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0368/2025 - Evolution of inequalities and inequities in the use of health services by older adults in Rio Grande do Sul: Evidence for the period 1998-2019
Evolução das desigualdades e iniquidades na utilização de serviços de saúde de adultos mais velhos no Rio Grande do Sul: Evidências para o período 1998-2019

Author:

• Lívia Madeira Triaca - Triaca, LM - <liviamtriaca@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-7192-6554

Co-author(s):

• Anderson Moreira Aristides dos Santos - Santos, A.M.A - <anderson.santos@feac.ufal.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4234-8665
• Cesar Augusto Oviedo Tejada - Tejada, CAO - <cesaroviedotejada@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8120-5563


Abstract:

Objective: To analyze inequalities and inequities in the use of health services by older adults (50 years or older) in Rio Grande do Sul, in the period 1998-2019. Methods: Analyzes were carried out for four outcomes – medical consultations, dental consultations, hospitalizations and mammography examination – through the calculation of the concentration index and the horizontal index, and used data from the National Household Sample Survey and the National Health Survey. Results: The evolution of the indices shows that there has been a decrease in health care inequities for medical consultations and mammography, however, inequities have increased for dental visits, showing that the benefits were greater for the richer population. Conclusion: Public policies should focus not only on increasing access but also on reducing disparities, especially for mammography and dental consultations, which present significant inequities.

Keywords:

Health Services; measurement of health inequalities; elderly.

Content:

INTRODUÇÃO
O acesso a serviços de saúde é um aspecto fundamental para a saúde e o bem-estar de uma sociedade, porém, apesar da sua relevância, evidências na literatura demonstram que o acesso em geral não é uniforme e que alguns grupos populacionais específicos acabam sendo mais beneficiados1–4. A análise do acesso à saúde em diferentes grupos populacionais é realizada através de estudos de desigualdades e iniquidades em saúde. Esses estudos têm o potencial de fornecer informações valiosas que podem subsidiar políticas públicas voltadas para a saúde da população e são principalmente relevantes em países que apresentam desigualdades sociais e regionais marcantes, como é o caso do Brasil5.
O Brasil possui um Sistema Único de Saúde (SUS), que tem como objetivo assegurar um sistema de saúde público, gratuito e universal. Contudo, há evidências na literatura que sugerem que o acesso a serviços de saúde é maior para regiões mais desenvolvidas e para os grupos de maior nível socioeconômico3,6–8.
Um grupo populacional que merece especial atenção e que ainda é pouco explorado na literatura é a população de idosos9. Este grupo vem ganhando cada vez mais relevância devido às mudanças epidemiológicas e demográficas que ocorrem no país e aos desafios que essas mudanças trazem para a administração pública, visto que pressionam a previdência social e aumentam a demanda por serviços de saúde10,11. O envelhecimento populacional possui o potencial de agravar ainda mais as desigualdades – uma vez que a população idosa é particularmente um grupo vulnerável devido à maior incidência de doenças crônicas e por necessitar de uma variedade maior de serviços de saúde 11–13.
Estima-se que, em 2030, cerca de 18,7% da população brasileira seja composta por idosos, alcançando cerca de um terço da população em 2060 (32,2%). No estado do Rio Grande do Sul, essa tendência de envelhecimento é ainda mais veloz, atingindo 24% em 2030 e cerca de 36% em 206014. De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Rio Grande do Sul é o estado com maior proporção de idosos na população – estima-se que cerca de 18% da população gaúcha possuem mais de 60 anos, enquanto a média nacional é de cerca de 14%. Apesar de existirem importantes contribuições na literatura, pouca atenção tem sido dada à mensuração de iniquidades no acesso e na utilização de serviços de saúde para este grupo populacional. Pelo nosso conhecimento, encontramos apenas três evidências na literatura que buscaram analisar esse grupo etário no Brasil4,13,15.
O presente estudo tem como objetivo analisar as desigualdades e iniquidades na utilização de serviços de saúde de adultos mais velhos (50 anos ou mais) no Rio Grande do Sul no período de 1998 a 2019. O Rio Grande do Sul, além de estar em um estágio mais avançado na transição demográfica em relação aos outros estados brasileiros, também passa por dificuldades financeiras, o que o torna um caso interessante de análise na medida em que o envelhecimento populacional tende a pressionar o setor de serviços de saúde.

