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0623/2007 - DEFINITION OF ABILITIES PROFILE IN PUBLIC HEALTH BASED ON EXPERIENCE OF DENTISTS OF PUBLIC SERVICE
DEFINIÇÃO DO PERFIL DE COMPETÊNCIAS EM SAÚDE COLETIVA A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DE CIRURGIÕES-DENTISTAS

Author:

• Iris do Céu Clara Costa - Costa, I.C.C. - Natal, RN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte - <irisdoceu.ufrn@gmail.com>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1246-8754

Thematic Area:

Não Categorizado

Abstract:

ABSTRACT
A curriculum for skills should prepare the student for a critical and reflective know-how, so that he feels active part of their social context, mobilizing resources to resolve problems that appear in the professional exercise. Investigated the difficulties faced by dentists from public service of Rio Grande do Norte about the public health, and so to establish a profile of skills for the new vocational curriculum. Data were collected through a questionary with a test of free association of words in an interview analyzed by EVOC 2000 and Thematic Content Analysis. The main difficulties found were: working in teams, lack of commitment of managers with the continuity of the health actions, unpreparedness professionals to face the collectives problems, and the precariousness of work. Considering the profile of the health professional suggested by the new curriculum guidelines, the results signal for the need of changes in the curriculum, which must to graduate professionals compatible with the requirements of the actual labour market, which includes the skills of knowledge, know-how and know-be, with a critic view. Thus, as soon as the courses of Dentistry join the changes in education, more likely the recently graduate from them will be trained to have skills to deal with difficulties in services.
KEY-WORDS: Competency-based education, skills, curricular guidelines


Content:

INTRODUÇÃO
No sistema educacional vigente, atribui-se às Universidades a tarefa de aprovar, ministrar e reconhecer habilitações. Entretanto, os profissionais são formados para atuar na saúde, sem que exista um diagnóstico concreto com relação as necessidades do setor, o que gera um descompasso entre a formação do aluno e a necessidade dos serviços, transferindo ao setor saúde a responsabilidade de favorecer as condições de capacitações as mais diversas no próprio serviço, para complementar as lacunas da formação acadêmica dos profissionais.
No sentido de construir uma estratégia eficaz para o bom funcionamento dos serviços é preciso gerar um processo educacional que articule formação profissional com as demandas e necessidades da sociedade; o que poderá possibilitar ao indivíduo, o exercício eficiente do seu trabalho, aliado a participação consciente e crítica na esfera social, bem como na sua auto-realização. Isso poderá se tornar possível, quando houver uma política pedagógica capaz de repensar a pratica educativa de cunho tecnicista, acrítica representada pela atuação profissional na sua realidade histórica, e romper com a dicotomia entre pensar e fazer, entre geral e específico, entre habilidades teóricas e práticas 1.
Para alguns autores 2,3,4 essas reflexões não devem se contentar apenas com o processo de aprendizagem no espaço e contexto, mas deve ter como horizonte uma sociedade transformada, isto é, comprometida com um projeto social que tem o homem como prioridade essencial e centro dessas preocupações. Como desafio da formação profissional em saúde, as instituições deverão pensar nessa formação voltada para a humanização do homem, a partir da integração de conhecimentos gerais e específicos, habilidades teóricas e práticas, hábitos, atitudes e valores éticos. Isso implica repensar a inserção desse profissional na sociedade e construir sua participação partindo da reflexão, questionamentos e formulação de propostas, fundamentadas na sua realidade vivencial, visando a transformação dessa realidade.
Nessa nova dinâmica do mercado, o profissional deverá diagnosticar, solucionar problemas, ser capaz de tomar decisões, de intervir no processo de trabalho, de trabalhar em equipe. Os pontos dessa dinâmica coincidem com as competências e habilidades que o profissional de saúde deverá ter segundo as Diretrizes Curriculares dos Cursos da área da saúde, aprovadas pela Sesu/MEC em 2002 5 .
