0395/2025 - Assessment of institutional capacities for SUS resilience based on the Building Blocks defined by the World Health Organization
Avaliação das capacidades institucionais para resiliência do SUS a partir dos Blocos de Construção definidos pela Organização Mundial de Saúde
Author:
• Alessandro Jatobá - Jatobá, A - <alessandro.jatoba@fiocruz.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-7059-6546
Co-author(s):
• Paula de Castro Nunes - Nunes, PC - <paula.nunes@fiocruz.br>ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9117-9805
• Paloma Palmieri - Palmieri, P - <paloma.palmieri@fiocruz.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3376-2215
• Omara Machado - Machado, O - <omara.machado@fiocruz.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8264-0196
• Patricia Simões - Simões, P - <patricia.simoes@fiocruz.br>
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8206-5398
• Paulo Victor Rodrigues de Carvalho - Carvalho, PVR - <paulo.rodrigues@fiocruz.br >
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9276-8193
Abstract:
This study proposes a new version of the Coefficient of Resilience in Health (CoReS) to assess the resilience potential of public health systems in Brazil. An ecological study was conducted using data from the Unified Health System (SUS) between 2010 and 2022. The indicators analyzed were from the WHO Building Blocks, whose dimensions are leadership and governance, workforce, information systems, medical products and technologies, service delivery, and financing. The normalization of the data and the application of an average coefficient allowed a comparative assessment between the Brazilian capitals. The results show a significant heterogeneity in the resilience capacities of the capitals. São Paulo had the highest CoReS (0.78), while Macapá had the lowest (0.25). The governance and information systems dimensions showed robust performance, while medicines and human resources had the worst indices, below 0.25, highlighting the need for intervention in these areas. CoReS is a promising tool for assessing and improving the resilience of health systems. The data suggests that targeted interventions are urgently needed, especially in the weakest dimensions, and that innovative approaches can contribute to more effective and equitable public health decisions that make the SUS more resilient.Keywords:
Health System Resilience; Health Evaluation; Indicators (Statistics); Public Health SystemsContent:
A saúde e a qualidade de vida das pessoas em todo o mundo continuam a ser desafiados por diversos tipos de ameaças e choques sistêmicos, acelerados e interconectados com frequência cada maior. De emergências de saúde pública a crises humanitárias, dos efeitos das mudanças climáticas à crescente carga de doenças não transmissíveis e maior incidência e recrudescimento de doenças transmissíveis, os sistemas de saúde precisam enfrentar crises cada vez maiores e mais complexas.
Agora, mais do que nunca, os sistemas de saúde devem ter a resiliência como um norte, pois em meio a crises, ainda precisam lidar com o aumento da complexidade na oferta de serviços de rotina em um cenário de alta demanda tecnológica no cuidado de doenças crônicas não transmissíveis, acirramento das desigualdades sociais, conflitos armados, migrações, restrições financeiras ou disputas políticas.
A resiliência dos sistemas de saúde é definida como a capacidade das instituições e dos atores de saúde de se preparar, se recuperar e absorver choques, mantendo as funções essenciais e atendendo às necessidades de cuidados contínuos e agudos de suas comunidades1-4. Ela tem sido frequentemente invocada durante e após as crises, imediatamente ligadas ao choque em questão.
No entanto, ao considerar apenas a resiliência durante e após as crises identificadas, perdemos oportunidades de conceituar, monitorar e avaliar de forma mais holística o amplo espectro de estresses agudos e crônicos que afetam diferentes partes do sistema de saúde, bem como o sistema como um todo5.
Reformulando a ideia de uma resiliência acionada apenas por crises para uma resiliência alinhada com o que acontece no dia a dia dos sistemas e serviços de saúde, a pesquisa, a prática e a implementação dos sistemas de saúde podem fortalecer também a capacidade de prevenir, absorver, responder e reconstruir também após os choques6, 7.
