0002/2008 - ASPECTOS ÉTICOS EM UMA DISPUTA DE MERCADO ENTRE LABORATÓRIOS CLÍNICOS E UM PLANO DE SAÚDE- RELATO DE CASO
ETHICAL ISSUES IN A DISPUTE OF MARKET BETWEEN CLINICAL LABORATORIES AND A HEALTH PLAN - CASE REPORT
Autor:
• Malone Santos Pinheiro - Pinheiro MS - aracaju, sergipe - Universidade Tiradentes - <malonepinheiro@hotmail.com>Área Temática:
Não CategorizadoResumo:
Como alternativa à assistência em saúde pública, surge no Brasil os planos privados. Esse segmento sofreu grande intensificação nas décadas de setenta e oitenta, culminando na entrada das grandes seguradoras no cenário da medicina suplementar. Rapidamente, os prestadores de serviço se associaram a elas, solidificando-as no mercado e desencadeando uma relação de dependência. O presente artigo analisou, em forma de relato de caso, uma disputa mercadológica entre laboratórios clínicos e um plano de saúde, enfatizando os aspectos éticos e morais envolvidos nesse episódio.Palavras-chave: Disputa mercadológica, Laboratórios clínicos, Planos privados de saúde, Aspectos éticos.
Abstract:
As an alternative to assistance in public health, appear in Brazil the private plans. This segment suffered great intensification in the seventies and eighties, culminating in the entry of large insurers in the scenario of supplementary medicine. Quickly, the providers of the service associated with them, consolidating them in the market and triggering a relationship of dependency. This article analyzed, in the form of a case report, a marketing dispute between clinical laboratories and a plan of health, emphasizing the moral and ethical aspects involved in this episode.Keywords: Marketing dispute; Clinical laboratories; Private health plans; Ethical aspects.
Conteúdo:
A vertente da saúde que compreende os laboratórios de análises clínicas vem passando por mudanças no que concerne as disputas mercadológicas. Um fator crucial na construção desse cenário é indubitavelmente a expansão dos planos de saúde privados1.
Esse fenômeno é explicado pelos gestores dos planos como sendo uma melhor alternativa de assistência à saúde, já que o Sistema Único de Saúde (SUS) não oferecia condições plenas de assistência aos seus usuários, quiçá, pela grande procura e a evolução deles no que diz respeito à qualidade2.
Na década de 80, havia cerca de 15 milhões de segurados de planos de saúde particulares, registrados pela Associação Brasileira de Medicina de Grupo (ABRAMGE), bem como pela Federação das Cooperativas Médicas (UNIMED). Esses números revelavam a consolidação das empresas de planos de saúde como alternativas assistenciais para os trabalhadores especializados, fato esse que ocorreu inicialmente na região sudeste e posteriormente se expandiu para todo o território brasileiro3.
Houve a intensificação da comercialização de planos individuais, culminando com a entrada decisiva de grandes seguradoras no ramo da saúde, a adesão de novos grupos de trabalhadores à assistência médica supletiva – em particular, funcionários públicos da administração direta, das autarquias e das fundações – e a vinculação inequívoca da assistência privada ao financiamento da assistência médica suplementar 4.
Com o advento supracitado, ocorreu também uma grande procura por parte das empresas prestadoras de serviço em saúde, notadamente pela progressiva escassez dos pacientes particulares e crescente deterioração do relacionamento com a área pública (defasagem acentuada e crescente de preços, glosas, atrasos nos pagamentos, tetos físicos e financeiros incompatíveis com o volume dos serviços prestados, entre outros), que não relutaram em compor uma associação forte e firme com as operadoras de planos de saúde 4.
No início da década de 90, os médicos já registravam uma enorme dependência das operadoras de planos de saúde, dados esses compilados pela Escola Nacional de Saúde Pública, apontando que 75 % a 90 % dos médicos declaravam depender diretamente dos convênios para manter suas atividades em consultório5.