Levando-se em conta as transformações ocorridas no mundo do trabalho, as diretrizes curriculares definem algumas competências gerais na formação do profissional de saúde. No campo da tomada de decisões, este profissional deverá desenvolver habilidade para avaliar, sistematizar e escolher a conduta mais apropriada. Na comunicação, deverá ser capaz de interagir com os pacientes/comunidades, além de ter habilidades para comunicação verbal, não verbal, escrita e meios eletrônicos. No que se refere a liderança, são consideradas competências indispensáveis o trabalho em equipe multiprofissional, responsabilidade, empatia, gerenciamento e administração de recursos humanos, físicos e materiais. Quanto a atenção à saúde, o profissional deverá estar apto dentro de um trabalho em equipe a desenvolver ações de promoção, prevenção, proteção e reabilitação no nível individual e coletivo, contempladas no sistema de saúde vigente e no nível de atenção à saúde e gestão que o município se enquadra 4,5.
Portanto, considerando que a formação acadêmica deveria preparar o aluno para a realidade do dia-a-dia profissional, fazendo-o desenvolver habilidades para superar as adversidades e obstáculos, este trabalho surgiu da necessidade de identificar as principais dificuldades vivenciadas na área da saúde coletiva, por cirurgiões-dentistas generalistas atuantes no serviço público, cujos resultados poderão nortear a composição dos conteúdos das disciplinas referentes a essa área temática, na reestruturação do novo currículo, bem como traçar critérios que deverão compor o perfil do novo profissional da odontologia.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Alguns trabalhos na área do ensino 1,6,7,8 declaram que as profissões de saúde devem ser medidas pelo nível de saúde da população que utiliza seus serviços e não pela qualificação científica e tecnológica dos seus profissionais. Apesar desse pressuposto, o que tem se observado no ensino superior das profissões de saúde é uma enorme divergência entre o que é ensinado e o que de fato a população precisa.
Na tentativa de tentar aproximar estes dois contextos (universidade e serviços) fora de sintonia e algumas vezes divergentes, alguns movimentos sociais ligados à universidade despontaram ao longo do tempo na tentativa de vencer essas diferenças. Na década de 50 a criação dos Departamentos de Medicina Preventiva surgiram na perspectiva de aliar saúde pública com medicina liberal. Outros movimentos como a medicina comunitária e a integração docente-assistencial (IDA) foram importantes como primeiras experiências aliadas a participação comunitária e voluntariada na prestação de serviços, além de no caso da IDA tentar quebrar a resistência dos estudantes quanto a abordagem social e epidemiológica das doenças 6,7 .
O próprio Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil acumulou política e tecnicamente boa parte das experiências de medicina comunitária e IDA no esboço da sua construção, porque absorveu ou foi construído fundamentado nos princípios da Reforma Sanitária e de todas as experiências de saúde coletiva anteriores a ela 4,5 . No Brasil, em função das novas exigências do mercado de trabalho, com novos cenários de prática, se trabalha a interdisciplinaridade, se realizam ações educativas que estimulam a integração ensino-pesquisa-serviço, se exige um compromisso ético, humanístico e social com o trabalho multiprofissional, os quais solicitam um profissional mais generalista e de formação mais ampla. A partir dessa exigência surge uma profunda preocupação: a de repensar a formação dos novos profissionais, ainda preparados numa abordagem individual e curativa, incapazes de extrapolar o espaço da clínica e propor um diagnóstico sobre o coletivo e suas intervenções4,5 .
A diversidade dos cenários de prática é um ponto importante na construção desse processo, pois é fundamental que os profissionais enquanto alunos, conheçam os vários espaços de prestação de serviços. Por outro lado, as mudanças almejadas na formação do profissional têm que ser construídas a partir da reflexão crítica de todos os segmentos participantes da atenção como: universidade (professores, alunos e dirigentes), serviços de saúde (gestores e profissionais) e população (usuários, conselhos municipais de saúde). As mudanças são complexas e para concretizá-las, as universidades precisam de apoio técnico e político, o qual deverá ser traduzido por um trabalho articulado entre os Ministérios da Educação e da Saúde, proporcionando a formação dos formadores, atividades de capacitação e debates entre os segmentos interessados (docentes, discentes, serviços e usuários) 7,8.
