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0881/2008 - The Meanings of Working in Intensive Care Unities of two Brazilian Hospitals
Os Significados do Trabalho em Unidades de Terapia Intensiva de dois Hospitais Brasileiros

Author:

• Davi Baasch - Baasch, D. - Palhoça, SC - Universidade Federal de Santa Catarina - <davibaasch@gmail.com>

Thematic Area:

Não Categorizado

Abstract:

Health workers working in Intensive Care Unities experience complex situations where there is suffering due to others’ suffering, among other factors. This article aimed to verify the meanings and the satisfaction arising from the work of 80 ICU employees at a public hospital from Santa Catarina and a private one from Rio de Janeiro. For data collection, questionnaires and interviews were used. For the analysis, descriptive statistics. It is noteworthy that the meanings of working at the ICU’s researched orbit around the notion of social contribution and responsibility and/or exchange. Social relations at work were shown as a central dimension for most of the individuals. Most of them consider working not as something negative, but as one of the most important item of their lives, surpassing even the idea of the payment that it originates. It was observed that the understanding of the meanings assigned to work is an essential factor to achieve the emotional balance of workers at hospitals and to understand the conditioning causes of possible disruptions of this balance, which is a crucial factor for the promotion of mental health and quality of life at work.
Keywords: Meanings of working. Health workers. Satisfaction. Mental health.

Content:

INTRODUÇÃO
Os profissionais de saúde que trabalham em unidades críticas, como no caso das Unidades de Terapia Intensiva (UTI’s), vivenciam situações complexas, pois seu cotidiano envolve casos de emergência, tempo prolongado de hospitalização e risco de morte, dentre outros agravantes. Além disso, o sofrimento do trabalhador da equipe de saúde é também decorrente do sofrimento alheio, principalmente quando a sua possibilidade de proporcionar alívio a esse sofrimento é limitada. De um lado, há uma satisfação pelo alívio do sofrimento do outro; de outro, o sofrimento com as condições e limites pessoais, pelo ambiente de trabalho ou pela patologia presente no paciente. Nas UTI’s de hospitais encontramos, portanto, trabalhadores enfrentando situações de satisfação-sofrimento. Ou seja, é no cotidiano do seu processo de trabalho, no atendimento aos pacientes internados, onde se dá a dinâmica satisfação-sofrimento (TREVISAN1, 2005). O papel dos profissionais de saúde, longe de se revestir de um significado meramente assistencial, se inscreve numa prática pluridimensional. Vale lembrar que, da mesma forma como sugere Wanderley Codo2 (2003), entendemos que, para compreendermos as causas do sofrimento psíquico e, portanto, da saúde do trabalhador, devemos analisar as atividades humanas geradoras de significado. “(...) Por isso é preciso procurá-las também no trabalho” (ibid, p.174). Lívia de Oliveira Borges e João Carlos Tenório Argolo3 (2003) também apontam que a motivação e o significado do traba¬lho são importantes na preservação da saúde mental dos trabalhadores e que se deve despender especial atenção sobre o papel das variáveis inerentes à relação do indi¬víduo com o seu trabalho e com as organizações.
Este artigo é fruto de uma pesquisa de mestrado sobre os sentidos e a satisfação no trabalho, desenvolvida nas UTI’s de um hospital público situado na região de Florianópolis e de um hospital privado situado na cidade do Rio de Janeiro. O hospital público é uma instituição com aproximadamente 1200 trabalhadores efetivos e contratados (excluem-se deste número aqueles que prestam serviços para empresas terceirizadas) e recebe diariamente pacientes com diferentes patologias, oriundos de diversas localidades, especialmente porque executa atendimentos de emergência e porque se localiza próximo a uma rodovia federal onde muitos acidentes com fraturas acontecem freqüentemente. Este hospital conta ainda com uma unidade de emergência, um centro cirúrgico, uma UTI geral com cinco leitos, uma UTI neonatal, uma maternidade, ambulatórios, etc. O hospital privado é também uma referência na região em que atua e é um dos mais modernos centros de prevenção, diagnóstico e tratamento do estado do Rio de Janeiro. Para tanto, este hospital conta com uma unidade de emergência, um centro cirúrgico, uma UTI geral com dez leitos, uma unidade cardio-intensiva, etc.