O presente estudo buscou analisar através de um relato de caso as relações existentes entre os planos de saúde e prestadores de serviço, mais especificamente laboratórios de análises clínicas, dando ênfase aos aspectos morais e éticos, salvaguardando as suas reais razões sociais e região onde ocorreram os fatos relatados.
RELATO DE CASO
Em uma determinada cidade do Brasil ocorreu uma disputa de mercado muito acirrada no âmbito das análises clínicas. Um determinado laboratório “A” (LAB-A), detentor de aproximadamente 70% do mercado na região adotou uma postura bastante aguerrida na disputa mercadológica, propondo ao maior plano de saúde daquela área uma parceria.
Nesse acordo bilateral, o LAB-A passaria uma parcela de suas ações ao plano, tornando-se então um prestador de serviço próprio dele, o que os isentaria de uma possível caracterização de monopólio perante a lei. O resultado do acordo entre as empresas foi firmado com a criação de uma terceira empresa, na qual os sócios participariam com ações iguais. A partir de então o LAB-A/plano tornou-se o único prestador de serviços no âmbito de análises clínicas para o citado plano, que por sua vez receberia grandes descontos nos preços dos exames solicitados.
Concretizada essa parceria todos os outros laboratórios de análises clínicas foram descredenciados a atender os usuários do plano. Um segundo laboratório, LAB-B, concorrente mais próximo do LAB-A, responsável por aproximadamente 20% dos atendimentos do referido plano de saúde, com o estabelecimento dessa parceria sofreu grande impacto, perdendo nesse momento 50% da sua demanda e 40% do seu faturamento.
Diante desse quadro, o gestor do LAB-B convocou uma reunião com os gestores de outros laboratórios também prejudicados por essa medida, a fim de discutirem possíveis alternativas. Houve a reunião, mas não chegaram a um denominador comum, nem tampouco ficou estabelecida comissão para representá-los frente a possível reunião com o gestor do plano.
Diante do impasse, o gestor do LAB-B reuniu-se com o diretor do plano, a fim de expor as suas dificuldades, inclusive por recentemente ter investido na certificação do seu laboratório por um órgão internacional e estar precisando de um tempo para restabelecer seu equilíbrio financeiro, bem como os problemas sociais em relação aos seus funcionários e, também, a necessidade de prestar serviço à comunidade na qual faz parte. Diante do exposto, o plano de saúde concedeu mais três meses de atendimento a todos os laboratórios descredenciados.
Temendo represálias dos seus usuários, pela falta de opções de escolha, o plano permitiu que alguns laboratórios de pequeno porte atendessem, todavia excluiu os laboratórios mais estruturados, inclusive o LAB-B.
Em meio aos acontecimentos o diretor do LAB-B viu-se em sérias dificuldades, devido à subutilização dos seus serviços pela perda do referido plano. Esse laboratório caracterizado como de médio porte na cidade com 15 anos de funcionamento possuía 22 funcionários.
Nesse momento, entra em questão, a responsabilidade social da empresa e o dilema de como manter-se no mercado de forma viável, sem demitir colaboradores e diminuir seu compromisso com a qualidade dos serviços prestados.
Após refletir, o gestor do LAB-B não enxergou no momento outra alternativa senão cortar custos e começou a demitir funcionários. Durante certo tempo esse laboratório sofreu grave crise com problemas de ordem financeira decorrentes da associação do seu concorrente com sua maior fonte de renda.
Para não sucumbir de vez, o gestor do LAB-B resolveu propor sociedade a um grande grupo médico da cidade, onde nesse acordo venderia parte de suas ações a ele e a partir de então, ganharia o direito de atender os usuários do plano acima citado, já que o gestor do grupo médico era um dos conselheiros do plano, que no seu estatuto interno impedia o descredenciamento de conselheiros.
Com essa sociedade, o LAB-B, passa então a atender os usuários do plano, encontrando assim uma alternativa viável de sobrevivência diante de um cenário adverso.
