidos a partir de uma análise do contexto e dos comportamentos existentes na organização em uma situação específica.
Os estilos propostos por ele são: impeditivo, negociador, competitivo, acomodador e colaborador. Todos esses estilos estão no contexto da ação pluralista, e a habilidade do gestor está, justamente, em sua capacidade de reconhecer as áreas latentes de conflito e saber como lidar com elas.
Pagès et al , também, reconhece a organização como um locus de interesses contraditórios.
A organização e, se quisermos, uma vasta “zona intermediária” que se interpõe entre as contradições de classe, evita ou atenua conflitos, os absorve e os integra em um sistema social unificado, mas é, entretanto, constantemente sustentada e produzida por elas (...) Todos esses fenômenos não significam o desaparecimento das contradições, nem mesmo sua atenuação. Mas, antes a modificação do sistema de controle da sociedade e das empresas capitalistas, sua extensão a novas zonas, em face das mudanças do sistema produtivo e das condições de luta.
Em tal contexto, o autor sugere que o papel do gestor deva estar mais centrado na mediação, que, em tal situação, teria uma função de antecipação dos conflitos.
Neste caso, sugere que o tratamento dessa problemática organizacional estaria vinculada a manutenção de condições favoráveis para os agentes organizacionais, ou seja, promoção de bem estar para funcionários, satisfação dos clientes, boa reputação.
O diálogo com os autores parece indicar que a dimensão do conflito nas organizações ainda é algo a ser aprofundado, contudo poderíamos traçar algumas tendências.
A primeira é a de que o conflito faz parte da dinâmica organizacional, e, de uma forma ou de outra vem sendo enfrentado pelos gestores na tentativa de potencialização de seus efeitos, seja para os sujeitos, seja para a organização.
A segunda que relaciona o conflito a um processo de percepção e contextualização, ou seja, não é possível a definição de um modelo de tratamento dessa questão uma vez que conjunturas diferenciadas e comportamentos distintos exigem formas particulares de tratar a questão.
E a última está vinculada a relação íntima entre conflitos e poder, ou seja, na mesma medida que parte dos conflitos organizacionais são provocados por uma distribuição desigual do poder este tem sido o instrumento fundamental para seu equacionamento no contexto empresarial, exigindo dos gestores uma capacidade maior de compreensão e negociação da diversidade.
Diante da complexidade dessa questão, propomos um olhar em uma organização, no sentido de perceber em que medida a realidade organizacional se alinha ou não com as perspectivas aqui esboçadas.
Metodologia do estudo
O hospital em que foi desenvolvido o estudo é uma instituição filantrópica de direitos privados, sem fins lucrativos, sendo o remanescente das receitas apuradas, investido no próprio hospital, na aquisição de novos equipamentos e melhorias estruturais.
O organograma da instituição apresenta seis níveis hierárquicos, partindo da presidência, que é representante da mesa diretora da instituição mantenedora; administração, representada por um administrador hospitalar; coordenadores, que são responsáveis pelas grandes áreas; gestores, que têm a função de administrar as gestões de cada coordenação; os supervisores, que gerenciam os setores que cada gestão engloba e os colaboradores, que são os executores.
O presente estudo tem uma abordagem qualitativa. Trata-se de pesquisa descritiva, quanto aos fins, e pesquisa de campo, quanto aos meios, e os instrumentos de investigação foram: observação participante e entrevista.
A amostra envolveu 30 profissionais da organização, sendo: 6 médicos, 4 lideranças de enfermagem, 8 profissionais de enfermagem (operacional), 4 líderes administrativos e 8 colaboradores administrativos. Os sujeitos foram escolhidos por acessibilidade de forma estratificada, procurando contemplar diversidade nas funções e níveis hierárquicos: Estratégica (que engloba Gestão de Pessoas, Gestão de Controladoria e Gestão Financeira), Operacional (que envolve as Gestões de Hotelaria, de Suprimentos e de Engenharia) e Técnica (que diz respeito aos departamentos de enfermagem e médicos, divididos nas Gestões de Materno-Infantil, Clínico-Cirúrgico, Ambulatorial e SADT – Serviços de Apoio ao Diagnóstico e Terapia).
Para cada grupo hierárquico foi elaborado um roteiro de investigação adaptando situações específicas da área de atuação e posição no organograma. O instrumento de pesquisa abordava questões relacionadas ao conflito entre as sub-culturas, processo decisório e liderança.