AS UNIDADES DE TERAPIA INTENSIVA
As Unidades de Terapia Intensiva contemporâneas, especificamente, são consideradas unidades críticas para os ambientes hospitalares. De acordo com José Maria Orlando, Emília Nozawa, Renato Terzi e Sayonara Barbosa4 (2001), dentro das Unidades de Terapia Intensiva existe uma convergência multiprofissional eminente, e os resultados das atividades desempenhadas nestas unidades dependem sensivelmente do estreito relacionamento entre os membros das equipes de trabalho e da colaboração interdisciplinar. O atendimento é voltado ao atendimento de pacientes com “efetivo ou potencial comprometimento de funções vitais, devido à falha de um ou mais sistemas orgânicos, como conseqüência de doenças, traumatismos ou intoxicações” (ibid, p.3). Trata-se de cuidados progressivos, podendo-se considerar a Terapia Intensiva o nível mais complexo e avançado dentro da hierarquia dos serviços hospitalares. A UTI é considerada uma unidade de elevada tensão, “com incertezas no tocante à sobrevivência e ao aparecimento de eventos catastróficos, o que produz ansiedade, facilmente traduzida em estresse” (ibid, p.4). A verdadeira meta da Terapia Intensiva é a redução da morbidade e mortalidade.
Lourival de Campos e José M. C. Orlando5 (2001) enaltecem a morte como o momento que mais desgasta a rotina do profissional de UTI, no cotidiano de sua atuação profissional. “Mesmo naquelas situações em que ela já é esperada, sua comunicação formal aos familiares produz, invariavelmente, reações emocionais, às quais o intensivista não é absolutamente imune” (ibid, p.37). E estes autores acrescentam que a “armadura” que se vai construindo ao longo dos anos, como mecanismo de defesa emocional, não é invulnerável. Além disso, a notícia de um óbito inesperado, súbito, é ainda (muito) mais desconfortável. Eliane Marfiza B. M. Trevisan1 (2005) destaca também o tempo prolongado de permanência no local de trabalho, risco de morte, dentre outros agravantes.
Orlando et al.4 (2001) também mencionam que as equipes de trabalho nas UTI’s, desde alguns anos, vêm-se ampliando sensivelmente, com a atuação de enfermeiros, fisioterapeutas, nutricionistas, psicólogos, administradores e pessoal em treinamento em hospitais universitários e centros formadores. Este fato reflete o aumento de complexidade no atendimento dispensado aos pacientes críticos, “em grande parte alavancado pela vertiginosa evolução tecnológica, com a conseqüente necessidade cada vez maior de especialização.” (ibid, p.4). E a importância desta troca de informações é bastante visível também no relacionamento entre os profissionais da UTI: enquanto em outras unidades de um hospital essa relação usualmente se limita à execução, por parte dos profissionais de enfermagem, da prescrição médica, “na UTI o desempenho e a comunicação refletem-se diretamente nos resultados da Unidade” (ibid, p.6).

