0753/2007 - Evaluation of reference and counter-reference in the Family Health Program in Metropolitan Region of Rio de Janeiro
Avaliação da referência e contra-referência no Programa Saúde da Família na Região Metropolitana do Rio de Janeiro
Author:
• Carlos Gonçalves Serra - Serra, C.G - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - Universidade Estácio de Sá, Mestrado Profissional em Saúde da Família - <carlosgser@gmail.com>Thematic Area:
Não CategorizadoAbstract:
This article presents the results of research on the functioning of the reference and counter-reference system in support of activities carried out by the Brazilian Family Health Program in the cities of Duque de Caxias and Rio de Janeiro. The research had as premise that the resolution capacity of the Brazilian Family Health Program depends on the support of specialist’s medical appointments and diagnosis test offered by health care unities of the secondary level, and depends upon reference and counter-reference information. The research’s results may be summarized as: 1) limited offer of specialized services in the secondary level of the health care system; 2) inexistence or failure of counter-reference information; 3) Deficient regulation of patient fluxes in the health care system; 4) insufficient utilization of clinical guidelines for patient referrals; 5) Precariousness of information and communication systems; 6) high level of political influence in the management of health care services; e 7) different denominations and great diversity of types of service offered by secondary heath care unities.Key-words: Primary health care; family health care; reference and counter-reference; health care networks and systems management.
Content:
A saúde da família é considerada como uma das principais estratégias de reorganização do Sistema Único de Saúde (SUS) e da reorientação da atenção primária, ou básica, em particular, no que diz respeito ao resgate das diretrizes e princípios do primeiro e das práticas de atenção. Desde sua criação em 1994, o Programa Saúde da Família (PSF) experimenta um significativo crescimento em todo o país, com mais de 28 mil equipes implantadas até março de 2008, correspondendo a uma cobertura de mais de 47% da população . Tanto o Ministério da Saúde como a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) consideram que a rede de serviços de atenção primária de saúde (APS) pode resolver 85% dos problemas de saúde da população. Contudo, para que haja tal resolubilidade, o nível secundário de atenção tem de assegurar o acesso dos usuários a consultas e exames especializados, indispensáveis para a conclusão de diagnósticos pela APS.
O papel complementar dos diferentes níveis de atenção à saúde remete ao conceito da integralidade, entendida como a garantia do direito de acesso dos usuários às ações e serviços dos diferentes níveis de complexidade, com fluxos ou percursos definidos e organizados espacialmente de forma a assegurar a continuidade dos cuidados em unidades localizadas o mais próximo possível dos cidadãos . A integralidade da atenção numa rede de ações e serviços de saúde pressupõe, ainda, a correspondência entre a escala das unidades de atenção, o território e sua população. As unidades de cada nível de atenção são capazes de solucionar problemas de saúde de um determinado número de pessoas e devem ser dimensionadas de forma a garantirem essa oferta de serviços com qualidade, no PSF definiu-se população mínima de 2.500 e máxima de 4.000 pessoas por equipe.
O principal referencial para a abordagem da questão do atendimento integral à saúde, ou da integralidade da assistência no SUS é fornecido pelos textos da Constituição Federal de 1988 e da Lei Orgânica da Saúde . A primeira estabelece como segunda diretriz do Sistema Único de Saúde (SUS) o “atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais” (art. 198, II). A Lei define como um dos princípios do Sistema a “integralidade de assistência, entendida como conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema” (art 7º, inciso II). O recente Pacto pela Saúde , proposto pelo Ministério, adota as mesmas definições.
O principal elemento para a integração das redes de saúde é um efetivo sistema de referência e contra-referência (RCR), entendido como mecanismo de encaminhamento mútuo de pacientes entre os diferentes níveis de complexidade dos serviços. O Ministério da Saúde define este sistema, inclusive, como um dos elementos chave de reorganização das práticas de trabalho que devem ser garantidos pelas equipes de saúde da família (ESF) .
A abordagem da integração dos sistemas e redes de saúde envolve diversos aspectos inter-relacionados, tais como: regulação dos serviços; processos de gestão clínica; condições de acesso aos serviços; recursos humanos; sistemas de informação e comunicação e apoio logístico. Diversos desses aspectos são considerados por Hartz e Contrandiopoulos como elementos críticos para se garantir a integração das redes de saúde, sendo que alguns deles constam como princípios orientadores do processo de regulação da atenção estabelecidos pelo Pacto pela Saúde7, de 2006. Pode-se considerá-los como condições necessárias também para o bom funcionamento do sistema de referência e contra-referência.