A Organização Mundial da Saúde sugere que a capacidade institucional de sistemas resilientes depende do fortalecimento de seis dimensões estruturais: liderança e governança; força de trabalho em saúde; sistema de informação em saúde; produtos e tecnologias médicas essenciais; oferta de serviços; e financiamento. Esse arcabouço conceitual, intitulado de “Blocos de Construção” qualifica as entradas e saídas de funções essenciais de saúde pública responsáveis por garantir o funcionamento dos programas e serviços. Operacionalizar a resiliência é desafiador, pois dispor de capacidade estruturais para lidar com choques agudos ou crônicos é condição se não suficiente, mas necessária para ter sistemas de saúde cada vez mais resilientes.
Este artigo, apresenta uma nova versão do Coeficiente de Resiliência em Saúde (CoReS), que foi anteriormente utilizado para avaliar as respostas de capitais brasileiras a COVID-198. Nesta nova versão, em vez de analisar resposta a um evento, propomos um método que utiliza indicadores do SUS para avaliar o potencial de resiliência dos sistemas de saúde públicos baseado nas dimensões resilientes dos blocos de construção propostas pela OMS.
Métodos
1.1 Desenho de Pesquisa
Trata-se de um estudo ecológico, de natureza quantitativa que tem como fontes de informação os dados dos indicadores de saúde que existentes no barramento do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) do Ministério da Saúde (MS), entre os anos de 2010 e 2022, contando com informações de todo território brasileiro. Para o desenvolvimento do método do cálculo do CoReS, inicialmente buscou-se os indicadores do SUS que se relacionam aos blocos de construção da OMS9.
Os blocos de construção da OMS para sistemas de saúde resilientes foram propostos formalmente em 2010 com o objetivo de orientar os Estados-membros a enfrentar de forma sistemática e efetiva os crescentes desafios colocados pela variabilidade e mudança climática9. Foram definidos seis eixos principais – ou “blocos de construção”, por meio dos quais os sistemas de saúde podem ser organizados para um desempenho mais resiliente.
Os seis blocos de construção – liderança e governança; força de trabalho em saúde; sistema de informação em saúde; produtos e tecnologias médicas essenciais; prestação de serviços; e financiamento – são importantes pontos de partida para a construção da resiliência geral do sistema de saúde e o fortalecimento das suas capacidades existentes. A figura 1 apresenta uma instanciação dos blocos de construção para o SUS.
Fig.1
A partir desses indicadores foram calculados o CoReS para as capitais e sua variação (volatilidade) ao longo do tempo. O estudo foi elaborado de acordo com as recomendações das diretrizes da EQUATOR Network e o checklist Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology ((STROBE)10.
1.2 Fontes de Informação e Base de Dados
A partir da figura 1 buscou-se os indicadores que constam no barramento do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) do Ministério da Saúde, tais como apresentados na tabela 1.
Tab.1
Além das indicadores da tabela 1, as informações que subsidiaram o cálculo do CoReS relativas ao desenvolvimento humano da capital, por meio do IDH-M (Índice de Desenvolvimento Humano – Municipal), foram obtidas pelo Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e o quantitativo populacional das capitais por ano foi obtido das Estimativas Populacionais elaboradas para o Tribunal de Contas da União (TCU) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios contínua (PNADc), todos os indicadores se tratando de informações de todo território nacional de acesso livre e universal.
1.3 Organização dos dados
Todos os indicadores selecionados para compor a base de dados passaram por críticas e análise dos valores coletados bem como dos valores ausentes, visando a qualidade dos indicadores individuais. Após a elaboração da base de dados, foi implementada uma rotina em software estatístico R Studio, versão 2024.04.1, para o preparo e manipulação dos indicadores.
Como os indicadores apresentam unidades de medidas ou variações de escala distintas entre si, procedeu-se a normalização de todos os indicadores da base, de forma que o maior valor do indicador seja 1 e o menor 0, possibilitando que todas as medidas fossem analisadas sob a mesma escala de medida, sendo preservadas as respectivas variabilidades.