OS SENTIDOS DO TRABALHO
A temática dos sentidos do trabalho tem sido pesquisada por diferentes autores em diversas vertentes epistemológicas ao redor do mundo. Por esta razão, buscamos inicialmente definir os termos Satisfação e Sentido através de suas etimologias. O verbo satisfazer tem sua origem no latim: satis (suficiente) + facere (fazer) e pode também ser entendida como “descarga completa, reparação, sentido de contentamento”. Para Patrícia Jaira dos Santos6 (2002), a satisfação é um estado de realização, preenchimento. Já a palavra Sentido vem do latim sensus, compreendido como "faculdade da percepção, significado ou interpretação, percepção, sentimento, empreendimento”, ou do verbo sentire: "perceber, sentir, saber" (HARPER7, 2005). Como se pode ver, ambas as definições remetem, sobretudo, à análise e compreensão dos indivíduos. É válido lembrar que, neste artigo, considera-se trabalho “(...) uma relação de dupla transformação entre o homem e a natureza, geradora de significado (CODO8, 1997, p. 26)”.
De acordo com Suzana da Rosa Tolfo, Maria Chalfin Coutinho, Andrei Roberto de Almeida, Davi Baasch e Joana Soares Cugnier9 (2005), a temática dos sentidos do trabalho começou a ser mais intensamente pesquisada depois da década de 1970, e desde então, “diferentes correntes epistemológicas deram suporte aos estudos. Dentre as principais vertentes contemporâneas, destacam-se as seguintes: sócio-histórica, construcionista, cognitivista e humanista” (p.3). Este trabalho não adotou, em essência, nenhuma das quatro abordagens, muito embora tenha utilizado mais pressupostos das abordagens cognitivista e humanista, sinteticamente apresentadas a seguir.
Na perspectiva cognitivista, o significado do trabalho é definido como uma cognição multifacetada, que tem caráter histórico, dinâmico e subjetivo. Os significados do trabalho são compostos por 4 variáveis: centralidade do trabalho, atributos descritivos, atributos valorativos e hierarquia dos atributos. Os significados atribuídos ao trabalho são atos dos indivíduos e muitas vezes das organizações, do grupo e/ou da ocupação, fazendo parte efetiva da vida no trabalho (TOLFO et al.9).
Na abordagem humanista, verificam-se os estudos comparativos sobre sentidos do trabalho realizados em diferentes países pela professora canadense Estelle Morin. Nestes, os aspectos mais valorizados encontrados foram os seguintes: percepção das pessoas de realizarem atividades pautadas na ética; compreensão do objetivo; autonomia; auto-avaliação satisfatória quanto à eficiência; geração de prazer e emoções positivas e a possibilidade de experienciar relações humanas satisfatórias (ibid). De acordo com Antonello10 (2006) e Morin11 (2001), três condições trazidas por Hackman e Oldham contribuem para obter-se um trabalho com sentido. São elas: variedade das tarefas; identidade com o trabalho e a possibilidade de realizar algo do começo ao fim com resultados; o significado do trabalho sobre o bem das pessoas, da organização e/ou da sociedade. Estas autoras salientam ainda que os representantes da Escola Sociotécnica consideram necessárias seis características para que um trabalho tenha sentido: ter variedade e ser desafiador; possibilitar aprendizagem contínua; permitir autonomia e decisão; possibilitar reconhecimento e apoio; trazer uma contribuição social e permitir um futuro desejável.