Embora se destaque a importância da diversidade dos cenários, a formação por competências é hoje o foco principal na elaboração dos Projetos Político-Pedagógicos, tanto para a Educação Básica como para a Educação Superior. Nesse sentido, a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) define competências como a “capacidade de mobilizar, articular, colocar em ação valores, habilidades e conhecimentos necessários para o desempenho eficiente e eficaz de atividades requeridas pela natureza do trabalho” 9 .
Quanto a estruturação de um currículo por competências significa preparar os alunos para um saber-fazer reflexivo, crítico, o suficiente para que o aluno sinta-se participante do seu contexto social, o que lhe permitirá decidir, utilizar, modificar e mobilizar recursos disponíveis para resolver com sucesso, problemas surgidos na prática profissional. Um currículo por competências é fundamentado na análise de situações: como uma via de mão dupla, parte da teoria para a prática, do concreto para o abstrato, do real para o conceitual e vice-versa em todas as situações. Assim, uma reformulação curricular por competências, implica em ter uma estrutura curricular que ultrapasse de fato programas tradicionais na sua práxis e não se limitar somente a utilização de um verbo de ação que inicia a descrição dos conteúdos disciplinares. Em outras palavras, é colocar a educação a serviço das necessidades concretas do aluno, no que se refere ao seu preparo para o início do exercício profissional10,11. O quadro a seguir propõe uma organização curricular por competências, que deverá englobar novas estratégias e metodologias de ensino, a avaliação por competências e a adoção de um contexto interdisciplinar do ensino.
Quadro 1
Para compreender-se o sentido de competências é interessante destacar alguns conceitos encontrados na literatura. Competências fazem parte dos esquemas mentais, isto é, as ações e operações mentais de origem cognitiva, sócio-afetiva ou psicomotora, que estimuladas e associadas simultaneamente a saberes teóricos ou experimentais, geram habilidades relativas ao saber fazer 12 .
Pode-se ainda descrever competência como a atitude para desenvolver as atividades profissionais, tendo como principais componentes: a organização e planejamento do trabalho, a inovação e capacidade para resolver atividades não rotineiras, incluindo a capacidade necessária para relacionar-se com pessoas as mais diversas 10,13 .
Outro conceito sobre competência compreende-a como sendo a capacidade de agir com saber e com consciência sobre as conseqüências desse agir 15 . Finalmente, pode-se falar de competência, como a capacidade de atuar de forma eficaz, fundamentada em saberes e conhecimentos, mas sem limitar-se a eles. Assim, pode-se dizer que um sujeito competente é o que julga, avalia, pondera, encontra solução e decide adequadamente qualquer situação, após examiná-la e discuti-la da maneira mais conveniente 14,16 .
Dos conceitos expressos, apreendemos que competência é um processo e não um produto, ou seja, não existe um sujeito completamente competente ou plenamente competente. Tanto as competências, quanto o indivíduo competente não são algo prontos, mas são construídos no dia-a-dia, no decorrer do desenvolvimento profissional, tendo como ponto de partida a formação inicial. Portanto, o competente não é um ser superior, mas é aquele que diante de problemas difíceis, ajuda a encontrar caminhos e soluções sensíveis e criativas que uma pessoa mediana não encontraria.
MÉTODOS
Esta pesquisa foi concebida como tarefa final do I Curso de Ativadores de mudanças na formação profissional em saúde, promovido pelo Ministério da Saúde/ Escola Nacional de Saúde pública-ENSP-FIOCRUZ/Rede Unida.
