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0158/2006 - Determinantes biológicos e ambientais no desenvolvimento neuropsicomotor em uma amostra de crianças de Canoas/RS
Environmental and biological determinants of neuropsychomotor development in a sample of Children In Canoas/RS.

Autor:

• Elsa Maria Luz Pilz - Elsa Maria Luz Pilz - Guaíba, RS - Universidade Luterana do Brasil - <epilz@terra.com.br>


Área Temática:

Não Categorizado

Resumo:

RESUMO
O objetivo desse estudo foi verificar a prevalência de suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e possíveis associações com fatores ambientais e biológicos, bem como com a competência materna, em uma amostra de crianças de até 6 anos de idade residentes no município de Canoas/RS. Foi aplicado um questionário às mães, contendo perguntas sobre fatores socioeconômicos, fatores reprodutivos, condições da criança ao nascer, patologia da criança, estrutura familiar, atenção à criança e componentes da competência materna. A suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor das crianças foi avaliado através do teste de Denver II. Foram visitados quarenta clusters pelo processo de amostragem probablilística por cluster na cidade de Canoas/RS. O delineamento do estudo foi analítico transversal. Os resultados mostram uma prevalência de suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor de 27% (n=53) das 197 crianças avaliadas. A análise multivariada mostrou que os fatores associados à suspeita de atraso no desenvolvimento foram: baixa renda familiar (OR=9,3), gestação materna com intervalo interpartal menor do que 18 meses (OR=3,9) e mães que não recebem o apoio dos pais da criança (OR= 7,0). Estes resultados afirmam a importância da implementação de programas de geração de renda, educação em saúde e planejamento familiar para a prevenção de atraso no desenvolvimento infantil.
Palavras-chave: fatores ambientais, fatores biológicos, competência materna, desenvolvimento infantil.

Abstract:

The present study intended to determine the prevalence of children with suspect of neuropsychomotor development disorders and possible associations between environmental and biological factors, as well with maternal competence, in a sample of children up to six years old living in the city of Canoas/RS. A questionnaire was applied to the children’s mothers containing questions over socioeconomic factors, reproductive factors, child´s conditions at birth, child´s pathology, familial structure, child care and components of maternal competence. The neuropsychomotor development was evaluated by the Denver II test. Forty cluster were visited following the clusters probabilistic process in the city of Canoas/RS. The design of the study was analytical cross-sectional. The results show a prevalence of suspected neuropsychomotor development disorders of 27% (n=53) of the 197 children evaluated by this study. The multivariate analysis showed that factors associated with suspected development disorders were: low income (OR = 9,3), mothers who had pregnancies with interval between births shorter than 18 months (OR=3,9) and mothers who do not receive support from the child´s father (OR=7,0). These results support the importance of implementing income-generating programs, health education, and family planning to precaution the child development disorders.
Keywords: environment factors, biological factors, maternal competence, child development

Conteúdo:

INTRODUÇÃO

As crianças que vivem em países em desenvolvimento estão expostas a múltiplos riscos, entre os quais o de apresentarem uma alta prevalência de doenças, o de nascerem de gestações desfavoráveis e/ou incompletas e o de viverem em condições socioeconômicas adversas. Tal cadeia de eventos negativos faz com que essas crianças tenham maior chance de apresentar atrasos em seu potencial de crescimento e desenvolvimento (Victora et al., 1989; Escalona, 1982). Estudos demonstram que as formas pelas quais se manifesta a dificuldade quanto ao desenvolvimento infantil podem estar relacionadas a fatores biológicos, genéticos, psicológicos e ambientais, geralmente envolvendo interações complexas entre eles (Halpern & Figueiras, 2004). Por essa razão, o impacto de fatores biológicos, psicossociais (individuais e familiares) e ambientais, no desenvolvimento infantil tem sido objeto de inúmeros estudos nas últimas décadas (Rutter, 1989; Garbarino, 1990).
Historicamente, os estudos sobre desenvolvimento têm colocado as características biológicas da população infantil como determinante principal dos atrasos intelectuais da criança. Tais idéias podem ser verdadeiras para crianças gravemente comprometidas (Whitaker et al., 1996; Koller et al., 1997), porém, não para a maioria das crianças que apresentam um atraso moderado ou leve no seu desenvolvimento (Escalona, 1982). Um único evento, exceto se resultar em dano orgânico irreversível, não é preditivo de desfecho de desenvolvimento. A identificação de uma criança de risco pode ocorrer pela natureza do ambiente no qual ela nasceu, ou por sua condição orgânica ou por ambos os fatores (Horowitz, 1987).
Um problema biológico pode ser agravado por um ambiente não-estimulador, mas, por outro lado, pode também ser reduzido por um ambiente de apoio. Os múltiplos fatores envolvidos na determinação dos problemas de desenvolvimento e comportamento infantis são mais dependentes da quantidade do que da natureza dos fatores de risco, visto que diferentes fatores de risco produzem resultados semelhantes (Rae-Grant et al., 1989).
A pobreza, por exemplo, é considerada um tipo de ameaça constante, que aumenta a vulnerabilidade da criança, pois pode causar subnutrição, privação social e desvantagem educacional (Zimmerman & Arunkumar, 1994). Pesquisadores ressaltam que crescer na pobreza consiste uma ameaça ao bem estar da criança e numa limitação de suas oportunidades de desenvolvimento. A miséria econômica é um fator de risco que em determinadas situações não vem desacompanhado, ela permeia a relação conjugal, contribuindo para o aumento da incidência de conflitos entre os pais e produzindo um efeito direto no relacionamento desses com a criança. Desta forma, ocasiona o que alguns autores denominam como miséria afetiva (Hutz et al., 1996).
Na maioria dos estudos conduzidos nas áreas do desenvolvimento infantil e de relações sociais, a interação entre mãe e criança tem sido considerada um recorte importante para o estudo da organização comportamental e competências do bebê, adquiridas no contexto desta relação. Desde a concepção, mães e bebês participam de um sistema muito complexo de relações, o qual emerge, se organiza e se modifica através do curso da evolução e de eventos culturais interpostos ao desenvolvimento subsequente de ambos. A qualidade da interação inicial é considerada um importante fator mediador entre os eventos peri-natais e o seu posterior desenvolvimento, particularmente no que se referem à comunicação, socialização e cognição (Zamberlan, 2002).
Diversas teorias psicológicas incluem em seus pressupostos que a natureza das experiências com os cuidadores durante a infância exerce influência no desenvolvimento cognitivo, emocional e social da criança (Bowlby, 1989; Brazelton, 1988; Klaus & Kennell, 2000). Uma vez que em nossa sociedade, em geral, é a mãe a principal cuidadora do(a) filho(a), uma mãe competente pode ser uma fonte rica em estímulos, podendo desencadear respostas adequadas da criança (Bowlby, 1988; Stern, 1997).
No presente estudo, a competência materna é considerada um construto composto por quatro componentes (rede de apoio, satisfação marital, saúde materna e característica da criança), que interligados, tornam-se um exemplo claro da complexa interação de fatores ambientais e biológicos na determinação do desenvolvimento infantil.
Tarkka (2003), em um estudo sobre os determinantes da competência materna em mães primíparas, utilizou um questionário estruturado que foi aplicado em 248 mães. Realizada análise multivariada, a autora elaborou um modelo com determinantes para o estudo da competência materna, dos quais os mais importantes foram a saúde mental da mãe, o sentimento de sucesso nos cuidados com a criança e o temperamento da criança. A autora concluiu que a competência materna é fortemente influenciada pelo contexto familiar e cultural da mãe, pelas características da criança e da mãe, bem como, pelo suporte social recebido pela mãe.
Outro estudo examinou os determinantes da competência materna em 58 mães adolescentes. As mães respondiam um questionário que contemplava perguntas sobre auto-estima, eventos de vida, suporte social, bem-estar e competência materna, bem como eram filmadas em atividades junto a seus filhos. O estudo mostrou que o suporte do pai da criança era negativamente associado com estresse da mãe e positivamente associado com auto-estima e eficácia da mãe. Áquelas com maior suporte do pai da criança, tinham melhor auto-estima e maior sentimento de eficácia (Shapiro & Mangelsdorf, 1994).
Em um estudo longitudinal, em que participaram 45 mães e seus filhos de 16 a 62 meses de idade, a satisfação marital foi examinada como um determinante adicional na relação mãe-criança. O relacionamento marital pode prover à mãe o suporte emocional e prático que ela necessita, tendo forte impacto na sensitividade da mãe com seu filho. Deste modo, havendo satisfação na relação marital, há menor tensão em casa, propiciando um ambiente onde a criança passa a incorporar o estilo interacional dos pais (Eiden et al., 1995). Mães que recebem mais suporte de seus companheiros têm comportamento positivo com seus filhos, influindo na qualidade das atividades que elas desempenham com a criança (Klaus & Kennell, 2000).
