0137/2006 - Atividades da farmácia hospitalar brasileira para com pacientes hospitalizados: uma revisão da literatura
Pharmaceutical services for inpatients provided by hospital pharmacies in Brazil: a review of the literature
Autor:
• Rachel Magarinos Torres - Magarinos-Torres, R. - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro - IFF/Fiocruz e UNESA - <racheltorres.uff@gmail.com>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
O serviço de farmácia hospitalar possui diversas atribuições com impacto na assistência hospitalar, visto que é responsável por assegurar internamente a disponibilidade e o uso racional de medicamentos. Este artigo discute a produção científica relacionada à farmácia hospitalar brasileira direcionada à internação, na tentativa de ampliar a visão sobre características e prioridades. Após busca nas bases de dados Medline e Lilacs, foram localizados 17 trabalhos condizentes com os critérios de inclusão e exclusão definidos a priori. A maioria ateve-se aos componentes ensino/pesquisa, logística e farmacotécnica, a partir da observação de hospitais públicos localizados no Sudeste. Percebe-se escassez de textos relacionados a atividades estruturais como gerenciamento e seleção. Estima-se que à formação acadêmica dos farmacêuticos atrele a percepção da manipulação como atividade preponderante nos serviços, embora atualmente, esta seja necessária apenas em um número restrito de hospitais. Soma-se a isto a baixa adequação das atividades realizadas a normas legais e padrões estabelecidos e a inexistência de revista brasileira dedicada ao tema e indexada pela BVS. Tendo em vista a maior freqüência de trabalhos oriundos do setor público há, aparentemente, ou maior liberdade de atuação do farmacêutico neste setor ou menor produção científica, quantificada por publicações, no setor privado.Palavras-chave: assistência farmacêutica, farmácia hospitalar, revisão bibliográfica.
Abstract:
The hospital pharmacy has several responsibilities that contribute directly to patient outcomes, including guaranteeing availability and rational use of medicines. This paper discusses the literature devoted to hospital pharmacy services for inpatients in Brazil. Its aim is to broaden the view as to the characteristics and priorities of these services, in order to bring forth possible outputs and outcomes associated with them. After an extensive search involving databases such as Medline and Lilacs, 17 papers which met the inclusion/exclusion criteria surfaced. The majority of the studies were related to teaching and research, drug supply and compounding in public hospitals located in the Brazilian Southeast. Few studies focused on core activities such as drug selection or management. Discrepancies stemming from pharmacy curricula may be at the root of the perception that compounding is an essential part of hospital pharmacy services, when, in fact this activity is necessary in only very few institutions. Moreover, the low adjustment of pharmacy activities to the established norms and standards and the lack of an indexed Brazilian publication dedicated to the theme may help explain the low number of harvested articles. Because the frequency of studies originating in the public setting was so above that from the private setting, we speculate that either there is greater freedom of action in the first scenario or a major lack of scientific production, quantified by published studies, in the latter.Key words: pharmaceutical services, hospital pharmacy, literature review.
Conteúdo:
A reformulação do sistema de saúde brasileiro, com a normatização do SUS em 1990, suscitou a necessidade de elaboração de uma política específica para o setor de medicamentos no Brasil com o propósito de garantir acesso à assistência farmacêutica integral (Brasil, 1990). Aprovada em 1998, a Política Nacional de Medicamentos reorienta, dentre outros, o modelo de Assistência Farmacêutica, equiparando, em um mesmo nível de importância, ações antes menos favorecidas (Brasil, 1998a).
Antes da promulgação da Política Nacional de Medicamentos, os programas/projetos na área de Assistência Farmacêutica limitavam-se à aquisição e distribuição de medicamentos (Consendey, 2000). A Política confere caráter mais abrangente à Assistência Farmacêutica, explicitando como fundamental, além do acesso aos medicamentos, garantia de sua qualidade, segurança e uso adequado. Diretrizes possíveis de serem alcançadas no âmbito hospitalar, por meio de atividades de responsabilidade da farmácia hospitalar (MS, 1994; SBRAFH, 1996; OPAS, 1997; Gomes & Reis, 2001; Osorio-de Castro & Castilho, 2004).