A amostragem foi do tipo probabilística por conveniência, baseada no critério da acessibilidade. Assim, considerando as características conveniência e acessibilidade, ao invés de ir as unidades de saúde para coletar os dados, optou-se por entrevistar profissionais que estavam cursando a primeira semana de aulas das especializações de Saúde Coletiva e Odontologia do Trabalho no município de Natal-RN, mas que exercem suas atividades no serviço público em diversos municípios do Estado. O grupo de entrevistados não tinha nenhuma formação na área objeto de estudo, estava apenas no inicio dos respectivos cursos de especialização, são todos oriundos de uma formação generalista, o que acreditamos não tenha influenciado suas respostas, uma vez que procuraram essas especialidades tanto para, segundo eles, suprirem lacunas deixadas pela graduação no que se refere a preparação do profissional para o exercício público, quanto por sentirem necessidade de complementar conhecimentos ligados a área. Todos os entrevistados são atuantes na atenção primária do Sistema Único de Saúde (SUS), alguns no Programa Saúde da Família e outros em unidades de saúde tradicionais da rede básica do SUS no Estado do Rio Grande do Norte. Portanto, a amostra foi constituída por 46 cirurgiões-dentistas, 34 do sexo feminino e 12 do sexo masculino, com tempo de formado agrupado em quatro intervalos, de 1 a 5 anos, de 6 a 10 anos, de 11 a 15 anos e com mais de 15 anos de formado.
Quem sabe, noutro momento essa investigação possa ser complementada, usando-se um grupo amostral também atuante no serviço público, mas sem já estarem cursando especialidades afins com o objeto de estudo dessa investigação, para eventuais comparações e eliminação de possíveis influências nos resultados.
Utilizou-se como instrumento de coleta um formulário contendo dois itens: o teste de associação livre de palavras e uma questão geradora aberta. Sobre o teste de associação livre de palavras, é o mais antigo dos testes projetivos utilizados em Psicologia Clínica e ajuda a localizar zonas de bloqueamento de um indivíduo, permitindo que apareçam espontaneamente associações relativas a palavra indutora. O que caracteriza o formulário é o contato face a face entre pesquisador e entrevistado, além das respostas às perguntas, serem preenchidas no momento da entrevista, otimizando a coleta de dados 17.
Toda a investigação foi realizada dentro dos princípios éticos contidos na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Antes da coleta, na fase de recrutamento e seleção, foram explicitados aos sujeitos os objetivos da pesquisa para obtençao do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A partir dos critérios de inclusão (ter um ano ou mais de atuação no serviço público, ter disponibilidade de tempo para responder ao formulário e querer participar) e da obtenção do TCLE, o formulário foi entregue aos sujeitos selecionados para preenchimento, onde no primeiro item (referente ao teste de associação), pedia-se ao indivíduo que escrevesse no espaço apropriado três palavras que ele lembrava, ao ouvir a expressão indutora “saúde coletiva”. Em seguida, ele deveria escolher aquela que sozinha, fosse suficientemente expressiva para representar do ponto de vista dos significados o tema abordado, justificando a sua escolha. É interessante lembrar que antes de se entregar o formulário para resposta, foram feitos alguns ensaios com outras palavras indutoras, para compreensão adequada da utilização do teste. No segundo item foi solicitado aos entrevistados que respondessem a questão geradora sobre “quais as dificuldades ou facilidades na área de saúde coletiva que você encontrou durante o seu exercício profissional”, no sentido de complementar e aprofundar os significados das evocações obtidas no teste de associação aplicado no item anterior.
Quanto a análise dos dados, aqueles pertinentes ao teste de associação, representados na figura 1, foram analisados e comparados entre si a partir de uma análise quantitativa executada pelo software EVOC 2000, tomando-se por base a freqüência (F) e a ordem média de evocação (OME) 19,20. Para tal, as palavras foram organizadas através de um processo de classificação, agrupando-se as palavras idênticas ou similares por aproximação dos sentidos semânticos, com a finalidade de estabelecer as categorias de análise para posterior descrição e compreensão das evocações a partir da Teoria do Núcleo Central 17.
