0704/2007 - Monitoring and Evaluation of Adherence to ARV Treatment for HIV/AIDS
Monitoramento e avaliação da adesão ao tratamento anti-retroviral para HIV/aids
Author:
• Larissa Polejack - Polejack, L. - Brasília, DF - Universidade de Brasília - <larissapolejack@columbia.org.mz>Thematic Area:
Não CategorizadoAbstract:
The advances in research and treatment regimens have transformed AIDS into a chronic illness, with a marked increase in the quality of life of those living with HIV/AIDS. This brings new challenges in understanding and treating the disease and those living with it. Viewed from this perspective, adherence to antiretroviral treatment (ART) has been made a priority in the public policy of countries such as Brazil. This article discusses the challenges and potential solutions to the monitoring and evaluation of adherence to ART as well as the advantages and disadvantages of the techniques available for its assessment. Emphasis is given to the work done in resource scarce countries with patients who have little or no formal education. It is necessary take into account logistic, conceptual and empirical aspects in the choice of methods to monitorate adherence, examining sociocultural and economic contexts, especially at scarce resource countries. The conclusion is that identify adequate and effective ways of measuring adherence remains an important challenge for those who work with HIV/AIDS.Keywords: HIV/AIDS, Antiretroviral therapy, Treatment adherence, Adherence evaluation
Content:
No início da década de oitenta do século passado começaram a ser identificados os primeiros casos de aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) e, após mais de duas décadas de descoberta do HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana), ainda nos deparamos com desafios para a compreensão dos vários aspectos suscitados por essa epidemia.
Compreende-se a epidemia do HIV/Aids como problema de saúde pública tendo em vista suas conseqüências sobre o processo de governabilidade e sustentabilidade das nações e sociedades. A Organização Mundial de Saúde (OMS) 1 estima que, em 2007, 33,2 milhões de pessoas viviam com HIV/aids no mundo, sendo que desse total 2,5 milhões eram menores de 15 anos. Naquele ano, o número estimado de mortes em adultos e crianças por aids era de 2,1 milhões, sendo que 1,6 milhão (76%) desses óbitos ocorreu na África Subsaariana. Esses dados caracterizam uma pandemia, mantendo-se os padrões de expansão e disseminação, conforme a situação de cada país e de cada comunidade.
A prevalência da infecção pelo HIV e as taxas de incidência variam substancialmente, sendo que os países em desenvolvimento são os mais severamente afetados 2. Sem dúvida o pior cenário se apresenta na África Subsaariana, onde se encontram 22,8 milhões de pessoas infectadas, constituindo um imenso desafio para o desenvolvimento de estratégias de controle e combate da epidemia ¹.
Durante os últimos anos, a disponibilidade dos medicamentos anti-retrovirais levou a um declínio relevante da morbidade e da mortalidade relacionadas ao HIV/Aids. O advento de recursos disponíveis de tratamento traz novos desafios para a compreensão e enfrentamento da enfermidade. No espaço de uma década, os regimes terapêuticos, com maior leque de combinações possíveis, transformaram a infecção pelo HIV, de doença devastadora que quase invariavelmente conduzia a pessoa infectada à morte, a uma doença crônica com possibilidades de controle 3. Nesse sentido, é possível afirmar que a aids se tornou uma doença crônica, naqueles países onde o acesso a TARV é uma realidade, com aumento significativo na expectativa e na qualidade de vida das pessoas acometidas.
No Brasil, entre as estratégias para combater a epidemia, destaca-se a política de distribuição universal e gratuita dos medicamentos anti-retrovirais aos portadores do HIV e doentes de aids que necessitem de tratamento. Indicadores evidenciam os efeitos positivos dessa política, como a redução da mortalidade, diminuição das internações hospitalares e redução da incidência de infecções oportunistas e da transmissão vertical do HIV. Com o objetivo de investigar o impacto da disponibilidade do tratamento anti-retroviral na sobrevida de pessoas vivendo com HIV/aids, Marins et al 4 realizaram um estudo de abrangência nacional, usando informações disponíveis no banco de dados do Ministério da Saúde, com 3930 pacientes cujos diagnósticos ocorreram nos anos 1995 e 1996. Após a aplicação dos critérios de inclusão, 2821 casos compuseram a amostra. Os autores verificaram que os pacientes diagnosticados em 1996 quando o acesso universal à TARV foi implementado no Brasil tiveram uma mediana de sobrevida três vezes mais longa (alcançando 58 meses) em relação aos que foram diagnosticados em 1995 (mediana de sobrevida de 18 meses). Os resultados desse estudo ilustram os benefícios da oferta universal da TARV na sobrevida de pessoas vivendo com HIV/aids, residentes em países em desenvolvimento como o Brasil.