As entrevistas foram gravadas e transcritas para análise interpretativa dos depoimentos. Segundo Merriam (1998) trata-se de um processo de articulação de dados concretos e conceitos abstratos, orientado pelo raciocínio indutivo e dedutivo que possibilita a descrição e a interpretação.
As categorias de análise foram definidas a partir de eixos recorrentes nas falas: organograma, participação, conflito e liderança.
A observação participante foi realizada por um membro da equipe que trabalha no hospital. Durante seis meses (janeiro a julho/2006) o pesquisador anotou suas impressões e depoimentos sobre a temática da pesquisa que subsidiou a elaboração do roteiro e a condução das entrevistas.
As realização das entrevistas ocorreu durante um mês (agosto/2006).
Resultados da Pesquisa
1. Organograma
Para compreender em que medida a dimensão da tomada de decisão e os conflitos era decorrente do conhecimento mais amplo sobre a organização algumas questões abordaram a percepção dos entrevistados sobre o organograma.
A dimensão formal da hierarquia, representada no organograma, não é amplamente conhecida. Os gestores, coordenadores e a administração sabem e conhecem quais são os níveis, o que eles representam e quem são os ocupantes de cada cargo.
Por outro lado, colaboradores e alguns supervisores dizem nunca ter visto o organograma da instituição. Eles sabem a quem devem se reportar, mas desconhecem a rede formal de autoridade existente. O mesmo ocorre com os médicos e membros do corpo clínico, com exceção do Diretor Clínico cujo conhecimento é derivado de sua relação com o corpo administrativo dado a função que exerce.
A ausência de uma divulgação mais ampla do organograma dificulta que os agentes envolvidos nos processos da organização compreendam as relações de autoridade. Do ponto de vista das ações administrativas esse desconhecimento dificulta a percepção dos fluxos decisórios relativos às ações.
Questionados sobre os motivos que levam a esse desconhecimento, aqueles que ocupam cargos afirmam que o hospital está passando por fase de re-estruturação e que este desenho é muito recente, não tendo havido tempo para sua divulgação.
Contudo, mesmo aqueles que conhecem a estrutura hierárquica confirmam que, pela pressa de resolver determinada situação, acabam burlando os níveis propostos. É o caso de um coordenador que reconhece sua dificuldade em acatar a relação hierárquica proposta no organograma.
Em alguns casos a hierarquia é apontada como um fator que dificulta a agilidade dos processos, e nesses casos existe certa dificuldade em manter a proposição do organograma.
A dificuldade em compreender como se desenvolvem os fluxos decisórios pode se constituir em um dos fatores geradores de conflitos. Contudo, os relatos demonstram que a questão central não é o desconhecimento, mas primordialmente a emergência da situação de um lado, e a cultura organizacional que em outros momentos era receptiva a contatos diretos que ignoravam a hierarquia existente.
2. Participação dos Superiores e Subordinados e Médicos no processo de gestão
Sobre a participação na gestão, fica claro que o sistema de trabalho ainda é centralizado na administração e especialmente na presidência. Desde os supervisores até os coordenadores, a sensação é de terem autonomia para resolver situações que estejam dentro de sua rotina; qualquer eventualidade que ocorra, um nível superior deverá ser acionado. A parte médica diz ter autonomia para sugerir mudanças, mas não se sente no direito de iniciar uma nova rotina sem um membro do corpo oficial do hospital.
Um dos coordenadores do hospital, caracterizando seu nível de autonomia explica que os supervisores também concordam que existe autonomia restrita as atividades rotineiras, contudo, novas iniciativas ainda não são incentivadas.
No que diz respeito ao envolvimento dos subordinados e dos superiores no processo decisório (de uma situação-problema, de uma nova rotina, etc.), verifica-se que há uma considerável variação de setor para setor. Por exemplo, nos departamentos de enfermagem, onde a hierarquia é mais definida (pois não depende do organograma ser divulgado ou não – existe uma hierarquia histórica e de níveis de conhecimento – auxiliar, técnico e enfermeiro), a participação dos subordinados é menor (sendo este dado apontado tanto pelos supervisores quanto pelos colaboradores).
Já nas áreas mais administrativas (operacionais) a participação dos subordinados nas rotinas e decisões é maior.