Atualmente, espera-se que a farmácia hospitalar desenvolva atividades clínicas e relacionadas à gestão, que devem ser organizadas de acordo com as características do hospital onde se insere o serviço, isto é, manter coerência com o tipo e o nível de complexidade do hospital (Messeder, 2005). Essas atividades podem também ser observadas sob o ponto de vista da organização sistêmica da Assistência Farmacêutica, compreendendo seleção de medicamentos necessários; programação, aquisição e armazenamento adequado dos selecionados; manipulação daqueles necessários e/ou indisponíveis no mercado; distribuição e dispensação com garantia de segurança e tempestividade; acompanhamento da utilização e provimento de informação e orientação a pacientes e equipe de saúde (Brasil, 2004; Osorio-de Castro & Castilho, 2004).
Cabe ainda, distinguir entre a atuação da farmácia hospitalar para com pacientes hospitalizados daquela para com pacientes assistidos ambulatorialmente. Essa diferenciação existe porque as estratégias e os alvos são distintos. Na dispensação ambulatorial é fundamental orientar adequadamente o paciente com propósito de ampliar as possibilidades de adesão. Em contrapartida, o fornecimento de medicamentos a pacientes hospitalizados - distribuição - deve se centrar no contato com a equipe de saúde. Da efetividade deste contato depende, em grande parte, o sucesso da terapêutica medicamentosa e a resolutividade dos serviços da assistência farmacêutica hospitalar (Marin et al, 2003).
Este artigo pretende discutir a produção científica relacionada às atividades da farmácia hospitalar brasileira direcionada à internação, na tentativa de compreender o marco teórico e a abordagem adotada, assim como as características e prioridades do serviço, buscando fornecer subsídios o aprimoramento deste setor.
Metodologia
Foi realizada uma revisão bibliográfica observando todas as publicações disponíveis nas bases Medline e Lilacs com data anterior a janeiro de 2005.
Para a localização, foram usados os seguintes descritores de assunto da Biblioteca Virtual em Saúde BVS/BIREME, em português, e seus congêneres em espanhol e inglês: “serviço de farmácia hospitalar/servicio de farmacia en hospital/pharmacy service hospital” e “serviços farmacêuticos/servicios farmaceuticos/pharmaceutical services”. A seguir a busca foi ampliada, utilizando os termos “assistência farmacêutica”, “farmácia hospitalar” e “hospital pharmacy”. Outra estratégia utilizada para identificar estudos foi estender a busca às referências bibliográficas dos artigos selecionados.
Os critérios para seleção, definidos a priori, foram:
• para inclusão: artigos em português, espanhol ou inglês que discutiam e/ou avaliavam atividades da farmácia hospitalar direcionada a pacientes hospitalizados, considerando o contexto de hospitais brasileiros, independente da categoria profissional que conduziu o estudo e do referencial metodológico utilizado;
• para exclusão: artigos em idioma diferente do português, espanhol ou inglês, referências sem resumo ou abstract, comentários de caráter geral, estudos que abordaram Assistência Farmacêutica sem foco específico no serviço de farmácia hospitalar e relato de atividades relacionadas a pacientes ambulatoriais.
A análise dos textos apoiou-se no modelo lógico (componentes e respectivos objetivos) construído pelo estudo intitulado Diagnóstico da Farmácia Hospitalar no Brasil. Investigação de caráter nacional que teve como proposta descrever e analisar estrutura e processos das atividades necessárias à farmácia hospitalar direcionada a pacientes hospitalizados (Osorio-de-Castro, 2004).