A regulação dos serviços é tarefa indelegável do gestor do sistema de saúde e envolvem processos tais como: o planejamento da oferta de ações e serviços com base nas necessidades de saúde da população; estabelecimento de responsabilidades e de metas quantitativas e qualitativas da atenção para as unidades de prestação de serviços dos diferentes níveis de complexidade; regulação da utilização dos serviços; monitoramento e avaliação dos resultados alcançados para a correção dos processos de trabalho.
Quanto à gestão clínica, não há um conceito claramente estabelecido a este respeito. Segundo Wagner , usa-se o termo gestão de doenças, ou disease management, para designar o trabalho de coordenação de equipes multi-profissionais de cuidados que lidam com pacientes portadores de doenças crônicas. Mas trata-se de termo de abrangência mais limitada, voltado especificamente para o manejo integrado de pacientes crônicos. O conceito de gestão clínica é inspirado em Eugênio V. Mendes e utilizado por Hartz e Contrandiopoulos9 para designar a aplicação de “tecnologias de microgestão” necessárias para melhorar a qualidade e a eficiência dos serviços de saúde. Envolve aspectos como: protocolos clínicos (inclusive de RCR); educação permanente em serviço; regulação das filas de espera para consultas, exames diagnósticos e internação; e a supervisão ou apoio técnico para as equipes de ponta. Sua desconsideração pode prejudicar a implantação dos sistemas de referência e contra-referência.
As condições de acesso da população às ações e serviços de saúde dependem tanto de sua proximidade das unidades dos diferentes níveis de complexidade, quanto do dimensionamento adequado da oferta em relação ao número de habitantes e suas necessidades de saúde. Um elemento crítico para a garantia do acesso é o direito da população à informação sobre os serviços disponíveis, seus respectivos horários e das pré-condições requeridas para o acesso aos procedimentos especializados. Isto demanda, inclusive, uma denominação clara de cada nível de atenção e das unidades e serviços ofertados a fim de facilitar sua identificação pelos usuários.
Em relação aos recursos humanos, é necessário considerar a formação e experiência profissional, condições de trabalho e existência de mecanismos de educação permanente, para assegurar a atualização dos seus conhecimentos. No Brasil, a formação para a saúde da família é ainda recente e insuficiente em termos quantitativos e as condições de trabalho são as ideais, incluindo salários baixos e vínculos empregatícios precários, além de mecanismos de educação permanente ainda pouco desenvolvidos.
A regulação adequada de uma rede de ações e serviços de saúde requer que se conte com apoio de sistema de informações voltado para: a identificação dos pacientes (como o cartão SUS); o acesso a prontuários eletrônicos pelos profissionais das diferentes unidades; o controle da disponibilidade de leitos e vagas para consultas e exames; além do monitoramento das ações desenvolvidas. A inexistência ou o mau funcionamento de sistema de informação desse tipo dificulta o encaminhamento dos pacientes, seu acesso aos serviços, assim como a capacidade do gestor controlar e avaliar o cumprimento dos objetivos e metas estabelecidos.
Da mesma forma, o apoio logístico eficiente é condição essencial para o bom funcionamento de uma rede de serviços de saúde, de forma a se garantir o abastecimento regular de medicamentos e insumos, inclusive amostras de exames, além do transporte de pacientes. A manutenção e a calibração regular dos equipamentos biomédicos utilizados em todas as unidades é outro requisito logístico. A deficiência nesse setor pode resultar não só em desabastecimento, como em prejuízos para a qualidade do acompanhamento da situação dos pacientes.
A pesquisa encontrou problemas em relação a todos os aspectos por ela abordados. Os mais sérios dizem respeito à carência de planejamento da oferta e da regulação de vagas para procedimentos especializados, evidenciando, dessa forma, a ausência de elementos indispensáveis ao bom funcionamento do sistema de referência e contra-referência, objeto central do estudo.
Métodos
O desenvolvimento da pesquisa envolveu como métodos: a análise crítica de fontes bibliográficas e documentais; levantamento de dados de caráter secundário sobre as redes de ações e serviços de saúde do SUS nas áreas pesquisadas; a realização de entrevistas com amostra de médicos de família nas duas áreas abrangidas, com base em questionário semi-estruturado. Os procedimentos utilizados foram de cunho predominantemente qualitativo, embora alguns dados tenham recebido tratamento quantitativo (estatística simples). Foram entrevistados no total 25 médicos de família, sendo 13 na A.P. 3.1 (Rio de Janeiro), de um total de 27 e 12 em Duque de Caxias, de um total de 30, correspondendo a 48% e 40%, respectivamente, do universo de cada área. Em Duque de Caxias não foram considerados 37 médicos, cujas equipes ainda estavam em processo de implantação. A análise dos dados coletados por meio de roteiros de entrevista foi feita com base na metodologia de análise de conteúdo sistematizada por Bardin .