A normalização se deu por meio da fórmula:
Fórmula
Na sequência, procedeu-se a análise da polaridade de todos, na qual quanto maior o seu valor, maior o nível da dimensão analisada. Das variáveis e as suas respectivas polaridades verificou-se a necessidade de inversão de polaridade de cinco indicadores utilizados, a saber: internações por causas sensíveis à APS, mortalidade materna, mortalidade a cada 100 internações por HIV, mortalidade a cada 100 atendimentos ambulatoriais de tuberculose e mortalidade a cada 100 internações por malária. Quanto aos indicadores identificados com a polaridade inversa com o efeito do indicador na respectiva dimensão dos blocos de construção, procedeu-se uma transformação matemática de inversão da polaridade, por meio da expressão: Xinvertido = máximo + mínimo - Xi. Dessa forma, fica garantido que todos os indicadores da base apresentam a mesma direção de quanto maior o seu valor, melhor o nível de atendimento da dimensão dos blocos de construção na capital analisada.
1.4 Procedimentos de análise de dados
O CoReS foi obtido por meio da média simples com peso uniforme dos 14 indicadores que remetem às 6 dimensões dos Blocos de Construção da OMS, conforme a fórmula:
Fórmula
Posteriormente ao seu cálculo, foram elaboradas rotinas de visualização dos resultados no software R de evolução temporal e de distribuição do CoReS global e das suas respectivas dimensões.
3. Resultados
Ao analisar o ano de 2022, conforme a figura 2, observa-se um CoReS médio nacional de 0,41, no qual aproximadamente 67% das capitais brasileiras apresentaram capacidade resiliente do sistema de saúde público inferior à média nacional, isto significa que, apenas nove capitais apresentaram CoReS acima da média nacional, a saber: São Paulo (0,78), Rio de Janeiro (0,53), Curitiba (0,46), Belo Horizonte (0,45), Porto Alegre e Vitória (0,45), Recife (0,44), Salvador (0,43) e Fortaleza (0,42), respectivamente.
Fig.2
A figura 3 ilustra a distribuição do CoReS em todo o período analisado em cada uma das capitais brasileiras. Observa-se distribuições dispersas, assimétricas (não-normais) e com mais de um pico modal, evidenciando diferenças significativas entre os indicadores das funções essenciais de saúde dentro das capitais no período. São Luís, Porto Velho, Palmas, Natal, Manaus, Maceió, Goiânia e Boa Vista apresentam o coeficiente mais próximo de uma distribuição normal, enquanto Teresina, João Pessoa, Fortaleza, Florianópolis e Brasília apresentam distribuições assimétricas e Vitoria, São Paulo, Salvador, Porto Alegre, Macapá e Curitiba apresentam distribuições dispersas, desiguais e com a presença de outliers indicando muita variabilidade e diferenças internas da capital e entre as dimensões de resiliência. É importante notar que essa variabilidade pode indicar problemas no controle e na governança dos sistemas de saúde, o que pode prejudicar um desempenho mais resiliente quando requerido (11).
Fig. 3
Figura 3 – Distribuição do CoReS em todo o período segundo as capitais brasileiras. (2010- 2022)
Fonte: Elaboração dos autores.
A figura 4 apresenta a evolução temporal do CoReS obtido para cada uma das vinte e sete capitais brasileiras, onde podem ser observados fatores característicos da volatilidade do indicador, da evolução ao longo do período e da tendência, seja de crescimento ou de declínio da capacidade de resiliência de cada capital. Macapá, última capital no ranking do CoReS médio estimado, iniciou o período estudado com um CoReS aproximado de 0,33 (2010), mas seguiu com uma tendência decrescente e com alta volatilidade do indicador, chegando no ano de 2022 com um coeficiente estimado de resiliência de 0,24. Comportamentos semelhantes de alta volatilidade pode ser observados nas capitais Boa Vista, Natal, Brasília, Campo Grande e Palmas. Apesar de dezoito capitais brasileiras terem apresentado CoReS abaixo da média nacional, pode ser observada uma tendência de crescimento da capacidade de resiliências em diversas capitais, a saber: Belém, Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba, Florianópolis, Porto Velho, Recife, Salvador, Teresina, Vitória e São Paulo.