Para tanto, foi necessário efetuar, como primeira etapa, uma revisão dos componentes e objetivos inicialmente descritos neste modelo lógico. Posteriormente, os estudos selecionados pela busca bibliográfica foram observados quanto ao seu conteúdo, sendo identificada a principal atividade abordada. A seguir, foram classificados e analisados de acordo com o componente correspondente, face aos objetivos redimensionados na primeira etapa.
Resultados e Discussão
Revisão do modelo lógico adotado
Com base nas atribuições descritas para farmácia hospitalar na literatura (Maia-Neto, 1990; MS, 1994; SBRAFH, 1996; OPAS, 1997; Gomes & Reis, 2001) todos os componentes do modelo lógico (Osorio-de-Castro, 2004) foram mantidos, embora tenham sido realizadas alterações textuais em seus objetivos, visando melhor explicitação do foco de cada atividade (Quadro 1).
O componente Gerenciamento, além de ser responsável por prover infra-estrutura, é aquele que promove a farmácia hospitalar, usualmente referenciada como setor ou serviço dentro da estrutura organizacional do hospital. Deste modo, o Gerenciamento viabiliza as demais atividades. Assim, no objetivo correspondente, o termo “unidade de farmácia” foi substituído por “Serviço de Farmácia” (Gomes & Reis, 2001).
Como na Seleção, os critérios adotados são decisivos para definição de uma lista mínima com todos os medicamentos adequados e indispensáveis ao hospital, permitindo acesso a fármacos eficazes e seguros, com maior comodidade posológica para os pacientes e ao menor custo, estes foram enumerados em ordem de importância. Cabe ressaltar aqui o papel fundamental da presença de uma lista ou relação de medicamentos, usualmente denominada de lista de padronização, no desempenho das demais atividades demandadas à farmácia hospitalar (OPAS, 1997).
Outra alteração realizada foi à separação dos objetivos de três dos sub-componentes da logística. Entende-se que embora Programação, Aquisição e Armazenamento tenham em conjunto o propósito de suprir a demanda de medicamentos e armazená-los de forma adequada, cada um contribui de forma específica. Á Programação cabe definir especificações técnicas e quantidades dos medicamentos selecionados; à Aquisição suprir as necessidades observando qualificação dos fornecedores e aliando qualidade ao menor custo; e ao Armazenamento a responsabilidade pela manutenção das propriedades originais dos medicamentos armazenados e fornecimento de informações fidedignas e atualizadas sobre o estoque (Marin et al, 2003).
Na Distribuição foram acrescidos itens considerados decisivos para alteração do quadro clínico do paciente hospitalizado. Além de o medicamento ter que ser adequado à finalidade terapêutica, a necessidade de preocupação com o fornecimento deste em tempo oportuno, assim como com o processo para garantia de recebimento preciso, de sorte a diminuir erros de medicação (Gomes & Reis, 2001).
O componente Informação foi alterado face à necessidade de qualificar a informação prestada. A intensa e controversa publicidade imposta pela indústria farmacêutica, com conseqüente influência na prescrição e na utilização de medicamentos no Brasil, demanda fornecimento de informação a pacientes, profissionais de saúde e gestores de forma objetiva, apropriada e, principalmente, independente do interesse comercial, ou seja, baseada em evidências científicas (Pepe & Osorio-de-Castro, 2000; Barros & Joany, 2002). Em virtude disto este ponto foi acrescentado ao objetivo do componente.
A descrição do propósito da Farmacotécnica foi também modificado, uma vez que à farmacotécnica da farmácia hospitalar cabe, não apenas adequar medicamentos disponíveis no mercado às necessidades dos pacientes hospitalizados, como também desenvolver preparações magistrais e oficinais indisponíveis no mercado, que sejam essenciais em situações específicas e pontuais, mantendo a preocupação com a qualidade das preparações e fracionamentos realizados (Osorio-de-Castro & Castilho, 2004).