ANÁLISE ÉTICA DO CASO EXPOSTO
Existem várias definições de ética, para Moore 6, ética é a investigação geral sobre aquilo que é bom. Segundo Valls 7, a ética é daquelas coisas que todo mundo sabe o que são, mas que não são fáceis de explicar, quando alguém pergunta, e mais contemporaneamente, Galvão 8, sugere que a ética vai além do trato das ciências médicas, tornando-se uma ferramenta de reflexão para todas as relações existentes entre seres humanos.
Com base no caso exposto, pode-se identificar algumas atitudes antiéticas adotadas pelas empresas envolvidas na disputa e defesa de interesses em um contexto de mercado altamente competitivo e capitalista.
Na associação entre o LAB-A e o plano, fica caracterizada ações que vão de encontro à ética, pois na tomada dessa decisão foi levado em consideração aspectos simplesmente financeiros e humanamente egocêntricos, o que desencadeou impacto social, e com a criação da terceira empresa ficou caracterizado o intuito de burlar a lei e enganar a sociedade na tentativa de obscurecer monopólio nesse setor.
O plano em questão tornou-se extremamente antiético no momento em que impediu que seus usuários exercessem o direito da livre escolha dos serviços de sua preferência e, também, com os outros laboratórios da região que dependiam de seus segurados para seu pleno funcionamento.
Ficou explicita a falta de ética profissional do LAB-A para com todos os laboratórios, no momento do selamento do acordo com o plano, em que ele exigiu o descredenciamento dos seus concorrentes.
Novamente o plano tornou-se não ético, quando coloca os laboratórios de pequeno porte como “testas de ferro”, tentando silenciar seus segurados e enfraquecendo o poder de reivindicação dos laboratórios melhores estruturados.
Em relação à situação do LAB-B, entendeu-se que seu gestor viu-se praticamente obrigado, devido aos problemas acarretados com o descredenciamento e o que isso acarretou de uma forma geral em sua empresa, a tomar atitudes, que também de certa forma, um comportamento antiético, no momento em que houve a fusão com o grupo médico da região.
Ficou claro no relato que o capitalismo selvagem imperou como um obstáculo para o pleno exercício da ética, bem como o fato de que um comportamento antiético pode desencadear vários outros.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ética empresarial não consiste somente no conhecimento da palavra ética, mas na sua prática constante. Esse praticar concretiza-se no campo comum da atuação diária e não apenas em ocasiões próprias ou excepcionais geradoras de conflitos de consciência. Ser ético não significa conduzir-se eticamente quando for conveniente, mas em cada decisão a ser tomada.
Portanto, faz-se importante entender que todos devem ter um compromisso com a existência da vida e tudo que por ela perpassa, de forma a compreender a ética como uma reflexão sobre tudo aquilo que se refere ao ser, desde o ar que respira, o solo que pisa, a água que bebe e a qualidade do seu habitat.
REFERÊNCIAS
1 - Bahia L. Planos privados de saúde: luzes e sombras no debate setorial dos anos 90. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 2001; 6(2):329-339,.
2 - Zucchi P, Del Nero C, Malik AM. Gastos em saúde: os fatores que agem na demanda e na oferta dos serviços de saúde. Revista de Saúde e Sociedade 2000; 9(1/2):127-150,.
3 - Bahia L, Costa AJL, Fernandes C, Luiz RR, Cavalcanti MLT. Segmentação da demanda dos planos e seguros privados de saúde: uma análise das informações da PNAD/98. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 2002; 7(4):671-686,
4 - Silva AA. Relação Entre Operadoras de Planos de Saúde e Prestadores de Serviços – Um Novo Relacionamento Estratégico. Ministério da Saúde, 2003.
5 - Machado MH. Perfil dos Médicos no Brasil: Relatório final. Volume IV. Fiocruz/CFM-MS/PNUD,1995.
6 - Moore GE. Princípios Éticos. São Paulo: Abril Cultural, 1975:4.
7 - Valls, ALM. O que é ética? 7. ed. Editora Brasiliense. São Paulo, 1993.
8 - Galvão AM. Bioética: ética a serviço da vida. Aparecida-SP: Santuário, 2004.