Considerações sobre o problema
A partir do Século XX, diversos fatores concorreram para aumentar os custos do setor de saúde, tornando a questão do acesso da população aos seus serviços e ações uma questão cada vez mais complexa. Os principais fatores que contribuíram para isto foram: a oferta de procedimentos de diagnóstico e terapia, associados a novas especialidades médicas e não médicas; a intensa incorporação tecnológica – equipamentos e fármacos; o aumento da longevidade da população, que vem ampliando a demanda por ações e serviços de saúde; e o crescimento das condições crônicas. O efeito combinado desses fatores tornou a questão da garantia do acesso um problema crucial para todos os sistemas de saúde e para a população, cuja solução depende cada vez mais do âmbito da política.
Segundo a OMS a tradicional separação entre as doenças transmissíveis e as doenças crônico-degenerativas vem perdendo importância. Isto deriva tanto da maior importância de novas formas de doenças transmissíveis – que afetaram até mesmo as populações dos países mais desenvolvidos, como o HIV/AIDS, e formas resistentes de tuberculose e sífilis, quanto do crescimento das tradicionais doenças crônico-degenerativas entre os países em desenvolvimento. Aquele organismo internacional vem defendendo, desde 2002, a adoção de um conceito mais amplo, denominado “condições crônicas”, que envolve: doenças crônico-degenerativas; doenças transmissíveis de tratamento prolongado; problemas de saúde mental e seqüelas de acidentes.
As “condições crônicas” representam, atualmente, a maior parte do aumento da carga de doença em todo o mundo. A OMS estima para 2020, que 80% da carga de doença dos países em desenvolvimento devem advir dessas condições. Os sistemas e serviços de saúde e a formação dos profissionais do setor, no entanto, sempre se voltaram para os casos agudos e não para as condições crônicas, que incluem, prioritariamente, ações de: prevenção; promoção; detecção precoce; e controle – tratamento continuado para evitar o agravamento dos casos. Essas condições exigem, portanto, a ação integrada de diferentes serviços e profissionais de todos os níveis de complexidade do sistema de saúde numa rede efetiva de serviços, com garantia de continuidade dos cuidados.
A maior parte dos sistemas de saúde existentes – inclusive o Sistema Único de Saúde (SUS) – está despreparada, no entanto, para dar conta desta nova situação. Um dos elementos essenciais para que as ações e serviços de saúde funcionem de forma integrada numa rede de serviços é o funcionamento de um sistema de referência e contra-referência (RCR). No Brasil, inclusive, o Ministério da Saúde8 estabelece a referência e contra-referência como um dos elementos chave para as práticas de trabalho do Programa Saúde da Família (PSF). Neste sentido, a pesquisa realizada visou conhecer o funcionamento do sistema de referência e contra-referência em duas áreas da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (Área Programática 3.1, do Município do Rio de Janeiro e o Município de Duque de Caxias), visando conhecer seus principais nós críticos, de forma a se obter subsídios para a melhora do mesmo no SUS.
Resultados e discussão
A AP 3.1, com 872 mil habitantes está localizada na Zona Norte do Município do Rio de Janeiro, faz limite com Duque de Caxias, que tem uma população de 855 mil pessoas e pertence à Baixada Fluminense. Esta área programática 3.1 conta com uma Coordenação (CAP 3.1) e é bem servida de hospitais do SUS (8) e unidades secundárias (10), tendo um número ainda relativamente limitado de unidades primárias (22), sendo 11 do PSF (27 equipes), além de uma unidade do PACS. Em Duque de Caxias há três hospitais, 12 unidades secundárias, nove unidades tradicionais de atenção primária e 67 equipes de saúde da família em funcionamento, a maior parte delas (37) ainda em processo de implantação, resultando numa cobertura do Programa superior a 30% da população. Na AP 3.1, ao contrário, há uma baixa cobertura do PSF (13%), em virtude do lento processo de implantação do Programa no Município do Rio de Janeiro como um todo.