Diante da importância de uma assistência farmacêutica embasada nos recentes conceitos trazidos pelo SUS (Brasil, 1990; Brasil, 1998a; Brasil, 2004) e reconhecendo o serviço de farmácia hospitalar como um campo de prática da Assistência Farmacêutica, foi acrescida, no foco do componente Ensino, a capacitação de profissionais para esta área. Quanto à Pesquisa, o propósito da mesma foi mantido – “produzir informações e conhecimento que subsidiem o aprimoramento das condutas e práticas vigentes”. Cabe destacar, no entanto, que o componente Ensino/Pesquisa não foi fragmentado em dois, embora seus objetivos primários sejam distintos, por se perceber a importante relação existente entre eles. A capacitação de pessoas requer, entre outros, o desenvolvimento de habilidades que permitam a reflexão de suas atividades (Demo, 2004)
De forma distinta, a redação do objetivo do Seguimento Farmacoterapêutico foi completamente modificada. O texto original, “Assegurar o uso racional de medicamentos e maximizar efetividade e eficiência de tratamentos farmacológicos” é demasiadamente abrangente e não explicita a participação mais precisa deste componente para promoção do uso racional de medicamentos no hospital. Com base na recente discussão sobre Atenção Farmacêutica no Brasil, seu objetivo foi re-definido como acompanhamento sistemático do uso de medicamentos por pacientes de forma individual. Admitindo ser indispensável, nesta atividade, o registro dos encontros (Ivana et al, 2002; Brasil, 2004)
A revisão do modelo lógico específico da farmácia hospitalar brasileira possibilitou ajustes - ampliação de alguns conceitos e melhor definição de outros - aproximando-os da realidade. Tornou assim viável, dentro do foco desta revisão, o processo de classificação e análise dos textos. Cabe destacar que estes novos objetivos foram considerados como padrão na classificação e análise dos textos selecionados pela busca bibliográfica.
Estudos selecionados na busca bibliográfica
A busca bibliográfica resultou na seleção de 17 artigos condizentes com os critérios de inclusão e exclusão enunciados no método. A maioria na base Lilacs, a partir do termo “farmácia hospitalar”. Grande parte das referências relacionadas no Medline trouxe experiências de hospitais americanos. A tabela 1 apresenta o número de estudos recuperados e selecionados nas bases Medline e Lilacs de acordo com os termos utilizados.
A opção oportuna de ampliar a busca bibliográfica utilizando os termos “farmácia hospitalar/hospital pharmacy” e “assistência farmacêutica”, resultou da percepção de limites nas definições dos descritores de assunto localizados na Biblioteca Virtual em Saúde (BIREME). O termo “serviço de farmácia hospitalar / servicio de farmacia en hospital / pharmacy service hospital” como “departamento hospitalar responsável pela recepção, armazenamento e distribuição de materiais farmacêuticos” não alcança todas as atividades que são demandadas à farmácia hospitalar brasileira.
Por sua vez, “serviços farmacêuticos/ servicios farmaceuticos / pharmaceutical services” explicitado como “soma de serviços farmacêuticos fornecidos por um farmacêutico qualificado. Além da preparação e distribuição de produtos médicos, eles podem incluir serviços de consultoria fornecidos a agências e instituições que não possuem um farmacêutico qualificado”, não encontra significado exato no Brasil. Ainda que os farmacêuticos prestem serviços e consultorias, nenhuma denominação específica tem sido atribuída a estas atividades.
Em contrapartida Assistência Farmacêutica no Brasil está relacionada não apenas a serviços prestados por farmacêuticos, mas a um conjunto de atividades de caráter multidisciplinar visando promover o acesso e o uso racional de medicamentos (Brasil, 1998a; Brasil, 2004). Traduções inapropriadas ou adaptações de termos, como correlacionar assistência farmacêutica a serviços farmacêuticos, podem constituir um grande entrave para disseminação da informação científica e comparação de resultados. Embora inexista outra opção, o descritor “serviços farmacêuticos” não corresponde integralmente à assistência farmacêutica no contexto brasileiro.