METODOLOGIA
No intuito de analisar a relação que se estabelece entre os significados do trabalho e a satisfação que os profissionais de saúde das UTI’s pesquisadas, aplicou-se um questionário. Este instrumento foi traduzido e adaptado do questionário do MOW - Meaning of Working - International Research Team12 (1995), grupo de pesquisa internacional que desde a década de 1970 tem unido esforços voltados à compreensão dos significados do trabalho. Além disso, baseamo-nos também nas narrativas de cada um dos sujeitos durante as entrevistas semi-estruturadas, as quais tinham como roteiro algumas perguntas que convidavam os entrevistados a discursarem sobre suas atividades laborais.
De modo similar ao proposto por Altenfelder13 (2006), nesta etapa agrupamos em cada uma das narrativas os aspectos que julgávamos pudessem ser agrega¬dos, incluindo as falas mais freqüentes ou que geraram maior motivação, emoção ou envolvimento dos sujeitos. O agrupamento destas falas foi possibilitando a criação de núcleos de significação. As questões isoladas e/ou muito pouco freqüentes narradas pelas indivíduos não foram incluídas neste artigo. A pesquisa caracterizou-se como descritiva. A análise dos dados obtidos caracterizou-se por ser horizontal, com corte transversal.
Foram pesquisados, ao todo, 80 sujeitos: 40 no hospital privado e 40 no hospital público, todos eles aleatoriamente escolhidos em cada setor. Destes, havia quatorze médicos, dezessete enfermeiros, trinta e quatro técnicos de enfermagem, três técnicos administrativos e doze auxiliares de enfermagem. As idades destes variaram de 21 a 60 anos, com mediana igual a 35 anos (com quartil inferior, 25° percentil ou “Q1/4” = 30 anos, e quartil superior, 75° percentil ou “Q3/4” = 43 anos). É importante sublinhar que os resultados deste estudo não apresentavam distribuição normal. Desta forma, optou-se por utilizar medianas (e não médias) e quartis superiores e inferiores (e não desvios padrão), uma vez que tais medidas representam os indivíduos típicos de um grupo e oferecem leituras mais fidedignas dos dados encontrados.
Dentre os sujeitos pesquisados, havia 28 homens e 52 mulheres. Esta proporção de homens e mulheres reforça o debate acerca das profissões de cuidado (medicina, enfermagem, dentre outras) serem predominantemente femininas. A mediana de anos trabalhados por cada sujeito no hospital pesquisado foi de 7 anos (com Q1/4 = 2,12 anos e Q3/4 = 15 anos); já na unidade (UTI), a mediana de anos trabalhados foi de 5 anos (com Q1/4 = 2 e Q3/4 = 11,75 anos). No tocante ao estado civil destes 80 sujeitos, 54 deles eram casados, 20 eram solteiros, 3 viúvos e 3 eram divorciados. Nas UTI’s pesquisadas, os turnos de trabalho são usualmente de 12 horas, divididos em: turno diurno e turno noturno. Cada trabalhador deve trabalhar 10 plantões por mês, usualmente trabalhando 12h em um dia e folgando, posteriormente, 60 horas (2 dias e meio). Alguns trabalhadores, por motivos especiais (como estudos, outras atividades laborais, etc.), trabalham somente 6 horas por dia, 5 vezes por semana.
A maior parte dos sujeitos (44) apresenta escolaridade elevada (com nível superior completo ou incompleto/em andamento e/ou pós-graduados), 27 trabalhadores têm nível técnico (curso técnico de enfermagem), 6 concluíram o ensino médio e apenas 3 concluíram somente o ensino fundamental. Pode-se perceber, portanto, que nas UTI’s estudadas a exigência por escolaridade é alta e a mão-de-obra é qualificada.

RESULTADOS
Apresentaremos a seguir, inicialmente, os resultados obtidos através do questionário. Quando questionados sobre a importância de seis áreas (a saber: lazer, comunidade, trabalho, formação, religião e família), verificou-se que os sujeitos consideraram a família como a área mais importante, tendo esta área obtido como nota mediana, em escala decimal (variando, portanto, de 0 a 10), equivalente a 10 pontos (Q1/4 = 10 e Q3/4 = 10). O trabalho veio em segundo lugar, com 6 pontos (Q1/4 = 6 e Q3/4 = 8). Esta ordem de importância também foi encontrada pelos estudos do grupo MOW (QUINTANILLA; CLAES14, 2000; HARPAZ; SNIR15, 2002) e por Antônio Virgílio B. Bastos, Ana Paula M. Pinho e Clériston A. Costa16 (1995) na Bahia.
Quanto ao significado atribuído ao trabalho - não só à função atual, mas a toda vida profissional do indivíduo, seis alternativas eram apresentadas aos sujeitos. A saber: Trabalhar lhe dá status e prestígio; Trabalhar lhe fornece o sustento necessário; Trabalhar mantém você ocupado; Trabalhar permite que você tenha contatos importantes com outras pessoas; Trabalhar é um importante modo de você servir a sociedade; Trabalhar por si só é basicamente interessante e satisfatório para você. Os resultados desta questão são apresentados a seguir, na tabela 1.

Trabalhar... Nota Mediana Q1/4 Q3/4
lhe dá status e prestígio 2 0 6
lhe fornece o sustento necessário 8 6 10
mantém você ocupado 2 0 4
permite ter contatos importantes com outras pessoas 4 4 6
é um importante modo de você servir a sociedade 6 4 8
por si só é basicamente interessante e satisfatório 6 4 10
Tabela 1: Significado do trabalho.