MÉTODOS

Dados

Este estudo trata de uma pesquisa exploratória empírica quantitativa, buscando encontrar resultados através de indicadores e análise estatística/econométrica, realizando comparação e discussão com a literatura existente sobre a temática.
Os dados têm como fonte a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), ambas realizadas pelo IBGE. A PNAD era uma amostra probabilística complexa em três estágios: unidades primárias (municípios), unidades secundárias (setores censitários) e as unidades terciárias (domicílios). A PNS também se caracteriza com um plano amostral em três estágios, sendo que nesse caso: unidades primárias (setores censitários), unidades secundárias (domicílios) e unidades terciárias (adulto selecionado aleatoriamente de cada domicílio, considerando indivíduos de 18 anos ou mais para o ano de 2013 e 15 anos ou mais para o ano de 2019). Apesar das pesquisas apresentarem diferenças no seu desenho amostral, a PNS foi concebida com intuito o de proporcionar comparabilidade com os suplementos de saúde da PNAD, garantindo a continuidade no monitoramento de indicadores de acesso e utilização de serviços de saúde16. Ademais, não foram utilizados indicadores do adulto selecionado para maior compatibilidade ao longo do tempo. Portanto, todos esses dados são secundários, porém, ressalta-se que eles seguiram procedimentos de aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa por parte dos organizadores primários.
Dessa forma, a análise se concentra nos cinco anos disponíveis: PNAD 1998, 2003, 2008 e PNS 2013 e 2019. A exceção fica para a variável exame de mamografia, que só foi realizada a partir da PNAD de 2003 e para a PNS 2019, esse indicador constou apenas no questionário relativo ao terceiro estágio da amostra, o adulto selecionado, inviabilizando uma compatibilidade com os outros três anos. Assim, para essa variável foi analisado o período de 2003 a 2013.
A amostra utilizada é limitada à população de adultos mais velhos, pessoas que possuem idade igual ou superior a 50 anos. Especificamente para a variável mamografia, a amostra difere, limitando-se às mulheres com 50 a 69 anos de idade, seguindo recomendação do Ministério da Saúde no rastreamento do câncer de mama17.
Foram utilizados quatro tipos de indicadores: variáveis de resultados (serviços de saúde como: consultas médicas, consultas odontológicas, internação e mamografia); variável de status socioeconômico (renda domiciliar per capita); variáveis de necessidade de saúde (idade, sexo, restrição de atividades e saúde autoavaliada) e outras variáveis socioeconômicas/demográficas (cor, escolaridade, plano de saúde e área de residência). A descrição das variáveis utilizadas é apresentada no Quadro 1. A escolha da renda como status socioeconômico ocorre por duas razões principais: primeiro, pois a maior parte da literatura com evidências para o Brasil utiliza esse indicador5,7,8,15,18–20 e segundo, pela maior facilidade de compatibilização do indicador considerando o período total de análise deste trabalho e as respectivas bases de dados.