Focalizando os artigos selecionados na busca bibliográfica, constata-se que as referências bibliográficas utilizadas por estes encontram-se, em muito, apoiada em estudos americanos. Possivelmente, em decorrência da maior produção, facilidade de localização e recuperação. Foram observadas apenas duas citações brasileiras com possibilidade de inclusão que, devido aos limites encontrados nos meios de comutação bibliográfica, não foram passíveis de recuperação.
Também foi pouco freqüente, entre os selecionados, a utilização de textos do marco teórico legal brasileiro para justificar e/ou direcionar o trabalho (5/17), mesmo considerando os publicados após 2000 (3/10). O Brasil, principalmente a partir de 1990, possui ampla legislação para regulamentar o sistema de saúde (SUS), a questão de medicamentos e a assistência farmacêutica nesse sistema e, o exercício da profissão farmacêutica em unidade hospitalar (CFF, 1997; Brasil, 1998a; Brasil, 1998b; Brasil, 1998c; Brasil, 2000). Mesmo que algumas atividades demandadas à farmácia hospitalar careçam de regulamentação específica (Brasil, 2004), esta falta de alusão aos textos legais, que orientam a prática, parece demonstrar pouca percepção quanto à necessidade de abrigar a discussão dentro do contexto político-social brasileiro.
Considerando o objetivo dos componentes do modelo utilizado como referencial metodológico, os trabalhos selecionados discutem prioritariamente questões relacionadas ao Ensino/Pesquisa (6/17), Logística (6/17) e Farmacotécnica (4/17), tendo por base a observação da dinâmica de hospitais públicos localizados no Rio de Janeiro e São Paulo (11/17). Não foram localizados estudos relacionados ao Gerenciamento, Seleção, Programação e Seguimento Farmacoterapêutico. A tabela 2 apresenta o número e o objetivo dos estudos selecionados de forma agrupada de acordo com componente correspondente à principal atividade abordada.
Chama atenção o fato de nenhum estudo captado abordar especificamente Gerenciamento ou Seleção, uma vez que estas são consideradas atividades responsáveis pelos alicerces da farmácia hospitalar (OPAS, 1997) e que, portanto, embora possam não inviabilizar a existência nominal de outras atividades, influenciam de forma significativa em sua qualidade. Esse resultado, associado ao baixo percentual de hospitais brasileiros com estrutura mínima adequada para conduzir estas atividades (Osorio-de-Castro & Castilho, 2004) parece indicar que, quando realizados, Gerenciamento e Seleção não são percebidas como atividades que ensejem relato, pesquisa e, conseqüente discussão.
Por outro lado, a realização de estudos sobre esses componentes acontece amplamente fora do contexto brasileiro, principalmente no que tange à Seleção. Percebida como conjunto formado pelos processos de revisão da lista de medicamentos padronizados e divulgação das informações, a seleção de medicamentos em farmácia hospitalar tem sido discutida em perspectiva da efetividade comparada, considerando custo-efetividade na inclusão e/ou exclusão de medicamentos na lista de padronização. São apontados como desafios a divulgação das informações e a adesão a novas diretrizes. (Nair et al, 2001; Beckwith et al, 2002; Avorn, 2002; Odedina et al, 2002; Read et al, 2003; Nold & Sander, 2004; Navarro-de-Lara et al, 2004;Tordoff et al, 2005).
Dentre os estudos incluídos no componente Logística, nenhum se dedicou especificamente à Programação, isto é: identificação das necessidades locais, elaboração de especificação técnicas, definição de quantidades a comprar, observando estoque, recursos e prazos disponíveis. Como grande parte dos textos selecionados trabalham a dinâmica de hospitais públicos e como, na maioria destes, a aquisição de medicamentos é conduzida de forma centralizada pela esfera de governo onde se insere o hospital, o resultado obtido parece refletir a relativa desimportância imputada, equivocadamente, a esta atividade quando o processo de aquisição é centralizado.