De acordo com os dados anteriormente apresentados, nesta questão, os resultados do trabalho mais apropriados para os sujeitos pesquisados no Público foram, respectivamente: “trabalhar lhe fornece o sustento necessário”, “trabalhar por si só é basicamente interessante e satisfatório”, “trabalhar é um importante modo de você servir a sociedade”, “trabalhar permite ter contatos importantes com outras pessoas”. Estes resultados nos permitem inferir que os trabalhadores de saúde, antes de mais nada, preocupam-se com a dimensão econômica do trabalho (pagamento adequado, importância do rendimento como um resultado valorizado do trabalho e o papel significativo do dinheiro). Também se pôde observar que, para os entrevistados, o trabalho se reveste de uma conotação positiva (o trabalho é interessante e satisfatório) e que as tarefas do trabalho apresentam uma orientação social (contribuição social) acentuada. Isso parece ter relação com a própria função que os trabalhadores têm dentro da UTI. Trata-se de atividades cuja representação social predominante é o cuidado. Ou seja, o “servir à sociedade” dá-se na medida em que os pacientes recebem os atendimentos.
Com o objetivo de verificar o que cada sujeito entende como trabalho, foram apresentadas 14 frases. Cada sujeito deveria assinalar, dentre as 14, as 4 que melhor definem quando uma atividade é vista como trabalho. A tabela a seguir mostra o total de votos que cada frase recebeu em cada hospital:

Uma atividade é vista como trabalho se...
Freq. Respostas
você a desempenha em um ambiente de trabalho 44
alguém lhe diz quais atividades você deve fazer 12
é fisicamente desgastante 11
pertence à sua tarefa 28
você a desempenha para contribuir à sociedade 50
através dela, você obtém o sentimento de inserção social 33
é mentalmente desgastante 6
você a desempenha em um horário determinado 34
acrescenta valor a alguma coisa 31
não é prazerosa 1
você ganha dinheiro por fazê-la 42
você tem que contar com ela 8
você tem que fazê-la 13
outros lucram através dela 7
Total 320
Tabela 2: Quando uma atividade é vista como trabalho.

A partir dos resultados anteriormente apresentados, pode-se perceber que os indivíduos pesquisados predominantemente definem uma atividade como trabalho em termos de uma contribuição social, em primeiro lugar, e de responsabilidade ou troca, em segundo. É também vital destacar que a dimensão fardo e/ou obrigação foi pouco assinalada por estes entrevistados (“não é prazerosa”, por exemplo, recebeu apenas 1 voto). Ruiz-Quintanilla e England17 (1994) no artigo “How working is defined: structure and stability”, constataram que ao perguntar aos sujeitos de sua pesquisa quando consideram uma atividade como trabalho, perceberam que uma dimensão dominante se apresentava, onde indivíduos que definem abundantemente trabalho em termos de fardo e/ou obrigação enfatizam custos para o indivíduo; indivíduos que definem abundantemente trabalho como termos de responsabilidade e troca enfatizam relações de recíproca troca entre o indivíduo e a organização/sociedade; indivíduos que definem abundantemente trabalho como termo de contribuição social enfatizam os benefícios sociais de trabalhar.
No intuito de verificar a centralidade absoluta do trabalho na vida de cada um dos respondentes, foi solicitado aos participantes que assinalassem uma escala de importância do trabalho (variando de 1 até 7). A mediana das respostas obtidas nesta questão (transformada para escala decimal), foi igual a 10 (Q1/4 = 8,33 e Q3/4 = 10). Isso demonstra que o trabalho tem desempenhado um papel central na vida dos respondentes. Harpaz e Fu18 (2002) argumentam ainda que valores altos de centralidade do trabalho se mostraram positivamente relacionados à satisfação no trabalho. Embora os sujeitos não citem o trabalho (mas sim a família) como a principal variável quando valoram aspectos da sua vida, quando o avaliam individualmente, aferem a ele uma importância muito elevada, o que reforça a Centralidade do Trabalho como uma variável determinante da constituição da identidade dos sujeitos. É importante resgatar que a “(…) Centralidade do Trabalho é definida como o grau de importância que o trabalho tem na vida de um indivíduo em qualquer momento. A centralidade do trabalho lida com a questão: ‘Quão central ou importante é o papel do trabalho na vida de alguém’?” (RUIZ-QUINTANILLA; CLAES14, 2000, p.340, tradução nossa).
Com relação aos resultados obtidos pelas entrevistas semi-estruturadas feitas com os 80 sujeitos, abordaremos a seguir os núcleos de significação mais significativos.
O envolvimento emocional com o trabalho (com os colegas, com os pacientes atendidos, etc.) foi comentado por 18 trabalhadores das UTI’s pesquisadas. O relato do entrevistado nº27 ilustra um pouco deste envolvimento:
[...] Mas tem dia que, por mais que tu não queiras, tu te envolves assim. Aí eu tento não misturar... Porque às vezes tu sai daqui um pouco atormentada, até porque tu teve um dia agitado, ou porque aconteceu alguma coisa, ou porque a família te envolve... por mais que a gente não deseje, a gente se envolve um pouco. Eu tento não... mas às vezes nem sempre dá pra separar... Às vezes a gente vai pra casa... às vezes a gente chega a sonhar com paciente! Como esses pacientes que ficam muito tempo aqui assim. A gente acaba se envolvendo com a família e, no fim, até quando tu pegas férias, tu fica: – O que será que aconteceu? Tu não consegues te desligar completamente, entendeu?