O sucesso dessa estratégia acesso universal e gratuito sofre, no entanto, influência dos níveis de adesão ao tratamento anti-retroviral, aspecto que tem sido priorizado nas políticas públicas de alguns países 5. Cabe salientar que diversos fatores podem influenciar de modo favorável ou desfavorável a adesão a TARV. Em estudo de revisão sistemática da literatura, abarcando 84 pesquisas com metodologia quantitativa ou qualitativa, realizadas em países desenvolvidos e em desenvolvimento, Mills et al 6 investigaram facilidades e barreiras à adesão presentes em contextos socioculturais e econômicos diversos. Os autores observaram que medo da descoberta do diagnóstico, uso abusivo de substâncias psicoativas, esquecimento, ausência de compreensão dos benefícios do tratamento e regimes complicados foram barreiras identificadas indistintamente em países com níveis diversos de desenvolvimento. No entanto, barreiras como limitações financeiras e dificuldades de acesso ao tratamento foram peculiares aos países em desenvolvimento. Sentimentos de auto-valorização de pessoas vivendo com HIV/aids, percepção positiva dos ARV, aceitação da soropositividade, uso de estratégias para lidar com o esquecimento e compreensão acerca da necessidade de níveis elevados de adesão foram mencionados como aspectos facilitadores nas diversas realidades. Os autores destacaram que, tendo em vista o número maior de pesquisas realizadas em países desenvolvidos, seria importante a investigação dos fatores facilitadores e dificultadores em contextos com recursos limitados, o que poderia favorecer a implementação de estratégias para promoção da adesão a TARV com base nas realidades locais.
Adesão é entendida como o estabelecimento de uma atividade conjunta na qual o paciente não é um mero seguidor da orientação médica, mas entende e concorda com a prescrição recomendada 7. Nessa perspectiva, adesão deve ser compreendida como um processo dinâmico, multi-determinado e de co-responsabilidade entre paciente e equipe de saúde.
Atualmente, apesar dos esquemas terapêuticos estarem mais simplificados, com a disponibilidade de combinações de medicamentos cujo uso é mais fácil, permanecem vários desafios para adesão a TARV que requerem o envolvimento de todos: paciente, equipe de saúde, família e demais pessoas da rede social de apoio. Ademais, é fundamental considerar que, até o presente momento, a TARV é um tratamento para toda a vida, que pode trazer efeitos secundários para muitos pacientes, e que a enfermidade ainda não tem cura. Isso torna necessário uma atenção especial na preparação dos usuários ao iniciar o tratamento, a fim de que seus benefícios sejam compreendidos e que este assuma um significado positivo na vida da pessoa HIV+. É fundamental, ainda, que seja desenvolvida uma estrutura de seguimento e de apoio psicossocial para o paciente ao longo do tratamento, uma vez que os níveis de adesão tendem a diminuir após períodos prolongados de uso de medicamentos.
Outro desafio da TARV se refere ao nível elevado de adesão exigido para que o tratamento seja eficaz 8. A guisa de exemplo, estudo com delineamento prospectivo (seguimento de 3 a 15 meses), realizado por Paterson et al 9, com 81 pacientes norte-americanos HIV+, mostrou que 81% dos pacientes que auto-relataram adesão igual ou superior a 95% das doses prescritas conseguiram manter a carga viral indetectável nas avaliações subseqüentes. Alguns pesquisadores alertam ainda que a adesão insatisfatória pode estar associada ao desenvolvimento de resistência viral aos medicamentos 10.