Da mesma forma é a participação dos superiores dentro dos setores: nos departamentos de enfermagem, a ligação entre os membros é vertical, seguindo a hierarquia proposta: coordenador – gestor – supervisor – colaborador; ligação que é mais maleável nos departamentos administrativos.
Ainda que os setores administrativos apresentem uma visão mais otimista, alguns depoimentos indicam que essa questão ainda não faz parte da cultura, e depende, em alguma medida do perfil de quem ocupa o cargo:
Nesta perspectiva o contexto da enfermagem aproxima-se mais do administrativo, pois o envolvimento entre aqueles acima e abaixo dos cargos médicos não apresenta comunicação direta.
Já no que diz respeito as forma de relacionamento e canais de comunicação entre supervisores e subordinados, entende-se que a hierarquia da enfermagem apresentou-se mais rígida, podendo ser decorrência de uma forma histórica de trabalho e do escalonamento gradativo de saberes. Entretanto, no quesito envolvimento entre superiores e subordinados, tanto os grupos administrativos, quanto os de enfermagem, mostraram-se “engessados” e com hierarquias pouco flexíveis.
No que tange a influência dos grupos médicos nas decisões administrativas, foi verificado que esta é compreendida informalmente. Por exemplo: se a administração estabelece alguma rotina que o corpo médico não concorda, eles boicotam a rotina, não fazendo parte dela, não seguindo o que foi proposto. Desta forma, eles conseguem fazer com que essa rotina seja revista.
Entre os médicos não há consenso nessa questão, pois ao mesmo tempo em que alguns afirmam não ter autonomia, em função da precariedade contratual, visto que eles não são funcionários do hospital, mas prestadores de serviço, outros afirmam que se sentem à vontade para tomar decisões, contudo tal conduta não está vinculada a flexibilidade da gestão, mas a certa rebeldia do profissional com relação as regras:
O status que um médico tem, em uma instituição dessa natureza, permite atitudes como essa, por outro lado é necessário considerar que esse comportamento, questionador a gestão, os coloca em conflito com o restante da equipe, há uma exposição individual, mas principalmente dos outros membros da equipe que são co-responsáveis pela atividade, passíveis de punição, gerando conflitos entre as sub-culturas.
A participação ocorre, portanto, por processo de pressão e não de espaços favorecedores do diálogo. O papel que o médico ocupa na dinâmica do hospital lhe confere poder que permite esse tipo de conduta.
Um dos coordenadores quando questionado sobre a existência de influência dos grupos médicos na definição de procedimentos que vão contra os já propostos pela administração, ressaltou que cada médico segue sua própria agenda não importando desta forma a rotina estabelecida pelo hospital, fala esta também ressaltada por um supervisor.
Diante da dificuldade de exercer poder de influência sobre os médicos a administração reconstrói rotinas para evitar o constante descumprimento de procedimentos, contudo, como os canais de diálogo não funcionam as limitações permanecem:
Contudo esse posicionamento não é consensual, pois segundo um supervisor de enfermagem os médicos não são consultados diante da elaboração de uma nova rotina. :
Esse relato demonstra que para relativizar a dificuldade de exercer influência sobre o médico, o setor administrativo delega para a enfermagem procedimentos que inicialmente eram de responsabilidade dos médicos, contudo, dificultam a realização dessas atividades por parte da enfermagem, que de alguma forma, passam a monitorar os médicos para proceder os registros.
Um representante do corpo clínico, por sua vez, quando perguntado sobre suas atitudes quando recebe a notícia de uma nova rotina com a qual não concorda, destaca que tenta entender os motivos da mudança da rotina, recorrendo ao supervisor da área, caso não haja compreensão continua fazendo da mesma forma anteriormente traçada.
Novamente percebe-se que a autonomia dos médicos não está relacionada a padrões de gestão, mas mecanismos de pressão que escapam ao controle da área administrativa.
A classe médica expressa preocupação com os problemas enfrentados pela dimensão burocrática do hospital. Exemplo disso são os depoimentos recorrentes dos setores administrativos e de enfermagem da falta de paciência por parte dos médicos em preencher as documentações necessárias. Quando perguntado a representantes da classe médica sobre essa assertiva, as respostas não desmentiram o já exposto.
A precariedade do vínculo, aliada a necessidade do médico em se relacionar com mais de um hospital, e ainda, a cultura da profissão que o coloca no papel de decidir entre a vida e a morte, situações em que a dimensão burocrática não faz o menor sentido, leva os médicos a tomarem posicionamentos que exercem pressão na estrutura administrativa que podem facilmente ser confundidos com autonomia.