A sensação de cansaço, sobrecarga, desgaste (físico e/ou mental) no trabalho foi destacada por 38 pessoas das UTI’s analisadas. Muitos sujeitos lembraram que, além do habitual desgaste que um plantão de 12h costuma trazer, há também um desgaste físico incremental, decorrente das mudanças de decúbito e demais trabalhos “braçais” com os pacientes, como ilustra o entrevistado nº 56: “[...] Depois [do trabalho], eu fico cansado, né? Bate o cansaço, mas ao mesmo tempo dá aquela sensação de dever cumprido também. Dá uma sensação de cansaço, mas um cansaço bom. Cansaço que foi por uma coisa produtiva, que valeu a pena.”
Alguns trabalhadores (14) manifestaram preocupação com sua própria qualidade de vida, bem-estar ou saúde no trabalho. O entrevistado nº 26, por exemplo, afirmou o seguinte: “[...] Claro que dinheiro... a gente trabalhar por dinheiro, mas também tem que trabalhar por prazer. Então, pra mim, é as duas coisas.”
Digno de destaque também foi o sentimento positivo que os entrevistados expuseram em virtude da disponibilidade de recursos (condições, equipamentos, salário, estrutura, etc.) em seus locais de trabalho. Um número de 21 sujeitos mencionaram esta variável durante suas entrevistas. Conforme demonstrado pela seguinte narrativa:
[...] Porque as outras UTI’s por onde eu passei eram, assim, muito pobrezinhas, arcaicas... Não tinha o que tinha aqui, entendeu? Tudo de ponta... então eu fiquei maravilhada com tudo que eu vi aqui. Cada um com o seu respirador, seu leito... Eu fiquei maravilhada [...] (Entrevistado n.º 51).