As variações ou a volatilidade acentuada do CoReS nas diversas capitais. indicam que o controle sobre as dimensões dos blocos de construção da OMS não é adequado. Capacidades básicas para a resiliência dos sistemas de saúde requerem que os níveis de atendimento dos indicadores se mantenham estáveis e adequados ao longo do tempo, mesmo em situações de normalidade (citar artigo RSP), de modo a propiciar condições adequadas para um desempenho mais resiliente em momentos de choques e crises.
Fig.4
A figura 5 ilustra a desagregação do CoReS estimado para as 6 dimensões dos blocos de construção da OMS, onde podem ser analisadas cada dimensão separadamente, permitindo se avaliar a distribuição das dimensões em todo o período analisado.
Enquanto as dimensões de Governança e Sistemas de Informação demonstram uma performance robusta, com índices superiores a 0,75. A dimensão Sistemas de Informação consegue bom desempenho por traduzir o Sistema de Informações ambulatoriais do SUS, aprovando quase na totalidade dos procedimentos realizados. As demais dimensões se apresentam assimétricas e enviesadas para os valores menores do CoReS. As dimensões de Medicamentos e Força de Trabalho apresentam os piores desempenhos, com valores abaixo de 0,25 e o financiamento, além do baixo valor do coeficiente, mostra a maior dispersão.
A dispersão do financiamento, indicando variações que não deveriam ocorrer num sistema público que opera a partir de limites constitucionais de recursos, os problemas na prestação de serviços (que podem até envolver subnotificação), da força de trabalho e disponibilidade de medicamentos, ilustram áreas da saúde prioritárias que requerem ações estratégicas para melhoria da capacidade resiliente do sistema. A discrepância entre os bons níveis de governança e sistemas de informação e os baixos níveis de dimensões como financiamento, prestação de serviços, medicamentos e força de trabalho indicam que questões relacionadas ao financiamento e recursos dificultam a implementação efetiva das ações eventualmente identificadas e propostas pela gestão para melhoria do sistema.
Fig.5
Figura 5 – Distribuição do CoReS para todo o período analisado segundo as dimensões. (2010- 2022)
Fonte: Elaboração dos autores.
4. Discussão
A resiliência em saúde pública representa o grau com que um sistema continuamente impede, detecta, atenua o dano ou reduz a chance de incidentes (6, 12). É importante notar que o desempenho resiliente depende da articulação destas dimensões entre si e com demais fatores, como aspectos políticos, estratégias proativas e integradas de saúde pública e do funcionamento dos serviços que permitam o funcionamento adequado e melhoria do desempenho das FESP13, 14.
A análise do CoReS no Brasil, apresentada para o ano de 2022, revela indicativos importantes sobre a capacidade de resposta dos sistemas de saúde públicos das capitais brasileiras. No Brasil, a avaliação do CoReS das capitais em 2022 ilustra um cenário de profundas desigualdades, tanto entre as regiões quanto dentro das próprias capitais, refletindo questões estruturais e contextuais que afetam diretamente a qualidade dos serviços de saúde.
Os dados evidenciam uma discrepância significativa entre as capitais das regiões Sudeste e Sul, que apresentam os maiores índices de resiliência, e as capitais das regiões Norte e Nordeste, que ficam na base da classificação. São Paulo, com um CoReS de 0,78, lidera o ranking nacional, seguida de outras capitais do Sul e Sudeste como Rio de Janeiro (0,53), Curitiba (0,46) e Porto Alegre (0,45). Por outro lado, Macapá, com um CoReS de 0,24, representa o extremo oposto, sendo a capital com menor capacidade resiliente. Essa desigualdade reflete as diferenças históricas no acesso a recursos, infraestrutura e governança, que são componentes cruciais para um sistema de saúde eficaz.