A figura 1 apresenta o eixo das abscissas (x) que corresponde aos valores referentes às ordens médias de evocação (OME) e o eixo das ordenadas (y) aos valores da freqüência. Desse modo, cada evocação corresponde a um ponto no gráfico, que sugere uma correlação positiva entre as variáveis. As evocações que figuram no quadrante superior esquerdo dessa figura são as que mais provavelmente fazem parte do núcleo central. As que estão no quadrante inferior direito pertencem ao sistema periférico, enquanto as demais são consideradas pertencentes ao sistema intermediário. O núcleo central determina a natureza dos laços que unem entre si os elementos da representação e é nesse sentido o elemento unificador e estabilizador da mesma. Ele é determinado, por um lado, pela natureza do objeto representado; por outro lado, pela relação que o sujeito mantém com esse objeto. Em torno do núcleo central, se distribuem os elementos periféricos da representação que, atualizam e contextualizam as determinações normativas do núcleo central. Diferentemente deste, o sistema periférico é flexível e mais sensível ao contexto imediato, sendo nele portanto, que devem se concentrar as estratégias que visem interferir no núcleo das representações de um grupo 17. Por sua vez, as falas obtidas através da pergunta geradora passaram também pelo processo de categorização, cujas categorias foram descritas e interpretadas pela Análise de Conteúdo Temática de Bardin 18 .
A Análise de conteúdo é uma maneira de revelar o que há de significante nas comunicações escritas pelos profissionais, no que diz respeito ao objeto de estudo, nesse caso, a saúde coletiva. Assim, esta técnica enquanto analisa as condições de produção do discurso, efetua inferências sobre as mensagens inventariadas e sistematizadas, articulando o discurso com o contexto de produção. Após a leitura flutuante do material gerado, foram definidas as categorias (facilidades e dificuldades), para posterior descrição, articulação e entendimento das mesmas 18.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A saúde coletiva representa a área do conhecimento que mais apresenta relações de interface com o serviço público de assistência e agrupa saberes os mais diversos. Embora isso seja verdadeiro do ponto de vista teórico, na prática, os profissionais da área da saúde e dentre estes os da odontologia, sentem grande dificuldade de atuação, por terem recebido na maioria das vezes, uma formação acadêmica voltada para a clínica privada, que privilegia as técnicas e está voltada quase que exclusivamente para o nível individual de atuação. Apesar dessas dificuldades, os profissionais entrevistados entenderam a saúde coletiva como uma área plural e atraente, cujos significados estão mostrados no quadro 2 .
Quadro 2
O quadro 2 representa o agrupamento das palavras evocadas no teste de associação livre na seqüência ordenada de aparecimento. A palavra “prevenção” foi a que teve maior freqüência (25), embora não tenha sido a mais evocada na primeira colocação, seguida de “cidadania” (20), “qualidade de vida” (19) e “educação” (16). A partir desse agrupamento e após a análise do EVOC 2000 19,20 encontramos o núcleo central da saúde coletiva, presente no ideário das pessoas entrevistadas, associado ao exercício da cidadania, educação e qualidade de vida, que ancorados na prevenção, representam os fundamentos da saúde coletiva.
As palavras evocadas pelos entrevistados (Quadro 2) para representar a saúde coletiva foram repletas de significados e resumem qualidades que fazem parte do saber, saber-fazer e saber-ser, em cuja essência estão fundamentadas as novas competências curriculares na área da saúde.
Embora as palavras humanização e interdisciplinaridade tenham apresentado as menores freqüências de evocação, é mister destacar a importância de terem sido lembradas, haja vista estarem contempladas no contexto de algumas das novas competências gerais na formação dos profissionais da saúde como atenção à saúde e intersetorialidade respectivamente.
Figura 1
Conforme mostra a figura 1 e baseados na Teoria do Núcleo Central 17 , as três palavras que aparecem no quadrante superior direito (cidadania, educação e qualidade de vida) são os prováveis núcleos centrais das representações sobre saúde coletiva, seguido de compromisso, parceria e PSF como sistema periférico, além de prevenção e planejamento como elementos intermediários.
Considerando que competente é aquele indivíduo que tem a capacidade de agir com consciência e criatividade, mesmo diante de problemas difíceis, o quadro 3 resume as dificuldades e facilidades que os profissionais tiveram no exercício da odontologia no serviço público e ilustra situações que foram enquadradas nessas categorias, as quais, trabalhadas dentro dos conteúdos curriculares do organismo formador poderão ajudar o aluno desde cedo a buscar soluções e aprender a encontrar caminhos, estimulando o pensamento crítico, reflexivo e norteando sua formação.