Análise estatística

O artigo utiliza como abordagem metodológica o uso do índice de concentração (IC), para mensurar a desigualdade, e do índice horizontal (IH), para medir a iniquidade. Desigualdade e iniquidade são termos que muitas vezes são utilizados como sinônimos, porém possuem distinções na sua definição. O conceito de desigualdade na atenção à saúde refere-se à situação em que indivíduos de diferentes níveis socioeconômicos (NSE) acessam diferentes quantidades de atenção à saúde, ou seja, uma desigualdade na atenção à saúde relacionada ao NSE. No entanto, na análise de iniquidade (equidade horizontal), torna-se necessário distinguir os fatores que devem afetar o acesso (variáveis de necessidade) e os que não devem (variáveis de não necessidade)21. De acordo com essa visão, há iniquidade quando o uso de serviços de saúde é afetado por variáveis de não necessidade, de modo que indivíduos com as mesmas necessidades de serviços de saúde acessam diferentes quantidades com uma associação relacionada à sua posição no NSE22.
Análises de desigualdade e iniquidade baseiam-se na distribuição de um desfecho com relação a uma medida de status socioeconômico, como renda, educação, índice de bens. Para uma breve explicação desse método, suponha uma variável de utilização de serviço de saúde, hi, e a renda como variável de status socioeconômico, xi. A curva de concentração traz a proporção cumulativa de indivíduos ordenados crescentemente pela renda (eixo x), segundo a proporção cumulativa de utilização de serviço de saúde (eixo y). Quando a curva de concentração coincide com uma linha de igualdade (curva de 45 graus), há igualdade perfeita. Contudo, quando essa primeira curva está abaixo (acima) da linha de igualdade, então desigualdades na utilização dos serviços de saúde são verificadas a favor dos mais ricos (pobres).
O IC é igual a duas vezes a área entre a curva de concentração e a linha de igualdade, mensurando neste estudo, o grau de desigualdade relacionada à renda da utilização dos serviços de saúde dos idosos. De forma simples, este índice nos ajuda a entender se a utilização dos serviços de saúde está concentrado entre os mais ricos ou os mais pobres. Quando esse índice é positivo, há desigualdade favorável aos mais ricos (pró-rico), em outras palavras, a utilização do serviço de saúde estaria concentrada nos indivíduos com maior nível de renda, o contrário ocorre para um indicador negativo – a utilização do serviço de saúde estaria concentrada nos mais pobres (pró-pobre). Este indicador varia entre -1 e 1, onde, em termo absolutos, quanto mais próximo da unidade, maior é a magnitude da desigualdade, onde zero indica ausência de desigualdades21.
Um índice de concentração de corte transversal (ICt) pode ser calculado pelo método de covariância (cov), considerando a seguinte equação:

?IC?^t=2/h ?_t cov(h_it,R_i^t) (1)
Onde
h ?_t é a média da variável de utilização de serviços de saúde num período específico (t);
R_i^t é a ordem (rank) relativa do indivíduo i (i=1,2, ..., N) na distribuição da renda.

Contudo, quando a variável de interesse é binária, Wagstaff23 mostra que esses limites são h ?-1 e 1- h ? (onde h ? é a média do desfecho). Então, este autor propõe uma correção obtida através da divisão do IC por (1-h ?). Outra abordagem é a correção baseada em Erreygers24, em que o IC deve ser multiplicado por 4h ?. A segunda abordagem foi a utilizada no presente estudo, dado que é a correção mais utilizada na literatura.
No entanto, apenas medir a concentração não é suficiente. É necessário garantir que estamos comparando pessoas com as mesmas necessidades de saúde. Para isso, este estudo utilizou o índice horizontal como indicador de iniquidade mensurado para cada PNAD e PNS. Seu cálculo pode ser feito através de um índice de concentração da variável estimada do desfecho padronizado pelas necessidades (h ?_it^IS). Considerando a abordagem de padronização indireta, h ?_it^IS é calculado pela equação 2. Sendo que quando o IH é positivo (negativo), há iniquidade horizontal favorável aos mais ricos (pobres).

h ?_it^IS=h_it-h ?_it^N+h ?_t (2)

O subscrito i representa o indivíduo, t cada PNAD ou PNS, h ?_it^IS é, por exemplo, a variável uso de consultas médicas padronizado pelas necessidades; h_it é o valor amostral observado dessa variável, h ?_it^N é a utilização predita esperada, h ?_t é a média do uso de consultas médicas para a PNAD t (1998, 2003 e 2008) ou PNS (2013 e 2019). Essas predições (h ?_it^N) podem ser obtidas através de modelos de regressão representados pela equação 3.

h ?_it^N=G(?_N??? ?_N x_it^N+? ?_NN??? ?_NN x_it^NN ?)+e_it (3)

Onde “G” representa uma forma funcional não linear. Nesses modelos serão incorporadas variáveis de necessidade de saúde (x_it^N), as de “não-necessidade” (x_it^NN, non-need, doravante chamadas como variáveis socioeconômicas). Já os coeficientes ? ?_N e ? ?_NN representam os estimadores do modelo.
Em seguida, a decomposição do IC é mensurada a partir da equação 4, para cada ano t, seguindo abordagem de Wagstaff et al.25, mas incorporando a correção de Erreygers24.