O objetivo do presente artigo é discutir as possibilidades e desafios no processo de monitoramento e avaliação da adesão ao tratamento anti-retroviral, com destaque para o trabalho com pessoas com baixa escolaridade e em países com recursos limitados.
Monitoramento e avaliação da adesão ao tratamento
Uma vez que a adesão é um ponto crucial para o sucesso da terapia anti-retroviral, surge um outro desafio: como saber se os pacientes estão tomando corretamente os medicamentos? As formas para monitorar e medir a adesão têm sido um dos maiores desafios para quem trabalha em saúde, uma vez que não há métodos ou procedimentos capazes de garantir a adoção de um padrão adequado quanto à adesão de uma pessoa. Por outro lado, a fidedignidade da medida de adesão ao tratamento anti-retroviral é essencial para avaliar as intervenções propostas, melhorar o seguimento do tratamento e prevenir a resistência viral.
Existem vários métodos e técnicas desenvolvidos com o objetivo de aferir a adesão em doenças crônicas, alguns utilizando recursos tecnológicos sofisticados, como por exemplo, a contagem eletrônica de pílulas, mas nenhum com acurácia suficiente para definir a real situação de uso dos medicamentos 11,12,13.
Melhorar a qualidade da medida da adesão, tanto no contexto clínico quanto no de pesquisa, é importante por várias razões. No contexto clínico, o monitoramento da adesão é fundamental para identificar precocemente aqueles pacientes em risco de não adesão, ou aqueles que já estão apresentando dificuldades, a fim de planejar intervenções de apoio ao tratamento de acordo com cada caso. No que concerne ao contexto de pesquisa, o aprimoramento das medidas de adesão pode dar informações mais precisas acerca da prevalência de não adesão, sobre preditores de baixa adesão e identificação de populações mais vulneráveis a serem priorizadas no desenvolvimento de políticas públicas 12. Ademais, quanto mais fidedigna a informação sobre o uso dos medicamentos, e coerentes com as necessidades das pessoas, maiores as chances de que as políticas em saúde pública tragam impacto efetivo para a população. Em países com recursos limitados, o monitoramento da adesão é crucial, considerando que as opções de medicamentos de segunda linha ainda são bastante limitadas e efetivamente inexistentes, tal como ocorre na maioria dos países africanos. Nessa perspectiva, a identificação precoce de riscos ou vulnerabilidades para a não adesão é essencial para se prevenir o desenvolvimento de resistência viral, conseqüência que pode limitar o acesso das pessoas às possibilidades de tratamento.
Segundo Oyugi et al 13, ainda não há medidas validadas de adesão, específicas para lugares com recursos limitados, não obstante tais medidas serem essenciais para compreender melhor as barreiras à adesão nesses contextos. Em países com essas características, o desafio do monitoramento sistemático da adesão parece ser ainda maior, tendo em vista a presença de problemas estruturais que envolvem a falta de recursos humanos nos serviços de saúde, baixa qualificação técnica, grande sobrecarga de trabalho pelo número de pacientes/dia por profissional, além de condições laboratoriais limitadas para um bom seguimento clínico do paciente.
Cabe destacar, no entanto, que a obtenção de níveis satisfatórios de adesão em pessoas soropositivas vivendo em países com recursos limitados é possível, segundo estudo realizado por Mills et al 14. Os autores analisaram resultados de pesquisas sobre adesão à TARV com amostras de pacientes norte-americanos (31 estudos) e pacientes de países da África Subsaariana (27 estudos). A partir de meta-análise, os pesquisadores estimaram que 77% das pessoas em TARV apresentaram níveis satisfatórios de adesão com base nos resultados dos estudos da África Subsaariana, enquanto que apenas 55% dos pacientes norte-americanos atingiram bons níveis de adesão.