Nesse contexto se estabelece um relacionamento distante entre corpo médico e administração. Como amortecedor desses conflitos, o setor de enfermagem recebe pressão dupla, dos médicos e da administração, tornando-se prisioneiros dessa falta de diálogo.
3. Conflito entre as áreas Médica, de Enfermagem e Administrativa
Algumas pessoas consideram que existe muito conflito, outras, que não existe conflito nenhum. De acordo com as respostas recebidas quando um membro administrativo presencia alguma atividade fora da rotina protagonizada por um membro médico, por exemplo, tenta-se resolver a situação no momento em que acontece; sendo que alguns se dirigem diretamente ao médico e outros aos seus supervisores.
Percebem-se atitudes orientadas pelo perfil individual e pela afinidade, ao mesmo tempo em que alguns relatos demonstram rigidez outros vão demonstrando que as pessoas escolhem a intensidade dessa rigidez orientada pelas relações pessoais, como foi visto anteriormente característica presente no perfil cultural das organizações brasileiras.
Já a área de enfermagem, quando presencia algum médico tomando uma atitude fora da rotina, procede de acordo com o seu lugar na hierarquia. Por exemplo, uma técnica de enfermagem, normalmente, irá suportar que o médico haja da maneira que lhe convir, mas depois irá reportar o caso a sua supervisora. Se uma enfermeira, responsável por um setor, presenciar algo que não está na rotina, ela mesma tomará atitude. Caso o médico continue insistindo em atuar fora do proposto, foi observado que a situação é levada a instâncias maiores, como a Diretoria Clínica e a Administração.
Nos conflitos entre as sub-culturas médicas, de enfermagem e administrativa, cada grupo toma atitudes orientadas pela hierarquia, mas primordialmente, quando se trata de denunciar problemas se orienta pelas afinidades pessoais. Fica sub-entendido que existe uma zona de atuação de cada área e, desde que uma não apresente riscos ao campo de outra, aquela pode proceder da forma como lhe convier. Ou seja, desde que um médico não cause danos à administração, ele pode montar sua rotina conforme preferir. Do mesmo modo, se um médico proceder de forma não protocolar, mas não interferir no trabalho da enfermagem, não haverá comoção.
Desta forma, os conflitos não existem abertamente, até mesmo em função da co-dependência entre as atividades de cada sub-grupo.
Os coordenadores da área administrativa concordam que as diferenças e divergências não são debatidas.
A insatisfação e os desejos de mudança ficam velados e pouco discutidos, visto que a contratualização entre médicos e administradores é frágil. O médico não é funcionário do hospital, portanto, não se interessa por questões que não são de sua alçada. Da mesma forma, pela falta de vínculo empregatício, o hospital deixa de exigir maior participação e responsabilização, já que historicamente é assim que se procede.
A dificuldade que se coloca não apenas no plano formal da comunicação, mas principalmente no cultural, dificulta o aprimoramento dos processos e por sua vez geram outros conflitos com os níveis hierárquicos subordinados que enfrentam diariamente as dificuldades derivadas dessa ausência de discussão.
4. Liderança
Quando perguntado aos diversos entrevistados o que consideravam um líder, os adjetivos mais usados foram: alguém que ajuda, que ouve, que colabora na rotina, que comanda bem.
Quando indagados sobre o que consideravam ser um chefe, os seguintes adjetivos sobressaíram: Alguém que só manda, que faz cumprir regra, que ameaça, é decidido, autoritário, muito correto.
Para melhor compreender essa dicotomia de papéis indagou-se: Um chefe pode ser líder, e vice-versa? As respostas encontradas foram dicotômicas: alguns diziam que líder e chefe são duas coisas diferentes, enquanto outros diziam que sim.
Portanto, na compreensão dos entrevistados, a liderança tem um papel mais afetivo e compreensivo, enquanto o chefe está limitado ao comando e controle.
Tal interpretação indica que possivelmente as relações hierárquicas são conflituosas, sendo que aqueles que estão em cargos de comandos são considerados pejorativamente como chefes.
Por outro lado, também é possível indicar uma postura de expectador por parte daqueles que se consideram subordinado, uma vez que idealiza na liderança a total resolução dos problemas. Não há, nessa concepção, co-responsabilidade pela resolução dos problemas, mas uma postura passiva.