Na AP 3.1 há um esforço da SMS e da Coordenação da Área de organização da rede de serviços, tendo sido definidos três subsistemas, cada um deles com um hospital geral e unidades de atenção secundária de referência. Para dar suporte às equipes de saúde da família, foi implantado um Grupo de Apoio Técnico (GAT), constituído por profissionais de saúde de diversas especialidades. A oferta de serviços de caráter secundário em apoio ao PSF não é planejada, nem está subordinada à CAP, dependendo de negociações entre esta e os dirigentes das unidades secundárias e terciárias, o que não assegura uma oferta regular e suficiente de procedimentos nestes níveis de atenção.
Em Duque de Caxias não há áreas ou subsistemas de saúde. Em 2006, foi implantado um sistema de regulação para consultas especializadas em apoio ao PSF, que, embora incipiente, vem melhorando o acesso às mesmas, segundo os médicos de família entrevistados. Não existia nada semelhante em relação aos exames diagnósticos, nem apoio técnico para as ESF.
Em ambas as áreas não houve planejamento da oferta de consultas e exames especializados com base nas necessidades de saúde da população. A pesquisa verificou um grau relativamente baixo de controle dos gestores dos sistemas sobre a oferta de serviços pelas unidades secundárias ou de média complexidade, cujas chefias são nomeadas politicamente. O baixo nível de regulação da rede encontrado nas duas áreas resulta em dificuldades para o encaminhamento dos pacientes do PSF para consultas e exames especializados, de acordo com as informações prestadas pelos médicos de Saúde da Família entrevistados (tabelas 1 e 2, a seguir).
Entra aqui a tabela 1: AP 3.1 e Duque de Caxias, consultas especializadas do nível secundário com maiores dificuldades para referência.
Nas duas áreas apenas sete tipos de consultas especializadas representam dois terços das dificuldades relatadas pelos médicos do PSF entrevistados. Algumas delas são críticas em relação às prioridades do Programa, tais como: Cardiologia (16,5% das respostas na AP 3.1 e 6,5% em Duque de Caxias), que dificulta o controle adequado dos hipertensos; Ginecologia (5,6% na AP 3.1); e Endocrinologia (6,5% lugar em Duque de Caxias). Também há nas duas áreas pesquisadas dificuldades para a referência para outras especialidades, como Angiologia, Neurologia, Oftalmologia e Ortopedia.
Entra aqui a tabela 2: AP 3.1 e Duque de Caxias, exames especializados com
maiores dificuldades para referência.
Os sete exames mais citados pelos médicos de família como os de maior dificuldade para referência representam 88% dos problemas na AP 3.1 e 70,3% em Duque de Caxias, sendo que alguns deles – mamografia, dosagem hormonal, eletrocardiograma e ultra-som – são fundamentais para as prioridades do PSF.
Os principais problemas identificados que interferem no encaminhamento dos pacientes do PSF para o nível secundário de atenção são apresentados na tabela 3, a seguir, de acordo com as categorias de análise utilizadas. Três problemas se destacam em ambas as áreas: 1) inexistência ou precariedade da contra-referência; 2) limitada oferta de consultas e exames; e 3) má organização das atividades de regulação. Outro problema mencionado que merece destaque é a dificuldade de acesso dos pacientes aos serviços, por conta de dificuldades financeiras para arcarem com o custo das passagens, principalmente em Duque de Caxias.
Entra aqui a tabela 3: Maiores problemas para as referências, na opinião dos médicos.
Um achado eventual, mas importante, da pesquisa no que diz respeito à organização da rede de saúde foi a existência de nove denominações e diferentes configurações das unidades secundárias de saúde nas duas áreas, o que caracteriza uma aparente falta de critérios para a organização desse nível de atenção. Encontraram-se as seguintes denominações para as mesmas: Centro de Atenção Psico-Social (CAPS); Centro de Atenção Psico-Social Infanto-Juvenil (CAPSIJ); Centro Especial de Atenção aos Portadores de Deficiência (CEAPD); Centro Especial de Atenção Total ao Adolescente (CEATA); Centro Municipal de Saúde (CMS); Policlínica; Posto de Assistência Médica (PAM); Posto Municipal de Saúde (PMS); Posto de Urgência (PU). Quanto à configuração da grade de serviços ofertados, encontrou-se, em Duque de Caxias, uma variação de oferta de serviços especializados entre 13 e 20 tipos para unidades com a mesma característica e denominação (PMS). Tamanha variação pode dificultar tanto o encaminhamento por parte dos profissionais, quanto a identificação, pelos usuários, dos serviços que podem atender suas necessidades.