As regiões mais ricas do Brasil, como o Sudeste, possuem maior concentração de hospitais, equipamentos, profissionais de saúde e disponibilidade tecnológica, o que possibilita uma resposta mais robusta e organizada à demanda do cotidiano. Com isso, sua capacidade frente a crises episódicas é também fortalecida, aumentando o potencial para um desempenho resiliente.
São Paulo, por exemplo, destacou-se durante a pandemia de COVID-19 pela rápida mobilização de leitos, a capacidade de testagem em massa, de produção rápida de vacinas e o acesso relativamente facilitado a medicamentos. Em contraste, regiões como o Norte, especialmente em estados com baixa densidade populacional e grandes dificuldades de recursos e logísticas, têm suas capacidades resilientes severamente limitadas. A falta de infraestrutura básica e sua articulação, como redes de transporte eficientes e a escassez de profissionais de saúde, contribuem para a fragilidade dos sistemas de saúde nessas regiões, o que se reflete nos baixos índices do CoReS. O caso da falta de oxigênio em Manaus na segunda da COVID-19 ilustrou a importância da logística - um dos pilares para a articulação de capacidades durante crises - para um desempenho resiliente15.
Outro aspecto importante que emerge dos dados é a volatilidade do CoReS ao longo do tempo. Mesmo entre capitais que apresentam melhores índices médios do CoReS, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Curitiba, há uma grande variabilidade interna nos indicadores ao longo do período analisado (2010-2022). Essa volatilidade indica que a própria estrutura do sistema de saúde pública brasileiro varia ao longo do tempo e é sensível a mudanças externas, como crises econômicas e políticas, o que pode impactar diretamente a estabilidade e a continuidade dos serviços.
Capitais como Macapá, que iniciou o período com um CoReS de 0,33 em 2010 e terminou com apenas 0,24 em 2022 e apresentam um padrão decrescente, evidencia a fragilidade crescente desses sistemas. O que também pode ser observado em Boa Vista, Natal, Brasília, Campo Grande e Palmas, que demonstram alta volatilidade nos seus indicadores e indica um problema estrutural profundo. As distribuições não normais observadas nas capitais, com vários picos modais, sugerem que as desigualdades internas também são significativas. Ou seja, mesmo dentro de uma mesma capital, há grandes variações na capacidade de resiliência entre os diferentes bairros ou regiões, o que reflete uma disparidade socioeconômica ainda mais complexa.
Tal instabilidade pode ser atribuída à falta de continuidade nas políticas públicas de saúde, que muitas vezes são interrompidas ou modificadas conforme a troca de governos. Além disso, o subfinanciamento crônico do sistema de saúde em algumas regiões, aliado a problemas de gestão e governança, impedem que o sistema se consolide de maneira robusta e equitativa. A ausência de um planejamento a longo prazo e de mecanismos de monitoramento contínuo agrava ainda mais essa situação.
Ao desagregar o CoReS nas seis dimensões dos blocos de construção da OMS observa-se um desempenho desigual entre as dimensões. Enquanto governança e sistemas de informação mostram uma performance robusta, com coeficientes superiores a 0,75, as dimensões de força de trabalho, medicamentos e prestação de serviços apresentam os piores desempenhos, com valores inferiores a 0,25.
A governança, que inclui a capacidade de formular políticas de saúde e monitorar a sua implementação, tem sido fortalecida em algumas capitais graças à maior transparência e controle social sobre os gastos públicos. O sistema de informações do SUS, responsável por registrar e gerenciar dados de saúde, também se mostrou um ponto forte, especialmente durante a pandemia, quando foi crucial para o acompanhamento de casos e a alocação de recursos 15, 16. A criação do Consórcio Nordeste para suprir a falta de informações do governo federal ilustra que mesmo aqueles locais com menos recursos tiveram condições de formular políticas e monitorar a crise17.