?IC?_t=4*[?_k?(?_kt ? x ??_kt ) ?IC?_(x_kt )+GCI(e_kt )] (4)

Como pode ser observado, um modelo linear é aplicado, onde o índice é escrito como ICs ponderados (pelo efeito marginal e a média do fator associado) das variáveis explicativas (?_k?(?_kt ? x ??_kt ) ?IC?_(x_kt )), mais a contribuição de um termo de erro (GCI(e_kt )).
O cálculo da elasticidade seguirá a literatura no uso da aproximação linear para modelos não lineares. Assim, a estimativa de ?_kt é obtida pelo efeito marginal médio de um modelo econométrico probit para variáveis binárias. A análise de decomposição nos fornece quais são os principais motores da desigualdade no uso de serviços de saúde em cada período analisado. Todas as análises foram realizadas com auxílio do Stata 15 e levaram em conta o desenho amostral das bases de dados através da sintaxe svy desse software que consideram os pesos, estrato e Unidade Primária de Amostragem (PSU).

RESULTADOS

Os dados na Tabela 1 apresentam a proporção percentual para variáveis categóricas e média das variáveis contínuas utilizadas para os cinco períodos analisados. Através destes dados é possível observar uma evolução no acesso ao longo do tempo para consultas médicas e consultas odontológicas – alcançando um percentual de cerca de 85% e 46%, respectivamente, em 2019. Para internação, as médias mostram queda no período, saindo de 13% em 1998 e alcançando 9% em 2019. O comportamento de mamografia se mostra mais instável no período, apresentando uma evolução no período de 2003-2013.
A tabela 2 apresenta resultados para os IC e para os IH. Nas análises de desigualdades, é possível observar a existência de uma desigualdade pró-rico no acesso a consultas médicas, consultas odontológicas e mamografia. Para internação, só é possível observar índices estatisticamente significativos para os anos de 1998 e 2008 e com o sinal contrário, ou seja, maior concentração no grupo mais pobre. Esse maior acesso para o grupo mais vulnerável pode ocorrer por diferenças quanto à necessidade. Ao calcular o IH, estas diferenças são consideradas e obtemos uma medida de iniquidade. Como é possível observar, o IH para o desfecho internação é apenas estatisticamente significativo para o ano de 2003 e agora apresenta um sinal positivo, demonstrando que há iniquidades favoráveis a população mais rica. O mesmo padrão é observado para os demais desfechos – a utilização de serviços de saúde demonstra ser a favor dos mais ricos no estado do Rio Grande do Sul.
As maiores iniquidades são observadas para os desfechos mamografia e consultas odontológicas, enquanto internação, quando estatisticamente significativa, apresenta uma magnitude pequena. Em termos de evolução no período de análise, foi possível observar reduções nas iniquidades de consultas médicas e mamografia – apesar de existir um aumento entre os anos de 2008 e 2013, é possível observar uma redução quando olhamos o período de análise como um todo. No entanto, para consultas odontológicas o comportamento foi distinto, apesar de apresentar uma redução na iniquidade entre os anos de 2013 e 2019, ao considerar todo o período de análise ocorreu um aumento nas iniquidades a favor dos mais ricos.
Na tabela 3 são apresentadas as contribuições das variáveis analisadas, variáveis de necessidade de saúde e variáveis de não necessidade, considerando o primeiro e o último ano de análise. Para os três desfechos, é possível observar a importância das variáveis renda e plano de saúde na contribuição das desigualdades observadas. Analisando a decomposição por desfechos, os resultados mostram que as variáveis plano de saúde, renda e saúde autoavaliada são as variáveis que mais contribuem para as desigualdades observadas para consultas médicas, sendo que as duas primeiras variáveis contribuem para o padrão pró-rico, enquanto a última contribui para o padrão pró-pobre. Esses resultados ocorrem tanto para o período inicial, 1998, quanto para o período final, 2019.
Já para o desfecho consultas odontológicas, além das variáveis plano de saúde e renda, a variável educação ganha destaque, apresentando também um padrão pró-rico. O padrão é estável em ambos os períodos e a maior contribuição é dada pela variável renda, sendo seguida pelas variáveis educação e plano de saúde. Para mamografia, o mesmo padrão do desfecho consultas odontológicas é observado, com os principais contribuintes sendo dados, pela ordem de importância, pelas variáveis renda, plano de saúde e educação (Tabela 3).