No que diz respeito a liderança da classe médica, alguns acreditam que o médico seja um líder até mesmo pela natureza de sua profissão; outros entendem que uma função em nada comunica-se com outra.
Contraditoriamente ao que já foi apresentado esse médico afirma que só assume a liderança de processos quando os procedimentos formais não existem, pois de outra forma declara que seguiria as normas pré-definidas.
Contrapondo o colega de profissão, um cirurgião-geral, relata que o médico incorpora no seu dia-a-dia profissional a função de líder.
Neste sentido, pode-se perceber que o entendimento do médico como líder dentro da organização hospitalar depende da postura de cada médico perante o tipo de responsabilidade que sua profissão assume. Assim sendo, passa pelo mesmo embate que qualquer profissional, ou seja, o exercício da liderança fica vinculado ao desejo de alguém exercê-lo e não do poder formal que é colocado nas mãos do profissional.
Considerações Finais
Como visto anteriormente, o papel da liderança deslocou-se da perspectiva do comando e controle para outra mais subjetiva, aquilo que alguns autores denominam como construção de relações de confiança20,22 outros trabalham com o conceito de mediação36 ou ainda de atribuição de significado21,23. O ponto de encontro entre elas diz respeito a uma relação de alteridade, entre sujeitos, orientada por processos de diálogo e negociação.
A dinâmica hospitalar revelou que o processo de interelações é produzido por uma complexidade de agentes que negociam a partir de diferentes lugares de poder, de especialização, e de identidade organizacional.
Enquanto as sub-culturas administrativa e de enfermagem tem vínculos formalizados com a organização e, portanto, sujeitos a relações de autoridade formal, a sub-cultura médica, dada a precariedade de seu vínculo de contratação, tem uma autonomia derivada da ausência da possibilidade de controle.
Por outro lado, entre as sub-culturas administrativas e de enfermagem, a primeira é orientada pela dinâmica da eficiência administrativa, com uma cadeia de comando relativamente clara, enquanto que a segunda está entre a autoridade médica e a administrativa.
A sub-cultura administrativa tem a responsabilidade de estabelecer e acompanhar processos de controle que necessitam responder a eficiência das atividades, mas ao mesmo tempo, devem ser adequadas e compatíveis com o perfil cultural da sub-cultura médica, que só adota os procedimentos que considera compatíveis com o exercício de sua profissão.
Além dessa complexa rede, os processos administrativos ainda têm que contar com características próprias do perfil cultural brasileiro, em duas vertentes significativas: a postura de expectador de parcela dos funcionários, a orientação de conduta pelas relações pessoais e também uma estrutura vertical.
Esses fatores aliados são base suficiente para originar conflitos relativos ao controle do trabalho, divergência de interesses e a desigualdade de tratamento social.
Ressalta-se também que esse cenário é fruto de uma construção histórica em que a organização hospitalar migrou de um perfil filantrópico, em que a dimensão administrativa estava colocada em um segundo plano, para um perfil empresarial, nesse caso associado a questões como competitividade.
Os depoimentos indicam que a confiabilidade das relações tanto na dimensão vertical como na horizontal da hierarquia são precárias.
Diante desse quadro indaga-se sobre como a atuação da liderança poderia amenizar esse quadro de forma a estabelecer relações mais cooperativas e solidárias capazes de potencializar procedimentos administrativos que viabilizassem maior eficiência organizacional.
A atuação central da liderança parece estar em estabelecer um processo de mudança na cultura organizacional.
Um primeiro viés de atuação poderia estar vinculado a construção de identidade entre os colaboradores da organização, independente da sub-cultura a que pertencem, com a organização. Para que tal processo fosse possível seria necessário um alinhamento entre os desejos setoriais de cada sub-cultura com os objetivos organizacionais. Não se trata de um processo de “vestir a camisa”, mas primordialmente na construção de ações significativas em que cada ator percebesse a importância de seu papel no contexto das relações com os demais, em uma interação mais sistêmica do que hierarquizada.
Tal perspectiva poderia ter como base fundamental a ampliação dos processos de participação efetiva dos diversos agentes através do aprimoramento dos espaços de comunicação e diálogo, capazes de estabelecer processos de ação negociada em que o produto final não fosse interpretado como resultado de jogos de pressão e poder, mas no avanço possível que o momento em questão foi capaz de produzi