Complementando esta evidência, vimos que 24 pessoas relataram sentimentos negativos em virtude da falta de recursos (condições, estrutura, salário, equipe de trabalho, etc.) no trabalho, como demonstra a seguinte fala: “[...] Também tem a falta de recursos. A gente tem que ficar enjambrando [...]” (Entrevistado n.º 9). Estes resultados também se aproximam daqueles encontrados pelas variáveis MOW que objetivavam medir a orientação econômica dos trabalhadores.
O seguinte núcleo de significação mostrou-se muito freqüente nas entrevistas realizadas: sentimentos e/ou pensamentos positivos com relação ao trabalho (ex.: gosto do meu trabalho, trabalhar é importante, é agradável, é tudo pra mim, etc.), onde 50 pesquisados mencionaram esta variável em seus relatos, também ilustrado no depoimento a seguir: “[...] o trabalho, pra mim, é a coisa mais importante que existe [...] o meu trabalho é a coisa mais importante. E eu gosto daquilo que eu faço. Eu não iria trabalhar se não fosse isso [...]” (Entrevistado n.º 26). É importante aqui mencionar que, de acordo com os resultados encontrados por Estelle Morin, Maria José Tonelli e Ana Luisa V. Pliopas19 (2003), um trabalho com sentido dá prazer a quem o exerce: o indivíduo que trabalha gosta de suas atividades, aprecia o que faz. Estes resultados têm relação com os encontrados através das variáveis MOW de centralidade e de orientação expressiva do trabalho.
Experiências positivas oriundas de relacionamentos interpessoais no trabalho (ex.: coleguismo, união da equipe, etc.) foram também relatadas por 40 entrevistados, o que pode ser demonstrado pela seguinte narrativa: “[...] Então, eu acho que [o que me deixa feliz é] o ambiente, assim. Eu acho que o coleguismo, a amizade entre as pessoas, desde a zeladoria... aos médicos e a outros profissionais que entram aqui na UTI... acho isso bem importante [...]” (Entrevistado n.º 5). A antítese deste núcleo de significação, ou seja, aborrecimento ou tristeza em virtude de relacionamentos interpessoais no trabalho, foi relatada por 27 sujeitos. Se somarmos, teremos 67 pessoas (83,75% de 80) atribuindo importância aos relacionamentos interpessoais em seus discursos. É importante pôr em evidência que os respondentes Tchecos, Eslovacos e Húngaros do estudo MOW também enfatizaram a dimensão social do trabalho, especialmente a importância de bons relacionamentos com supervisores e colegas de trabalho (QUINTANILLA; CLAES14, 2000, p.367 e HARPAZ; SNIR15, 2002). Por semelhante modo, Morin et al.19 (2003) também indicam que os entrevistados de sua pesquisa relataram o trabalho como uma importante fonte de relacionamento entre pessoas. Estas autoras ainda supõem que possa haver perda de significado do trabalho em situações que as relações interpessoais possam ser fonte de frustração.
Um núcleo de significação também muito freqüente nos relatos das entrevistas semi-estruturadas foi o sentimento de impotência ou frustração no trabalho (em virtude de não poder resolver algum problema ou devido à falta de liberdade/autonomia, por exemplo). Tal percepção foi compartilhada por 28 indivíduos. Como evidenciado na seguinte fala: “[...] E o que me aborrece às vezes é tu não poderes ajudar um doente por falta de equipamentos ou recursos ou porque às vezes não tem mesmo o que fazer. Tu te sentes impotente em não poder ajudar, porque não depende só da gente” (Entrevistado n.º 11). Em um trabalho sobre a díade sofrimento-satisfação de uma equipe de saúde no atendimento a crianças queimadas, Trevisan1 (2005) alerta que o sofrimento do trabalhador da área de saúde é também decorrente do sofrimento do outro, principalmente quando a sua possibilidade de proporcionar alívio a esse sofrimento é limitada. “De um lado, há uma satisfação pelo alívio do sofrimento do outro; por outro lado, o sofrimento com as condições e limites pessoais, pelo ambiente de trabalho ou pela patologia presente no outro.” (p.38). O sofrimento pela patologia presente nos pacientes das UTI’s ou um sentimento de zelo e/ou preocupação pelo próximo pôde ser observado nos relatos em mais da metade das entrevistas realizadas. Muitos dos entrevistados também parecem concordar com Trevisan1 (2005), quando este autor afirma que “depois do cuidado, poder gerar saúde e condições de melhora para as crianças e para a família é prazeroso para a equipe de saúde.” (p.92).