Como pode se ver no quadro 3, no que se refere a categoria facilidades encontradas, os entrevistados apontam o serviço público como sendo um “campo de trabalho atraente”, na medida em que lhe proporciona uma diversidade de situações, com as quais se aprende na prática, especialmente a agilidade de raciocínio, de autonomia e de execução visto que “atende um grande número de pessoas”, com “simplicidade nas técnicas” e num “horário mais flexível”. Além disso, o serviço público oferece “apoio para educação continuada”, tanto oferecida pelo próprio serviço, quanto pelo profissional, quando possibilita que ele busque seus espaços de crescimento pessoal, o que de certa forma acaba gerando “receptividade pelos profissionais para mudanças”. Por fim, uma das facilidades apontadas com maior freqüência foi a “receptividade dos usuários”, o que denota um clima de trabalho favorável, na medida em que a população valoriza o que recebe. Isso mostra a importância de ainda na graduação o aluno participar de atividades extramuros, cujas situações encontradas estimulem o potencial criador e desde cedo o coloque diante de fatos que exijam o desenvolvimento de competências e habilidades para resolvê-los.
Quadro 3
Quanto a categoria dificuldades encontradas, segundo interpretação ancorada em Bardin 5 (1995), a “falta de compromisso dos gestores” (F=21) foi a mais citada, seguida pelo “despreparo/desinteresse dos profissionais” (F=18) em lidar com situações adversas relacionadas a complexidade e burocracia do serviço público. Outro ponto importante com freqüência 17 foi a “valorização do tratamento curativo pelos usuários e gestores”, mostrando a necessidade de sensibilizá-los para compreender a importância da educação como o grande agente de transformação social e da prevenção como o instrumento que deve ser trabalhado paralelamente ao tratamento curativo, de modo a reduzir as demandas futuras e os custos das atividades desenvolvidas. Interessante ressaltar que a “falta de humanização e visão preventiva dos profissionais” citada em duas evocações vem reiterar o item colocado anteriormente, sinalizando a necessidade de adequação dos temas trabalhados nos conteúdos da graduação.
Sobre a valorização do tratamento curativo e a falta de humanização e visão preventiva dos profissionais, Ceccim 3 (2005) comenta que só haverá mudanças no perfil epidemiológico dos diversos agravos a saúde quando os saberes formais estiverem implicados com movimentos de auto-análise e autogestão das atividades coletivas, uma vez que os atores (profissionais e usuários) dos serviços é quem deve ser os protagonistas das mudanças que a realidade exige.
Outras dificuldades foram citadas no decorrer do processo de categorização, tais como: “estrutura física deficiente” (F=12), “falta de planejamento e continuidade das ações” (F=9), que originam provavelmente problemas de “acesso deficiente ao SUS”, gerando conseqüentemente uma demanda reprimida, mostrando uma “baixa resolutividade”, além da “falta de material educativo”, que corrobora a valorização do tratamento curativo já colocado anteriormente.
A respeito de alguns dos pontos descritos, Feuerwerker 7 (2003), Amoretti 6 (2005), Galassi et al.8 (2006), Garbin et al.1 (2006) afirmam que as profissões de saúde devem ser avaliadas, não pela complexidade da capacidade científica e tecnológica dos seus profissionais, mas pelos padrões de saúde da população que depende dos seus serviços, o que mostra uma estreita relação com a falta de planejamento e continuidade das ações, com a falta de material educativo e com o fato dos profissionais não saberem trabalhar em equipe, o que poderá gerar uma descontinuidade de ações e de conhecimento.
Finalmente, a dificuldade de “trabalhar em equipe” apareceu de forma interessante, considerando-se especialmente que essa modalidade laboral vem cada vez mais se consolidando a partir da estratégia de saúde da família, para a qual os nossos alunos deverão estar preparados, visto que o serviço público é o maior empregador, ainda que a “precarização do trabalho”, citada como mais uma das dificuldades encontradas, possa ser discutida paralelamente em fóruns específicos e oportunos.