Por outro lado, a força de trabalho é uma das maiores fragilidades do sistema de saúde público brasileiro. A escassez de profissionais qualificados, especialmente em áreas remotas, e a baixa remuneração em alguns estados contribuem para os baixos níveis nessa dimensão. A logística de medicamentos, que inclui tanto a produção quanto a distribuição eficiente, também é uma área crítica, muitas vezes marcada por atrasos e desabastecimentos, especialmente em crises de saúde pública.
Os resultados do artigo sobre o Coeficiente de Resiliência dos Sistemas de Saúde (CoReS) brasileiro adicionam uma perspectiva nacional e contextualizada que complementa outros modelos avaliativos das capacidades de sistemas de saudações como o Global Health Security Index (GHSI), principalmente no âmbito regional. Enquanto o GHSI oferece uma avaliação ampla, comparativa e internacional, o CoReS permite instanciação para abordar aspectos específicos que não são capturados em índices globais.
O GHSI avalia a segurança da saúde global e mede a capacidade de cada país para prevenir, detectar e responder a ameaças de saúde pública. Ele se baseia em seis categorias principais: prevenção, detecção, resposta, sistema de saúde, normas internacionais e risco ambiental. Embora o GHSI ofereça uma visão geral sobre a prontidão e capacidade de resposta dos países em termos de segurança sanitária global, ele não aprofunda as especificidades internas de cada nação.
O CoReS, por outro lado, é uma análise mais específica, permitindo uma visão detalhada das desigualdades internas no sistema de saúde. O índice evidencia disparidades regionais e intrarregionais que não são detectadas pelo GHSI. Por exemplo, o desempenho excepcional de São Paulo (0,78) e o fraco desempenho de Macapá (0,24) demonstram que dentro de um mesmo país há realidades distintas, algo que o GHSI, com seu foco nacional, não consegue evidenciar de maneira tão granular.
Enquanto o GHSI mede a capacidade de um país de maneira estática, o CoReS incorpora a evolução temporal e a volatilidade dos sistemas de saúde ao longo do tempo. O artigo revela que muitas capitais brasileiras, como Macapá, Boa Vista, Natal e Brasília, apresentam uma alta volatilidade na capacidade de resposta ao longo do tempo, o que sugere problemas estruturais crônicos que enfraquecem a resiliência do sistema de saúde. O GHSI, por ser uma avaliação pontual, não captura essas mudanças dinâmicas e variações sazonais no desempenho dos sistemas de saúde.
A desigualdade interna revelada pelo CoReS também é um dado que o GHSI não aprofunda. O índice global geralmente reflete a média nacional e avalia o país como uma unidade, não levando em consideração disparidades subnacionais. A análise do CoReS destaca que, enquanto algumas capitais estão bem equipadas e preparadas, outras apresentam grandes desafios estruturais, como falta de infraestrutura, recursos humanos e medicamentos. Essas disparidades subnacionaissão cruciais para entender as limitações na implementação de políticas públicas de saúde em um país de grandes dimensões como o Brasil.
O GHSI avalia o sistema de saúde de um país amplamente, mas não desagrega as capacidades de saúde de maneira tão específica quanto o CoReS. Essa análise detalhada por dimensões, que revela áreas prioritárias de intervenção dentro do sistema de saúde, é algo que o GHSI não cobre em profundidade. Já o CoReS vai além ao mostrar quais partes do sistema de saúde são mais vulneráveis e precisam de intervenção imediata. Por exemplo, o fraco desempenho das dimensões medicamentos e força de trabalho evidencia problemas na logística de suprimentos e na distribuição de profissionais, o que compromete a capacidade de resposta rápida a emergências, algo que o GHSI poderia não captar com a mesma precisão. Embora o GHSI inclua fatores como risco ambiental e normas internacionais de saúde, ele não consegue capturar o impacto das desigualdades socioeconômicas internas de um país, como observado no Brasil. Além disso, o CoReS sugere que fatores contextuais, como acesso a recursos, infraestrutura e capacidade de governança local, desempenham um papel fundamental na resiliência dos sistemas de saúde.