Em relação aos aspectos relacionados á gestão clínica investigados pela pesquisa, 92,9% dos entrevistados na AP 3.1 declararam que utilizavam protocolos para o encaminhamento para consultas especializadas, enquanto apenas 41,7% dos entrevistados disseram o mesmo em Duque de Caxias. As diferenças entre as duas áreas são ainda maiores em relação à utilização de protocolos para o encaminhamento de exames: na AP 3.1, novamente 92,9%; enquanto em Duque de Caxias apenas 16,7% dos médicos disseram utilizar os mesmos. A contra-referência nunca ou quase nunca ocorre nas duas áreas pesquisadas, segundo a maioria dos entrevistados (85,7% das respostas na AP 3.1; e 91,7% em Duque de Caxias), apesar de ser fundamental para a garantia da continuidade dos cuidados e o controle da situação de saúde dos pacientes acompanhados pelo PSF.
Ainda em relação à gestão clínica, encontrou-se uma significativa diferença entre as duas áreas quanto à existência dos grupos de apoio técnico para os profissionais do PSF. Enquanto na AP 3.1, 85,7% dos médicos disseram contar com apoio técnico, apenas 33,3% dos médicos de Duque de Caxias disseram o mesmo. Embora haja equipe de apoio técnico na AP 3.1, o número dos seus integrantes e a variedade de especialistas foram considerados insuficientes pelos médicos entrevistados. O apoio técnico existente em Duque de Caxias refere-se apenas aos programas verticais de saúde.
Em Duque de Caxias, por não ter havido organização territorial da rede, observou-se sérios problemas de acesso da população aos serviços secundários, as unidades de referência em Duque de Caxias estão em geral localizadas no centro da cidade, que é muito distante para grande parte dos usuários. Outros fatores que prejudicam o acesso em ambas as áreas, segundo os entrevistados são a violência – muitos usuários não podem sair cedo de casa por conta da dominação de seus locais de moradia pelo crime organizado – e dificuldades financeiras que impedem muitos de pagarem as passagens necessárias para se deslocarem até as unidades de referência. Os maiores problemas em relação ao acesso a consultas e exames especializados, entretanto, decorrem das deficiências de gestão, como a falta de planejamento da oferta dos mesmos e a pequena capacidade de regulação por parte dos gestores.
Quanto aos recursos humanos, a pesquisa revelou situações distintas nas duas áreas pesquisadas em relação ao vínculo funcional dos médicos de família. Na AP 3.1, apenas 21,4% dos médicos de família entrevistados declararam ser funcionários públicos de carreira, enquanto em Caxias essa proporção era de 91,7%. Nas duas áreas pesquisadas, verificou-se uma predominância de pediatras entre os médicos de família (50,0% na AP 3.1 e 41,7% em Duque de Caxias), seguidos pelos gineco-obstetras e clínicos gerais. Uma proporção relativamente alta entre esses profissionais não recebeu capacitação específica para a função (64,3% na AP 3.1 e 33,3% em Duque de Caxias).
Com relação à disponibilidade de sistemas de informação de apoio à gestão e regulação da rede, nenhuma das duas áreas tinha implantado o Cartão SUS, ou contava com prontuários eletrônicos e sistemas eletrônicos de marcação de consultas e exames especializados. Na AP 3.1 todas as USF dispunham de telefones e a grande maioria (92,9%) de computador, embora apenas 7,1% destes estivessem ligados em rede com a CAP. Em Duque de Caxias apenas 8,3% das unidades contavam com os dois meios de comunicação, as demais ficavam praticamente isoladas da rede SUS e da própria Coordenação do Programa. Tal precariedade em termos de informação e comunicação prejudica o funcionamento do sistema de referência e contra-referência nas duas áreas.
Em termos do apoio logístico às USF, os médicos de família entrevistados relataram ser freqüente a falta de medicamentos nas duas áreas pesquisadas, sendo o problema ainda pior na AP 3.1 (85,7% das respostas) do que em Duque de Caxias (66,7%), como mostram os dados da tabela 4. Este problema compromete a proposta de controle de doenças que o PSF deve fazer, particularmente em relação à hipertensão e ao diabetes, cujas prevalências são elevadas, o que geralmente redunda em intercorrências graves e de alto custo.
Aqui entra a tabela 4: Freqüência da falta de medicamentos.