Quando a compra é centralizada destina-se ao serviço responsabilidade apenas pela definição de quantidades desejadas dos itens a serem adquiridos pelo nível central. A evidente quebra na retroalimentação da informação pode, por sua vez, causar estimações erradas, tanto em qualidade dos itens quanto em quantidade, implicando em conseqüências para todo o sistema ou rede, favorecendo o descompasso e a falta de critérios de racionalidade. Segundo Dias (1994), “a existência de determinado antídoto entre os medicamentos da Farmácia Hospitalar está mais relacionado com a facilidade de obtê-lo do que com a ocorrência de intoxicação aguda atendida no Serviço de Urgência do Hospital”.
A Aquisição de medicamentos foi resgatada em dois estudos, ambos no âmbito do setor público (Luiza et al, 1999; Sakai et al, 2000). Embora o número de artigos seja restrito, frente à importância deste componente na viabilização econômica dos serviços de saúde, os dois textos resgatados demonstraram preocupação com a qualidade. Luiza et al (1999) destacaram a necessidade de profissionalização do setor público frente a organizações bem estruturadas que visam primordialmente o lucro. Sakai et al (2000), por sua vez, relataram experiência de avaliação de empresas para o fornecimento de nutrição parenteral. Supõe-se que a preocupação com a qualidade se deva, pelo menos em parte, ao grande número de problemas advindos da falsificação e/ou desvio de qualidade de medicamentos que surgiram nos anos de 1998 e 1999 (ANVISA, 2005), bem como, de conseqüências fatais relacionadas a nutrição parenteral (Jornal do Brasil, 2004).
O Armazenamento foi abordado em dois artigos. Ambos apresentaram considerações que sugerem problemas neste componente O enfoque, no entanto, foi limitado a registros do controle de estoque. Dias et al (1994) perceberam inexistência de registros de controle de estoque em diversas Unidades. Oliveira et al (2002) identificaram além de deficiências no sistema de registro de movimentação de estoque, a existência de medicamentos vencidos. Os autores apontaram a possibilidade da existência de medicamentos vencidos está relacionada ao recebimento obrigatório e freqüente, em serviços públicos, de medicamentos muitas vezes não solicitados, com prazo de validade próximo ao vencimento, associado à impossibilidade de devolução ao nível central e à inexistência de procedimentos adequados para destruí-los (Oliveira et al, 2002).
Observando artigos publicados em outros países percebe-se foco diferente e aparentemente mais avançado, como se as questões brasileiras já houvessem sido superadas. Foram localizados textos sobre estabilidade de medicamentos termolábeis e conseqüências da automatização do controle de estoque (Cuervas-Mons et al, 2004; Awaya et al, 2005).
Os trabalhos selecionados na busca bibliográfica e classificados na Distribuição dedicaram-se a aprofundar sobre as etapas do processo e identificar pontos vulneráveis a erros (Carvalho & Cassiani, 2000; Cassiani et al, 2004). Cabe destacar que a inexistência desta atividade em hospitais implica, necessariamente na inexistência do serviço de farmácia. Entretanto, embora todas as farmácias hospitalares realizem, com alguma capacidade, a distribuição de medicamentos, ambos os textos foram produzidos por enfermeiros. Uma vez elaboradas por profissionais inseridos na assistência farmacêutica, mas alheios à farmácia hospitalar, à qualidade do processo de distribuição, no que tangue a esse serviço, foi pouco discutida pelos artigos selecionados. Por outro lado, parece freqüente a abordagem de erros estar centrada em punições, em detrimento de diagnosticar e explorar o fato visando melhorias. Este foco pode estar dificultando novas investigações no tema (Rosa & Perrine, 2003).