Atualmente, os métodos utilizados para aferição da adesão incluem medidas indiretas e medidas diretas. Entre as medidas indiretas pode-se incluir o auto-relato, o monitoramento eletrônico de medicamentos (electronic medication monitoring), a contagem de comprimidos e os registros referentes à retirada de medicamentos da farmácia. As medidas diretas incluem, por exemplo, a detecção dos medicamentos anti-retrovirais ou de seus metabolizadores no sangue. Para Berg e Arnstein 12, o Tratamento Diretamente Observado (TDO) pode ser considerado por alguns autores como um método direto de aferição da adesão uma vez que possibilita a verificação objetiva da ingestão do medicamento. Entretanto, para estes autores, a TDO é reconhecida como uma intervenção em adesão, e não uma estratégia de avaliação, o que parece plausível.
Métodos e técnicas para monitorar e avaliar a adesão ao tratamento
Auto-relato
O auto-relato tem sido o método mais utilizado para monitorar e obter informações sobre a adesão, tanto em pesquisas quanto na atenção cotidiana em saúde. Tem como vantagens ser de baixo custo, flexível, tomar pouco tempo, depender de pouco staff e, em especial no contexto clínico, proporcionar escuta e discussão acerca dos motivos e dificuldades relativas às doses perdidas e possíveis soluções. Entretanto, alguns autores 15,16 ressaltam que o uso dessa técnica apresenta vários desafios, uma vez que existem diferenças entre os métodos para aferição da adesão a partir de auto-relato. Essas diferenças dificultam, muitas vezes, a comparação dos resultados de estudos que utilizam este método.
Outro aspecto a ser considerado no uso do auto-relato é a tendência dos pacientes superestimarem a adesão com receio de decepcionar ou desagradar os profissionais de saúde, o que pode ser explicado pelo fenômeno da desejabilidade social. Uma forma de minimizar esse efeito é combinar o auto-relato mediante entrevista, por exemplo, com outras estratégias de auto-relato, como instrumentos padronizados específicos 17, 18, 19. Outro aspecto fundamental é a existência de uma relação profissional-usuário pautada no acolhimento e no vínculo, permitindo que o paciente verbalize de modo franco e fidedigno sobre temas relativos ao seu tratamento 20 .
Em estudos que usaram auto-relato mediante entrevista, encontramos vários tipos de estratégias para obtenção das informações sobre a conduta de adesão. Normalmente as perguntas se concentram no número de doses ou de comprimidos/cápsulas de ARV perdidas num determinado período de tempo, variando de um dia, três dias, uma semana a trinta dias. Alguns estudos também buscam informações acerca dos atrasos na ingestão dos comprimidos e nas dificuldades identificadas pelo paciente 21.
Sankar et al 15 destacam a importância do auto-relato e das entrevistas em profundidade para a realização de pesquisas qualitativas sobre adesão a tratamento, assim como no contexto clínico. Segundo estes autores, é fundamental compreender os padrões individuais de tomada dos medicamentos, bem como as crenças e comportamentos relacionados à adesão ao tratamento em cada cultura. Afirmam que só seria possível acessar essa dimensão mediante o contato direto com a realidade vivenciada pelo sujeito. Nessa perspectiva, conhecer as características socioculturais e as especificidades do contexto são aspectos fundamentais que devem ser considerados no desenvolvimento de instrumentos para o monitoramento da adesão e na implementação de estratégias para fortalecê-la de modo eficaz e coerente com a diversidade das situações vividas pelas pessoas em tratamento.
O auto-relato pode ser facilitado por recursos complementares, como uma escala analógica visual e teste de comprimidos. O teste de comprimidos consiste em apresentar uma amostra de medicamentos diferentes onde são incluídos dois comprimidos muito parecidos com os do esquema prescrito para o paciente e outros comprimidos comuns ao tratamento, além dos anti-retrovirais. Pede-se ao paciente para apontar quais ele está tomando. É possível identificar se há dificuldades de compreensão quanto à ingestão ou confusão entre os medicamentos e horários 22 . Esse método é especialmente interessante para uma população de baixa escolaridade que tem dificuldades em ler ou guardar o nome do medicamento que está em uso 23.