Também se constatou que praticamente não há manutenção e calibração dos equipamentos biomédicos utilizados pelo PSF. As respostas negativas dos médicos a este quesito foram elevadas nas duas áreas (71,4% na AP 3.1 e 83,3% em Duque de Caxias). A inexistência de manutenção e calibração dos equipamentos pode induzir a graves erros de diagnósticos e prescrições indevidas, com sérias conseqüências para os usuários.
Considerações finais
A pesquisa revelou a existência de deficiências no que diz respeito às condições operacionais necessárias ao bom funcionamento do sistema de referência e contra-referência entre a saúde da família e os demais níveis de complexidade. Tais deficiências foram encontradas em todos os aspectos considerados: planejamento e regulação; gestão clínica; acesso aos serviços; recursos humanos; sistemas de informação e comunicação; além de apoio logístico.
Nas duas áreas analisadas os órgãos municipais de gestão do SUS não detêm comando efetivo sobre as unidades de saúde secundárias em função das suas dificuldades em termos de planejamento e regulação e da indicação política dos dirigentes das unidades de saúde. A oferta das ações e serviços de saúde continua voltada para o atendimento da demanda espontânea e não para as necessidades de saúde da população, com base em critérios epidemiológicos, como o estabelecido pela Lei nº. 8.080/90 (Art. 7º, VII). A distribuição espacial aleatória das unidades de saúde e seu dimensionamento inadequado à demanda também são reflexos da falta de planejamento.
Em relação à gestão clínica verificou-se a carência ou utilização deficiente de protocolos clínicos, cuja existência praticamente se restringe aos programas verticais de controle de doenças do Ministério da Saúde, tais como os programas de controle da hipertensão, diabetes, hanseníase, tuberculose. Os encaminhamentos para os serviços de referência são pouco apoiados nas diretrizes e protocolos clínicos existentes e os médicos nem sempre os consideram plenamente. Isto revela não só a necessidade de melhor treinamento através de programas de educação permanente, como também a importância do envolvimento desses profissionais na adaptação das diretrizes e protocolos à realidade local.
A deficiência do apoio técnico às equipes de saúde da família foi constatada nas duas áreas, o que dificulta a tomada de decisão clínica por seus profissionais, principalmente nos casos que estão no limite de seus conhecimentos, o que pode contribuir para aumentar o número de encaminhamentos para os demais níveis de complexidade. A contra-referência se revelou praticamente inexistente nas áreas estudadas.
Os problemas de acesso da população aos serviços não parecem ter sido considerados com a devida importância nas áreas analisadas. Distâncias exageradas ou dificuldades de pagamento das tarifas de transporte público criam dificuldades de acesso aos serviços pela população. A identificação dos serviços secundários ofertados é muitas vezes dificultada pela variedade de nomenclatura das unidades secundárias (há nove denominações diferentes) e pela grande diversidade das grades de serviços oferecidos. A má organização dos serviços de exames diagnósticos exige, por vezes, o comparecimento dos usuários muito cedo, apesar de muitos terem dificuldades por conta da violência. Tais dificuldades podem ser superadas por meio de planejamento cuidadoso e de providências relativamente simples como a implantação da coleta de exames laboratoriais nas USF e a implantação de agendamento para exames de imagem ou métodos gráficos.
As principais deficiências quanto aos recursos humanos encontradas foram: profissionais sem formação específica para a saúde da família; pouco treinamento inicial para o exercício da função; esquemas precários de educação permanente; vínculos funcionais irregulares; grande isolamento dos profissionais, que trabalham em pequenas unidades e sem apoio técnico adequado.
Os sistemas de informação e comunicação existentes são precários. Muitas equipes não contam com telefones, nem computadores em rede. Não há prontuários eletrônicos, nem sistemas de agendamento de consultas e exames. O meio mais utilizado para a referência e contra-referência é através de formulários em papel. Em relação ao apoio logístico, a pesquisa encontrou uma falta generalizada e freqüente de medicamentos e insumos, o que prejudica a eficácia do controle de doenças prioritárias para o PSF (como hipertensão e diabetes). Os equipamentos disponíveis nas unidades não contam com manutenção adequada nem calibração, tornando-se pouco confiáveis.
A situação encontrada, em síntese, contribui para uma menor resolubilidade do Programa, provavelmente acarretando o agravamento desnecessário das condições de saúde de diversos pacientes, piorando sua qualidade de vida, além de sobrecarregar as unidades de maior complexidade do SUS. Nessas condições o funcionamento do sistema de referência e contra-referência fica prejudicado, assim como a necessária integralidade e continuidade dos cuidados.
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