No cenário internacional, a Distribuição vem sendo freqüentemente associada a erros de medicação. Estima-se que 2% das pessoas que são admitidas em hospitais norte-americanos encontram-se sujeitas a erros de medicação derivados de problemas na prescrição, distribuição e administração de medicamentos. O custo com eventos adversos evitáveis provenientes, principalmente, de erros nas etapas da distribuição, são superiores aos relacionados à reação adversa a medicamentos. Entre as causas mais comuns são relatados problemas de comunicação verbal e/ou escrita e treinamento inadequado dos profissionais (Bates et al, 1997; Kohn, 2001; Leasar et al, 1997; Husch et al, 2005; Pedersen et al, 2005). São estudados o impacto da prescrição eletrônica na redução de erros de medicação e de sistemas de alerta no caso de situações clínicas potencialmente criticas (Degnan et al, 2004; Koppel et al, 2005).
Parece que a carência de artigos brasileiros em torno da Logística como um todo, atividade de cunho predominantemente administrativo com importantes determinantes e conseqüências clínicas, reflete não a superação dos problemas, mas a indigência do componente.
Embora única, a experiência relacionada ao componente Informação se mostrou positiva. O texto descreve um programa de educação para portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica e asma, hospitalizados, com objetivo de fornecer informações sobre o tratamento farmacológico e ampliar a adesão após a alta (Assunção et al. 1999)
Todavia, considerando que o contato da farmácia hospitalar com pacientes hospitalizados é, em muito, mediado pelos demais membros da equipe de saúde, seria esperado a localização de artigos abordando fornecimento de informações a profissionais de saúde, em concordância com a tendência internacional (Lustig, 1999; Wilson et al, 2005). A demanda quanto a esta atividade nas farmácias hospitalares brasileiras existe. Embora não haja coleta sistemática de dados, muitos profissionais relatam grande freqüência de solicitação de informações de outros setores hospitalares ao Serviço de Farmácia (Osorio-de-Castro & Castilho, 2004). No entanto é pequena a percepção do quanto o fornecimento de informações independentes, objetivas e apropriadas aos demais profissionais de saúde colabora para o uso racional de medicamentos no ambiente hospitalar (Pepe & Osorio-de-Castro, 2000). Por sua vez, dificuldades de relacionamento entre diferentes categorias profissionais podem estar sendo decisivas nesta troca.
A carência de abordagens condizentes com Seguimento Farmacoterapêutico em farmácia hospitalar não surpreende, diante da recente discussão conceitual e metodológica, tanto no Brasil como em outros países, sobre o acompanhamento sistemático e individual de pacientes hospitalizados que estejam em terapia medicamentosa (Ivama et al, 2002; Martín-Calero et al, 2004). Ademais, há que se pensar sobre sua importância diante dos problemas observados nos componentes estruturais da farmácia hospitalar de acordo com o diagnóstico realizado em 2003 (Osorio-de-Castro & Castilho, 2004). Fica evidente que nesse componente, finalístico por natureza, serão identificados diversos problemas relacionados a medicamentos, sejam eles determinados por questões administrativas ou ligadas com à farmacoterapia ou à clínica, caso não sejam realizados adequadamente componentes como gerenciamento, seleção e logística.
A Farmacotécnica foi objeto de quatro artigos (Marx et al, 1985; Santos et al, 1987; Pereira et al, 1999; Marin et al, 2001). O enfoque não teve, como esperado, propósito de adequar princípios ativos e/ou medicamentos disponíveis no mercado às necessidades individuais dos pacientes em situações pontuais e específicas e sim, busca por formulações semelhantes às comercializadas com o objetivo precípuo de diminuir custo na aquisição. Não houve relatos sobre controle de qualidade empregado na produção, tampouco pesquisado métodos de controle de qualidade possíveis em hospitais brasileiros embora a qualidade dos produtos seja determinante para o sucesso da terapêutica.
Nesse momento, observando o foco direcionado apenas ao custo, pode-se indagar a necessidade da farmacotécnica hospitalar e hipotetizar que venha a ser realizada apenas em unidades de referência ou altamente especializadas ou ainda naquelas cujo sistema de distribuição pressuponha fracionamento e manipulação, por exemplo, Sistema de Distribuição de Medicamentos por Dose Unitária. É evidente que a redução no custo possibilita ampliação do acesso. Este pode ser um falso argumento, todavia garantir acesso sem a contrapartida da qualidade mina a iniciativa e coloca em risco importante objetivo da assistência farmacêutica: o uso racional de medicamentos.