A preocupação com a opinião alheia (reconhecimento e/ou gratidão por parte de pacientes ou colegas de trabalho, por exemplo), ou a ausência desta opinião, foi alvo de muitos (18) relatos dentre os sujeitos estudados. Quanto à preocupação pelo feedback alheio, Trevisan1 (2005), em seu estudo, revela que no processo de cuidado, a recuperação e a visita dos pacientes trazem satisfação para os trabalhadores de saúde, que se consideram gratificados por não serem esquecidos do cuidado que prestaram.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se que a idéia de contribuição social através do trabalho deve ser levada em consideração em se tratando de profissionais de saúde. Trata-se de um significado socialmente construído e compartilhado por trabalhadores deste segmento. À guisa de exemplo, verifica-se que alguns profissionais desta área relataram insatisfação quando impossibilitados de contribuir com a sociedade através de suas atividades no trabalho. Tais trabalhadores ficam aborrecidos ao exercerem atividades “burocráticas”, ao preencherem formulários desnecessários ou cumprirem normas cujo propósito é desconhecido. Alguns profissionais mencionaram também que, anteriormente, quando trabalhavam em outros setores (como na emergência ou em ambulatórios), sentiam-se entristecidos quando eram privados da oportunidade de prestar cuidados de saúde a pacientes necessitados, “atendendo por atender”. Atender pacientes que verdadeiramente necessitam de atendimento médico é, ao contrário, algo visto positivamente. Assim sendo, não se pode desconsiderar esta informação em se tratando de saúde mental e qualidade de vida de trabalhadores de instituições hospitalares.
Vale acentuar ainda que o trabalho não é compreendido, pela maioria dos sujeitos das duas instituições, como uma forma de obrigação ou fardo; ou seja, algo que traz sacrifícios e desmotivação aos sujeitos, exemplificando o trabalho como algo negativo.
No que tange as questões explicitadas pelas entrevistas, é importante destacar o sentimento de impotência, tristeza, frustração oriundo da impossibilidade de se resolver alguns problemas no trabalho persegue freqüentemente a rotina dos trabalhadores em UTI’s e também tem relação direta com os recursos de trabalho oferecidos pela instituição. Instituições cuja oferta de recursos de trabalho é maior (freqüentemente hospitais privados, como ocorreu nesta pesquisa) comumente abrandam tais sentimentos. Em nosocômios onde os recursos costumam ser mais escassos (hospitais públicos), por outro lado, a impossibilidade de se resolver problemas no trabalho tende a aumentar.
Deve-se frisar ainda a importância das relações sociais no trabalho. Não raras vezes os sujeitos entrevistados relataram sentimentos positivos advindos de relacionamentos interpessoais no trabalho. Muitos sujeitos também demonstraram sentimentos negativos em virtude de relacionamentos interpessoais no ambiente de trabalho. Além disso, muitos indivíduos, demonstraram sentimentos positivos em virtude de feedback de outras pessoas, não só colegas de trabalho, mas também pacientes ou familiares. Desta forma, pode-se observar que a dimensão social do trabalho mostrou-se central para a maioria absoluta dos entrevistados.
A partir dos resultados revelados por este trabalho, pode-se ressaltar que os sentidos do trabalho nas UTI’s pesquisadas, em linhas gerais, orbitam em torno da noção de cuidado para com o próximo, da preocupação social, do zelo pela qualidade dos serviços prestados, da frustração ou sentimento de impotência originados ora pela escassez de recursos (sobretudo no setor público) ora pela impossibilidade de se equacionar curas a patologias que não permitem tal solução. Além disso, a remuneração pecuniária se apresenta como um item importante para a ausência de insatisfação no trabalho, mas a idéia de se realizar um trabalho, produzir bons resultados, parece ultrapassar este item. É importante, pois, permitir que este objetivo seja contemplado pelos sujeitos atuantes na área hospitalar.
Por fim, evidencia-se a importância da contribuição desta pesquisa sobre os profissionais da saúde. Buscou-se demonstrar uma realidade vivida por trabalhadores de Unidades de Terapia Intensiva em hospitais brasileiros. Evidentemente, pode-se compreender que a compreensão dos significados atribuídos ao trabalho é uma variável essencial para se alcançar o equilíbrio emocional dos trabalhadores nos nosocômios, bem como para se entender as causas condicionantes dos (eventuais) rompimentos deste equilíbrio. Desta forma, espera-se contribuir para a saúde do trabalhador e, também, possibilitar possíveis intervenções em cujo norte jaz a idéia de melhores padrões de atendimento à saúde e melhor qualidade de vida no trabalho aos sujeitos que atuam nesta direção.

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Baasch, D.. The Meanings of Working in Intensive Care Unities of two Brazilian Hospitals. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2008/Sep). [Citado em 08/12/2025]. Está disponível em: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/en/articles/the-meanings-of-working-in-intensive-care-unities-of-two-brazilian-hospitals/2709



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