Identificar e tratar as dificuldades relacionais da criança e de seus pais tornou-se um objetivo prioritário em saúde pública e isso vem sendo confirmado pelo sucesso dos serviços destinados a esta população. Toda estratégia de prevenção deve intervir o mais cedo possível, assim que fatores de risco são identificados e, idealmente, antes mesmo do surgimento das primeiras dificuldades (Wendland, 2002). O impacto positivo que os programas de intervenção precoce tem mostrado em relação ao desenvolvimento da criança e posterior desempenho escolar justificam a necessidade da identificação precoce das crianças com risco de atrasos ( Baydar et al., 2003).
Sendo assim, o presente estudo teve por objetivo verificar a prevalência de suspeitas de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e possíveis associações com fatores ambientais, biológicos, bem como com competência materna em uma amostra de crianças de 0 a 6 anos de idade, residentes no município de Canoas/RS. A identificação desses fatores possibilitará, posteriormente, elaborar intervenções adequadas e voltadas para a promoção da saúde materno-infantil no município de Canoas/RS.
MATERIAL E MÉTODO
Trata-se de um estudo analítico observacional transversal realizado no município de Canoas-RS .
Este estudo utilizou o mesmo processo de amostragem probabilística por “cluster” de uma pesquisa patrocinada pela Organização Mundial da Saúde “Prevalência de Surdez e Outros Transtornos da Audição” (Béria, et al., 2000). Foram sorteados aleatoriamente 40 dos 391 setores censitários do município de Canoas/RS. Em cada setor foi sorteado um quarteirão e deste foi sorteada uma esquina. A partir desta esquina foram visitados 26 domicílios, sistematicamente de dois em dois. Desta forma, para realizar este estudo, todas as residências com crianças de 0 a 6 anos de idade foram revisitadas. Compuseram a amostra do presente estudo 197 crianças com idade de 0 a 6 anos e respectivas mães.
Para realização da coleta de dados foram recrutados universitários dos cursos de medicina e psicologia, além de uma psicóloga e uma fonoaudióloga. Esta equipe de entrevistadores foi treinada na administração do teste Denver II e para aplicação do questionário às mães. Foi realizado estudo piloto com 25 coletas de dados, o que permitiu reproduzir as condições nas quais o estudo seria desenvolvido e fazer uma avaliação do treinamento dos entrevistadores tanto na aplicação do teste, como na entrevista com as mães. Além disso, uma amostra aleatória de 5% dos casos foi revisitada com a finalidade de verificar a qualidade e veracidade das informações e os critérios utilizados na pontuação dos itens.
O questionário foi construído para fins específicos deste estudo e contemplou questões socioeconômicas: renda familiar, escolaridade materna; reprodutivas: idade materna, intervalo interpartal, pré-natal, problemas na gestação; condições da criança ao nascer: peso ao nascer, idade gestacional, morbidade neonatal; patologia da criança: hospitalização no primeiro ano; estrutura familiar: pai mora junto, número de irmãos; atenção à criança: freqüenta ou freqüentou creche, aleitamento materno; saúde materna: uso de medicação psiquiátrica, presença de problemas de saúde; satisfação marital: está satisfeita com o relacionamento conjugal, está satisfeita com a ajuda do marido/companheiro nos cuidados com a criança, presença de brigas conjugais; rede de apoio: apoio do pai da criança, apoio de familiares, apoio de não familiares; características da criança: como a mãe avalia o comportamento da criança quanto ao sono, choro, fome, atividade, ambiente novo, ao ser contrariado, presença de amigos.
O questionário continha, ainda, uma medida de percepção da competência materna, conforme a opinião expressa pela mãe quanto a ser pouco competente ou muito competente como mãe do(a) seu(ua) filho(a) em uma linha ótica de dez centímetros.
Para identificar a criança com suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor foi utilizado o teste Denver II (Frankenburg at al., 1990). O teste, delineado para ser utilizado em crianças desde o nascimento até a idade de 6 anos, consiste em 125 itens que são divididos em quatro grupos: a) pessoal-social b) motricidade fina c) linguagem d) motricidade ampla. Esses itens são registrados através da observação direta da criança e, para alguns deles, solicita-se que a mãe informe se o filho realiza ou não determinada tarefa. Foram considerados casos indicativos de suspeita de atraso no desenvolvimento aqueles em que a criança apresentou dois ou mais itens de falha, isto é, não realização do item quando 90% ou mais das crianças da faixa etária o realiza, independente da área em que ocorreu. A variável dependente suspeita de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor foi tratada como variável dicotômica (Denver II, suspeito versus não suspeito).
Para a análise dos dados foi realizada a análise bivariada por meio do teste do qui quadrado para caracterizar os grupos suspeitos e os não suspeitos de atraso no desenvolvimento. A seguir foi realizada a análise multivariada utilizando o método de regressão logística cuja modelagem obedeceu um modelo hierárquico de determinação (Figura 1).
O uso deste modelo estabelece que as diversas variáveis potencialmente associadas ao desfecho apresentam uma relação proximal ou distal com o desfecho, portanto, tais variáveis podem produzir confusão no estabelecimento de uma possível associação entre as variáveis estudadas (Fuchs at al., 1996). O pacote estatístico utilizado para a análise foi o SPSS 10.0 for Windows.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Luterana do Brasil, e está de acordo com as normas vigentes na Resolução Nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, e suas complementares, que regulamentam a pesquisa envolvendo seres humanos.


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Como

Citar

Elsa Maria Luz Pilz. Determinantes biológicos e ambientais no desenvolvimento neuropsicomotor em uma amostra de crianças de Canoas/RS. Cien Saude Colet [periódico na internet] (2006/abr). [Citado em 08/12/2025]. Está disponível em: http://cienciaesaudecoletiva.com.br/artigos/determinantes-biologicos-e-ambientais-no-desenvolvimento-neuropsicomotor-em-uma-amostra-de-criancas-de-canoasrs/98?id=98

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