Enquanto a preocupação no Brasil se centra no custo, os textos de outros paises apresentam preocupação com a estabilidade físico-químico e a segurança microbiológica de nutrição parenteral e de medicamentos manipulados além da busca sobre métodos mais econômicos para preparação de misturas intravenosas, disponíveis ou não comercialmente. Mesmo quando o foco é a redução do custo, a segurança não deixa de ser abordada (Casado-Callado et al, 2004; Hecq et al, 2005; Bouligand et al, 2005; Rey et al, 2005).
Seis dos estudos selecionados na busca bibliográfica foram agrupados no componente Ensino/Pesquisa. A principal preocupação destes estudos foi investigar a prescrição e a utilização de medicamentos, analisando dados coletados de forma quantitativa. Quatro dos seis trabalhos incluídos neste componente partiram de dados de movimentação de estoque e prescrições arquivadas no Serviço de Farmácia (Castro et al, 2002; Osorio-de-Castro et al, 2002; Sebastião, 2002; Braga et al, 2004). Destes, dois se apoiaram na dose diária definida (DDD) (WHO, 1997) para quantificar o consumo de modo a permitir comparação dos resultados, em concordância com estudos internacionais. Os demais trabalhos utilizaram como método entrevistas com pacientes e/ou profissionais de saúde com base em questionários estruturados (Ponciano et al, 1998; Fonseca et al, 2002).
Nenhum se debruçou, em especifico, sobre atividades de formação de recursos humanos para a farmácia hospitalar e/ou assistência farmacêutica, em seu sentido mais amplo. Aparentemente, a capacitação de profissionais para a assistência farmacêutica hospitalar não constitui questão que preocupe e/ou motive reflexões, muito embora tenha sido apontada por todos os grupos que participaram de oficina realizada no último Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar (SBRAFH) para discutir os rumos da farmácia hospitalar, como o principal problema do setor (SBRAFH, 2005). Deficiências na formação do farmacêutico, excessivamente tecnicista e desconectada das políticas de saúde, também foi ponto destacado em consensos anteriores, como a Oficina Nacional de Atenção Farmacêutica (Ivama et al, 2002).
Os resultados observados quanto à racionalidade na prescrição e utilização de medicamentos apontam para problemas relacionados à utilização inadequada de antimicrobianos, prescrição inadequada as características do paciente e baixo índice de cumprimento de itens obrigatórios (legais) em prescrições (Castro et al, 2002; Sebastião et al, 2002; Braga et al, 2004). São sugeridos como mecanismos para enfrentamento desses problemas: campanhas internas sobre uso racional de medicamentos, ações de orientação dirigidas a prescritores e, restrição do uso por meio de existência de regulamentação específica para solicitação de medicamentos, mediante autorização de comissões intra-hospitalares (Castro et al, 2002).
Embora numericamente significativo, frente ao conjunto de artigos selecionados, não se pode afirmar que todas as investigações incluídas no Ensino/Pesquisa tenham sido conduzidas pela farmácia hospitalar. Indícios da participação do serviço podem ser percebidos observando o campo de atuação dos autores e o local de coleta dos dados. Somente Sebastião (2002) acentuou o papel do farmacêutico na detecção e discussão de problemas relacionados à qualidade da prescrição de medicamentos.
A relativa abundância dos estudos sobre esse componente face à relativa carência dos demais é interessante. Estudos que envolvem coletas de dados de utilização são realmente de fácil execução. No entanto, tendo em vista a difícil situação da farmácia hospitalar brasileira (Osorio-de-Castro & Castilho, 2004), é curioso que haja tão poucas pesquisas de cunho operacional, que poderiam redundar em efeitos de curto prazo sobre a qualidade dos serviços.