A escala analógica visual tem sido utilizada em vários estudos na área de saúde, principalmente em trabalhos relacionados com dor crônica e aguda. Recentemente, percebe-se o aumento da utilização desse tipo de escala em estudos sobre adesão ao tratamento anti-retroviral 13,16,24. Os instrumentos mais comumente utilizados incluem uma escala ordinal onde o menor número representa a menor freqüência de experiência em questão (por exemplo: adesão aos medicamentos ou presença de dor) e o maior número representa a maior quantidade ou intensidade. Nas escalas de dor, encontramos legendas que exemplificam a quantidade através de números e, no uso pediátrico, podemos encontrar rostos ou outras figuras representativas da quantidade de dor ou desconforto, como, por exemplo, faces sorridentes que significam ausência de dor até figuras com choro ou expressão facial de muita dor.
Considerando que na maior parte dos países com recursos limitados encontramos altos índices de analfabetismo, é importante identificar estratégias que auxiliem na obtenção de informações sobre o tratamento dos pacientes. Um exemplo é a escala analógica visual desenvolvida por Polejack 23 em estudo sobre adesão ao tratamento e qualidade de vida. que contou com sessenta e cinco participantes em tratamento anti-retroviral em Maputo (Moçambique). Essa estratégia tomou como base o conhecimento prévio da escolaridade da população-alvo, e foi identificado um conceito de quantidade que fizesse sentido na cultura local. Trata-se de uma representação de cinco copos com quantidades diferentes de conteúdo, procurando relacionar a quantidade de líquido existente em cada um deles com a freqüência do comportamento investigado (uso dos medicamentos ARV em determinado período de tempo). Por exemplo, a figura de um copo cheio representa sempre, o copo quase cheio representa quase sempre, o copo pela metade às vezes, o copo quase vazio representa quase nunca e o copo vazio equivale a nunca. Essa estratégia permitiu uma compreensão adequada da escala intervalar, ao associar um conceito de freqüência abstrato com uma figura concreta comum no cotidiano dos participantes.
Monitoramento Eletrônico dos Medicamentos
O monitoramento eletrônico dos medicamentos (MEM) tem sido utilizado para medir adesão em várias doenças, em especial nas pesquisas com pessoas HIV+ 12,25 . Um dos exemplos desse método é a utilização de frascos de medicamentos adaptados com um microprocessador na tampa que marca a hora e a data quando o frasco foi aberto, e a dose presumida retirada. A informação fica armazenada até que seja descarregada no computador.
Os benefícios do monitoramento eletrônico incluem a possibilidade de verificar, inclusive, o intervalo entre as doses, além do número de vezes que o frasco foi aberto e o medicamento ingerido. Para alguns participantes, o uso deste método pode melhorar a própria adesão, uma vez que cria o hábito de gerenciar a abertura do frasco. Estudiosos observaram vantagens desse método associado ao auto-relato, indicando maior validade preditiva quanto à supressão viral quando ambos foram usados de modo complementar, em comparação com a utilização de apenas um deles separadamente 26.
Uma dificuldade no uso do MEM está em garantir que, de fato, o medicamento retirado foi ingerido, ou que não foram retirados mais comprimidos/doses por vez, nos momentos em que o frasco é aberto. Há ainda dificuldades de ordem técnica, como o tempo que se leva para transferir os dados para o computador e a logística necessária para isso. Outra desvantagem se refere ao custo elevado de cada frasco, o que faz com que seja inviável para uso clínico, ainda mais em países com recursos financeiros limitados, sendo portanto mais utilizado em pesquisas que recebem financiamento de agências de fomento.
Contagem de pílulas
A contagem de pílulas pode ocorrer de forma anunciada ou de forma inesperada. A contagem de forma anunciada pode ocorrer nas consultas clínicas ou quando o paciente retorna à farmácia para buscar mais comprimidos e traz seu frasco com o saldo de comprimidos. Alguns estudos citados por Berg e Arnstein 12 demonstram uma correlação moderada entre a contagem de pílulas, o MEM e níveis de carga viral.