Conclusão
Os dados do CoReS indicam que, embora algumas capitais tenham melhorado sua capacidade de resiliência ao longo do tempo, as desigualdades regionais e internas continuam a ser um desafio significativo. A concentração de recursos nas regiões mais ricas, somada à instabilidade política e econômica, prejudica a construção de um sistema de saúde verdadeiramente equitativo e resiliente em todo o país.
Para enfrentar esses desafios, é necessário fortalecer o pacto federativo nacional que garante a regionalização do sistema de saúde, para que as capitais do Norte e Nordeste recebam investimentos adequados em infraestrutura e recursos humanos em saúde. Melhorar a gestão dos recursos e a governança dos sistemas de saúde, especialmente nas capitais que apresentam alta volatilidade, por meio da implementação de políticas públicas mais estáveis e de longo prazo, é ação essencial para garantir a sustentação de níveis adequados de serviço das FESP. Focar em áreas críticas, como medicamentos e força de trabalho, com políticas que garantam a formação e retenção de profissionais de saúde, bem como a melhoria da logística de suprimentos, também se mostra essencial no cenário demonstrado pelo CoReS.
Por fim, a redução das desigualdades no sistema de saúde público brasileiro requer um compromisso político contínuo e uma gestão eficaz, além de um planejamento estratégico que leve em consideração as especificidades regionais e as necessidades da população, para que o sistema possa responder de maneira equitativa e eficiente a crises futuras e ao cotidiano dos serviços de saúde.
A criação do Coeficiente de Resiliência em Saúde (CORES) é um passo significativo para a avaliação da performance e a melhoria da resiliência dos sistemas de saúde no Brasil e de demais países que possuam sistemas de saúde públicos e universais. Os resultados evidenciam a necessidade urgente de intervenções focadas, especialmente nas dimensões mais frágeis, e ressaltam a importância de abordagens analíticas inovadoras, para guiar políticas de saúde pública mais eficazes e equitativas e subsidiar a tomada de decisão em saúde.
Contribuições dos autores
Alessandro Jatobá idealizou e coordenou o projeto de pesquisa, foi responsável pela obtenção de recursos junto a agências de fomento, trabalhou na escrita geral e revisão da versão final do artigo. Paula de Castro-Nunes co-coordenou o projeto, coordenou a coleta e análise de dados e trabalhou na escrita e revisão do artigo até a presente versão. Paulo Victor Rodrigues de Carvalho co-coordenou o projeto de pesquisa, foi responsável pela discussão dos resultados e revisão da versão final. Paloma Palmieri foi a estatística-líder, responsável pela análise de dados, modelagem e elaboração das visualizações apresentadas no estudo. Patrícia Passos Simões e Omara Oliveira foram responsáveis pela coleta de dados e discussão dos resultados. Raquel Leal foi responsável pela elaboração dos quadros apresentados neste artigo
Agradecimentos
A ser incluído após aceitação.
Financiamento
O presente estudo foi financiado pelo Programa Inova Fiocruz, Edital Ideias Inovadoras segunda rodada, processo 1366515559697323; e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), processo 401278/2022-0.
Alessandro Jatobá é parcialmente financiado pelo CNPq, processos 307029/2021-2 e 405469/2023-3 e pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do rio de Janeiro (FAPERJ), processos E-26/210.728/2023 e E-26/201.252/2022.
Paulo Victor Rodrigues de Carvalho é parcialmente financiado pelo CNPq, processo: 304770/2020-5 e pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do rio de Janeiro (FAPERJ), processo E-26/203.934/2024.
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