CONCLUSÕES
Os resultados mostraram que os profissionais analisados apresentaram algumas dificuldades no seu exercício profissional no setor público, especialmente e de forma mais expressiva ligadas à gestão e planejamento como: falta de compromisso dos gestores, especialmente em dar continuidade as ações de saúde, o seu próprio desinteresse e/ou despreparo em lidar com a burocracia presente nos serviços e com situações adversas relativas aos mesmos, atividades descoordenadas e sem continuidade, executadas de forma aleatória, o trabalho em equipe, dentre outras. Percebeu-se que o nível de dificuldades encontrado independeu do tempo de formado e a variável sexo também não interferiu na forma de lidar e superar essas dificuldades.
O que é comum a todos, independente do cruzamento de qualquer variável é que o excesso de tecnologias que surge a todo momento na odontologia, se contrapõe ao acesso precário do usuário aos serviços de saúde, aliado ao despreparo do profissional no enfrentamento dos problemas de gestão, recursos, alta demanda, baixa tecnologia, tão comuns no serviço público.
Sabe-se que a mudança na formação é necessária mas também, por si só não é tudo. Ela deverá ser incorporada como política e se instalar nas várias dimensões do ensino, dos serviços, no entendimento dos gestores sobre a instituição pública, na forma de ensinar dos docentes, no interesse dos alunos em aprender. Enfim, todos os segmentos envolvidos deverão discutir coisas comuns, pois para que as reformas curriculares aconteçam é preciso existir um elemento de identidade, um mesmo foco que una as pessoas. Uma das questões fundamentais a considerar é como educar os educadores, tutores e preceptores, para que isso se reverta às necessidades e demandas sociais da área da saúde. Outro ponto importante é capacitar os gestores para um entendimento amplo do setor público, cujos interesses devem estar voltados para o usuário.
Assim, como traços do perfil profissional da área da saúde, incluindo o da odontologia, que o mercado de trabalho hoje exige podemos citar:
• Desenvolver uma visão crítica e reflexiva sobre sua profissão e suas práticas;
• Se apropriar de saberes das ciências humanas e sociais capazes de favorecer essa criticidade e reflexividade;
• Manter e renovar permanentemente os saberes técnicos, somando a eles outros conhecimentos como a epidemiologia, técnicas de abordagens de grupos, práticas interdisciplinares e multiprofissionais;
• Ampliar os domínios da saúde coletiva, gestão de saúde e planejamento segundo as diretrizes do SUS;
• Incorporar conhecimentos de educação e promoção de saúde, de técnicas pedagógicas, de modo que, a atenção à saúde seja favorecida.
Finalmente, a partir das propostas de mudança na formação profissional em saúde, orientadas pelas novas diretrizes curriculares, espera-se formar profissionais críticos, aptos a desenvolver ações de promoção, prevenção, proteção e reabilitação da saúde, capazes de trabalhar em equipe e de levar em conta a realidade epidemiológica e social para, embasados nesses princípios, prestar uma atenção à saúde mais humana e de qualidade. Portanto, quanto mais cedo os cursos de odontologia aderirem às novas diretrizes na formação acadêmica, mais provavelmente, os profissionais formados a partir delas estarão capacitados do ponto de vista de competências e habilidades para lidar com dificuldades surgidas e assim contribuir para um Sistema Único de Saúde pleno e resolutivo.
Autoras
ICC Costa concebeu, delineou, realizou a pesquisa e redigiu o artigo.
MNT Araújo analisou a metodologia e auxiliou a redação final.
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Costa, I.C.C.. DEFINITION OF ABILITIES PROFILE IN PUBLIC HEALTH BASED ON EXPERIENCE OF DENTISTS OF PUBLIC SERVICE. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2008/Mar). [Citado em 08/12/2025]. Está disponível em: http://www.cienciaesaudecoletiva.com.br/en/articles/definition-of-abilities-profile-in-public-health-based-on-experience-of-dentists-of-public-service/1912?id=1912



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