Esse método pode ser ineficaz se o paciente não se sentir bem acolhido ou não tiver uma boa relação com a equipe de saúde a ponto de relatar suas dificuldades com o tratamento. Sendo assim, pode esvaziar o frasco antes de trazê-lo ou ainda omitir as falhas na ingestão dos medicamentos. Outro ponto a ser considerado, é que a contagem de pílulas requer uma boa organização dos registros da própria farmácia, a fim de identificar corretamente a data em que o paciente buscou os medicamentos, o número de comprimidos que levou e quando deverá retornar para buscar outra quantidade.
Por outro lado, a contagem inesperada de pílulas é mais utilizada em pesquisas e requer, por exemplo, visita domiciliar de surpresa para o paciente. O fator surpresa diminui a possibilidade de esvaziar o frasco antes, entretanto pode reforçar para o paciente o sentimento de policiamento ou de desconfiança da equipe acerca de seu comportamento de adesão. Ademais, qualquer intervenção que possa prejudicar a relação entre paciente e equipe de saúde deve ser considerada contraproducente 27,28,29.
Registro da farmácia de dispensação de ARV
O uso dos registros da farmácia como medida de adesão é muito comum em pesquisas onde este estabelecimento tem controle sobre a dispensação dos anti-retrovirais. Um dos indicadores dos níveis de adesão pode ser a data de retirada dos medicamentos da farmácia comparada com a data esperada. Essa medida baseia-se na possibilidade de que pacientes que buscam seus medicamentos na data certa tendem a tomá-los mais corretamente do que aqueles que atrasam até mesmo na retirada de seus medicamentos da farmácia. A validade dessa premissa foi testada em estudos que correlacionaram positivamente a data de retirada dos medicamentos na farmácia com marcadores biológicos, em especial com a carga viral 26 .
Monitoramento dos níveis de medicamento ARV
O monitoramento dos níveis de medicamento ARV no sangue tem sido considerado uma medida direta e objetiva de adesão aos medicamentos que pode ser usada tanto na clínica quanto em pesquisas. A análise é feita mediante o resultado de um exame de sangue que indica os níveis de medicamento presentes. Alexander et al, citado por Berg e Arnstein 12 demonstraram associação entre baixos níveis de medicamento no sangue com auto-relato de não adesão e falência terapêutica.
Apesar de ser uma medida objetiva, apresenta várias desvantagens. A principal delas é que o exame de sangue só é capaz de refletir a ingestão do medicamento nas últimas 24 horas, ou seja, pacientes cientes de que irão colher sangue podem tomar os ARV no dia anterior, sem contudo significar que vinham tomando os medicamentos de modo regular anteriormente. Outra limitação é que os resultados podem variar devido a fatores como a interação com outros medicamentos ou com determinados alimentos. Entretanto, o fator que mais dificulta sua utilização em grande escala é o custo elevado, além da necessidade de equipamentos e procedimentos de coleta padronizados.
Considerações finais
Pode-se concluir que a adesão é um fenômeno complexo e dinâmico sem uma medida padrão-ouro definida para seu monitoramento e aferição. Cada método apresenta vantagens e desvantagens e é preciso considerar aspectos logísticos, conceituais e empíricos para utilizá-los de acordo com a realidade dos diferentes contextos socioculturais e econômicos, principalmente em países com recursos limitados. A combinação de dois ou mais métodos parece auxiliar no processo de monitoramento da adesão e deve ser considerada, tanto no contexto clínico quanto em pesquisas 26 .
Importante salientar que o monitoramento da adesão deve ser utilizado como uma estratégia de apoio ao paciente, na medida em que auxilia a equipe de saúde a identificar possíveis dificuldades, o que permite delinear um plano de intervenção de acordo com as demandas e necessidades de cada usuário. Portanto, deve ser utilizada como um recurso de ajuda ao paciente e não como uma forma de culpá-lo pelas dificuldades de adesão.
Encontrar formas mais eficazes de mensuração e monitoramento da adesão ainda permanece um grande campo de investigação para quem trabalha com HIV/aids, principalmente se considerarmos que medidas mais eficazes permitirão o desenvolvimento de estratégias e intervenções mais custo-efetivas. E isso é urgente se pensarmos nas possibilidades de desenvolvimento de resistência viral e no impacto da epidemia no futuro da humanidade, principalmente nos países com recursos limitados.
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