DISCUSSÃO
O objetivo deste estudo foi analisar as desigualdades e iniquidades relacionadas à renda na utilização de serviços de saúde de adultos mais velhos no Rio Grande do Sul. O estudo foi realizado utilizando dados de cinco pontos no tempo, 1998, 2003, 2008, 2013 e 2019, o que permite analisar a evolução temporal dos índices. Ao fim, foi realizado uma decomposição para identificar os fatores que contribuem para as desigualdades observadas.
Os resultados observados demonstraram que a desigualdade e a iniquidade relacionada à renda na utilização de serviços de saúde no estado do Rio Grande do Sul possui um padrão pró-rico – o acesso a consultas médicas, consultas odontológicas e mamografia está concentrado na parcela mais rica da população. Em termos comparativos com um estudo realizado para toda população brasileira15, os índices calculados para o estado do Rio Grande do Sul nos desfechos consultas médicas e mamografia apresentam uma menor magnitude em relação aos calculados em nível nacional. Já para o desfecho consultas odontológicas, os índices para o estado do Rio Grande do Sul são mais elevados. Para internações, não observamos a existência de desigualdade e iniquidades para o estado do Rio Grande do Sul, resultado este que difere dos observados por Santos et al.15 que encontra um padrão pró-rico ao longo do período. Apesar destas pequenas diferenças, os resultados para o Rio Grande do Sul ao longo do tempo apresentam o mesmo padrão para o Brasil – redução da iniquidade para consultas médicas e mamografia e agravamento das iniquidades para consultas odontológicas.
Os resultados para consultas médicas também são semelhantes às evidências encontradas em outros estudos para a população brasileira3,6,8,9,20. Almeida et al.6 e Macinko e Lima-Costa8 observaram para os anos de 1998 e 2008 uma redução na desigualdade no acesso a consultas médicas, enquanto Mullachery et al.3, ao analisar os períodos de 2008 e 2013, encontraram um aumento na iniquidade observada a favor dos mais ricos, padrão similar ao observado para adultos mais velhos no estado do Rio Grande do Sul.
Para o desfecho consultas odontológicas, os resultados para adultos mais velhos no Rio Grande do Sul diferem ligeiramente dos observados para a população adulta brasileira. A literatura aponta para uma redução das desigualdades no acesso ao atendimento odontológico entre 1998 e 2008, seguida de um aumento entre 2008 e 2013, enquanto que, para o Rio Grande do Sul, observamos um aumento contínuo entre os anos de 1998 e 2013, apresentando uma queda no ano final de análise. Evidências anteriores já apontavam para a existência de desigualdades e iniquidades na utilização de serviços odontológicos. Estudos realizados para o Brasil e para os municípios de Pelotas e Porto Alegre mostraram uma forte associação do nível socioeconômico com o padrão de uso de serviços odontológicos9,26–29.
Para exame de mamografia, observamos resultados similares aos observados para população brasileira4,20,30 e em estudos realizados em municípios do Rio Grande do Sul31–33. Para o Brasil, Coube et al.20 observaram uma queda na desigualdade ao longo do tempo, de 2003-2019, indicando uma redução na diferença de utilização entre ricos e pobres. Em uma análise para o município de São Leopoldo, Dias-da-Costa et al.31 observaram que o nível socioeconômico foi um fator determinante para a realização da mamografia. Os autores observaram que mulheres de níveis socioeconômicos mais baixos possuem menor probabilidade de serem examinadas e esse resultado persiste ao restringir a análise apenas para mulheres que procuraram o serviço de saúde. Esse mesmo resultado também foi observado para o município de Pelotas32,33. Apesar dos avanços observados pela redução da iniquidade no período no Rio Grande do Sul, ações que promovam a equidade devem ser realizadas, concentrando esforços para disseminar informações sobre importância da mamografia como exame preventivo para detecção de neoplasias34.
Os resultados da decomposição de fatores associados à desigualdade mostraram que as variáveis renda e plano de saúde são os principais fatores que contribuem para todos os desfechos que observamos a existência de desigualdade. Ademais, a variável saúde autoavaliada boa também se destaca para o acesso a consultas médicas e a educação aparece com um fator importante para explicar a desigualdade observada nos desfechos consultas odontológicas e mamografia.
Estes resultados estão em linha com a literatura, que destaca o papel fundamental do plano de saúde sobre as desigualdades a favor dos mais ricos no país5,6,8,15,19. Apesar do Brasil possuir um sistema de saúde público e universal, a estrutura de gastos em saúde no país é financiada na sua maior parte pelo setor privado – menos da metade dos gastos em saúde totais vem do setor público15. Evidências na literatura mostram essa realidade, com indivíduos de maior nível socioeconômico, representado pela renda, apresentando maior facilidade em acessar serviços de saúde1,35. De forma complementar, cabe destacar a percepção da literatura quanto ao significado distinto das variáveis socioeconômicas renda e escolaridade. A primeira, traduz a capacidade de contratar serviços, de tal forma que age como um facilitador ao acesso aos serviços de saúde, na medida em que possibilita a contratação de planos de saúde e consultas privadas. Já a escolaridade promove o maior entendimento de informações, tanto em relação as formas de acesso, quanto da importância dos serviços de saúde para prevenir doenças27. Dessa forma, ações que visam reduzir as disparidades observadas devem atuar de forma concomitante no aumento da oferta de serviços públicos e na conscientização da população, através da disseminação de informações que mostrem a importância da utilização de serviços de saúde na prevenção de doenças, a exemplo de consultas odontológicas e exames de mamografia.
O estudo apresenta algumas limitações. A primeira delas refere-se a natureza dos dados, que são transversais, logo não é possível controlar a heterogeneidade individual não observada, o que pode levar a problemas de endogeneidade. Outro problema é a impossibilidade de inserir nos modelos condições de saúde pré-existentes que possam levar o indivíduo a procurar os serviços de saúde. Outra limitação também relacionada a restrição das bases de dados é que não são considerados aspectos que demonstrem dificuldade ou qualidade do acesso aos serviços de saúde e também não é possível fazer distinção entre consultas médicas especializadas.
Apesar das limitações, o estudo possui méritos ao utilizar duas pesquisas domiciliares nacionais, com amostras probabilísticas representativas da população, e ao cobrir um horizonte de tempo longo (1998-2019), permitindo analisar tendências. Ademais, as análises são realizadas para quatro desfechos de utilização de serviços de saúde e utilizam indicadores consolidados na literatura, oferecendo, assim, uma visão abrangente dos serviços de saúde e possibilitando a comparabilidade internacional dos resultados.
Em síntese, de 1998 a 2019 as iniquidades na utilização de serviços de saúde no Rio Grande do Sul em indivíduos com 50 anos ou mais seguiram rumos diversos: diminuíram para consultas médicas e mamografias, mas cresceram nas consultas odontológicas, favorecendo os estratos de maior renda. Esses resultados mostram que avanços na cobertura não garantem, por si só, maior equidade. Assim, as políticas públicas precisam ir além de ampliar o acesso geral e adotar ações explicitamente redistributivas para que os benefícios alcancem os grupos economicamente mais vulneráveis e reduzam as disparidades persistentes.

CONTRIBUIÇÃO DOS AUTORES
Triaca LM contribuiu na concepção e delineamento do estudo, análise e interpretação dos resultados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Santos AMA contribuiu na análise e interpretação dos dados, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Tejada CAO contribuiu no delineamento do estudo, redação e revisão crítica do conteúdo do manuscrito. Todos os autores aprovaram a versão final do manuscrito e são responsáveis por todos os seus aspectos, incluindo a garantia de sua precisão e integridade.

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Triaca, LM, Santos, A.M.A, Tejada, CAO. Evolution of inequalities and inequities in the use of health services by older adults in Rio Grande do Sul: Evidence for the period 1998-2019. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2025/Oct). [Citado em 05/12/2025]. Está disponível em: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/en/articles/evolution-of-inequalities-and-inequities-in-the-use-of-health-services-by-older-adults-in-rio-grande-do-sul-evidence-for-the-period-19982019/19844



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