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0352/2007 - A moléstia de Chagas e os direitos sociais: reflexões contemporâneas
Chagas’s disease and social right

Autor:

• Rodrigo Siqueira Batista - Rodrigo Siqueira Batista - Teresópolis, Rio de Janeiro - DCS/ENSP/FIOCRUZ - <rsiqueirabatista@yahoo.com.br>


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Resumo:

Resumo

As relações entre saúde e justiça estão entre os principais temas debatidos no contexto atual da sociedade brasileira. Neste horizonte se inscrevem as questões atinentes à moléstia de Chagas, a qual permanece, mesmo após quase um século de sua descrição por Carlos Chagas, como um importante problema de saúde pública na América Latina. Com base nestas considerações, o presente artigo buscará discutir os principais aspectos jurídico-sanitários relacionados à tripanossomíase americana, enfatizando-se o direito à saúde, à moradia, ao trabalho e à seguridade social.
Unitermos: justiça; moléstia de Chagas; saúde; sociedade.

Abstract:

The relations between health and justice are among the main themes currently debated by the Brazilian society. On such horizon, the questions concerning Chagas’s disease are found to remain – though already a century since its first description by Carlos Chagas – a major public health problem in Latin America. Based on these considerations the present article will seek to discuss the main juridic-sanitary aspects related to the American trypanosomiasis, emphasizing the right to health care, habitation, work and social security.
Key-works: justice; Chagas’s disease; health; society

Conteúdo:

INTRODUÇÃO

A moléstia de Chagas — ou tripanossomíase americana — descrita, no início do século XX pelo pesquisador brasileiro Carlos Chagas, é uma doença parasitária causada pelo protozoário Trypanosoma cruzi, que apresenta díspares manifestações clínicas, durante sua evolução nas fases aguda e crônica.1 Trata-se de uma antropozoonose exclusiva do continente americano, particularmente das regiões tropicais e subtropicais da América Latina, sendo transmitida ao homem, de forma natural (ou primária), por insetos vetores conhecidos como triatomíneos (barbeiros ou chupões).2 No Brasil, atinge cerca de 36% do território nacional, envolvendo mais de 2.450 municípios que se estendem desde o Maranhão ao Rio Grande do Sul.1 No início deste século foi estimado um número situado entre cinco e seis milhões de pessoas infectadas nos países latino-americanos, havendo 25 milhões de pessoas residindo em áreas de risco.3 No Brasil, os infectados encontram-se nos Estados de Goiás, Minas Gerais, Bahia, Rio Grande do Sul e Piauí, sendo que a maior prevalência se dá nos três primeiros, em ordem decrescente.4
A moléstia de Chagas humana tem maior incidência em áreas rurais, justamente nos locais em que a presença do Estado costuma ser mais incipiente. A transmissão vetorial da doença tem suas causas arraigadas em um contexto multidimensional que leva em conta fatores biológicos, ecológicos culturais, políticos e sócio-econômicos:
[...] a transmissão vetorial liga-se basicamente às relações de classe e de produção no meio rural, dependente das maneiras de o homem morar e das condições de sua vivenda (onde se aloja e coloniza o inseto vetor). Falta de higiene, pobreza, provisoriedade, subemprego, analfabetismo, anomia e uma extrema fragilidade política são elementos desse contexto.
[Dias, 1998]5

É neste âmbito que emerge o papel do Estado democrático de direito, no sentido de garantir as condições de existência dos indivíduos, incluída as questões atinentes à saúde. Com efeito, o art. 25 - I da Declaração Universal dos Direitos Humanos afirma que:
Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
[United Nations, 1948]6

Ademais, a Convenção Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966, determina, em seu art. 11, que:
Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequado para si próprio e para sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como uma melhoria contínua de suas condições de vida. Os Estados-partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.
[United Nations, 1966]7

Esta mesma convenção aponta para a universalização do acesso a recursos de saúde (art.12.2), sendo responsabilidade do Estado “[...] prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças”.7 O Comentário Geral n° 14, criado como interpretação desta Convenção, afirma ser direito do homem o tratamento, controle e prevenção de doenças, incluindo o tratamento apropriado a doenças predominantes, preferencialmente ao nível das comunidades e o fornecimento de medicamentos essenciais.8
No Brasil, com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS) são incorporados, além de princípios de organização do sistema (descentralização, regionalização, hierarquização, resolubilidade e complementaridade do setor privado), os princípios doutrinários de universalidade de acesso aos serviços de saúde em todos os níveis de assistência, de integralidade da assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema, e de eqüidade na assistência à saúde, sem preconceitos ou privilégios. 9,10
A Lei 8.080 (19/09/1990) ao instituir o SUS, traz um conceito abrangente de saúde como um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado atuar através de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos, provocando mudanças profundas na saúde pública brasileira, que exigiram, para a sua implantação e funcionamento, o aprimoramento do sistema de informação em saúde. Ocorre que, para que tal meta seja alcançada, outras instâncias devem ser desenvolvidas, tais como a educação, a área econômica — trazendo perspectivas de acesso ao mercado produtivo formal, tanto rural, quanto urbano —, o ramo habitacional — dando possibilidades de melhorias e acesso a moradias dignas — e o aspecto sanitário. Este é o panorama multidimensional da saúde, tomada como conceito abrangente, presente na letra da lei, mostrando que o controle da moléstia de Chagas só será possível através da compreensão destas dimensões.
As manifestações da moléstia de Chagas, além de afetarem a saúde do infectado de forma global, atingem também o aspecto socioeconômico das regiões onde ocorre a doença. Há um custo elevado relacionado à perda de produtividade da parcela economicamente ativa da população que é afetada, excetuando-se os que apresentam a fase aguda da enfermidade, pois, esta se manifesta majoritariamente na primeira década de vida.11,12,13 Além destas perdas, há o impacto financeiro envolvendo a previdência social, na concessão de auxílios-doença e aposentadorias, e os custos com o próprio atendimento aos doentes. Portanto, o tratamento integral dispensado pelo poder público e pela sociedade à questão do mal de Chagas além de se apresentar como um dever constitucional e humanitário, assume também um caráter de necessidade econômica.14 Discutir tais dimensões da moléstia de Chagas, em suas interseções com o campo da saúde e do direito, é o escopo do presente manuscrito.

DIREITO À SAÚDE

O direito à saúde é um corolário natural do direito à vida e do princípio da dignidade da pessoa humana. O modo como está inscrito na Constituição de 1988,15 é inovador, pois, na Constituição anterior tratava-se de um dever do Estado legislar sobre a defesa e a proteção da saúde, no sentido de organizar políticas administrativas voltadas para casos de endemias e epidemias. No caso atual, trata-se de um direito do homem, específico e direcionado, tendo dois aspectos: um negativo, consistindo em dever do Estado em se abster de ações que ameacem a saúde; e um positivo
[...] que exige prestações de Estado e que impõe aos entes públicos a realização de determinadas tarefas [...], de cujo cumprimento depende a própria realização do direito. consistindo no dever do Estado em efetivar os cuidados com a saúde.14

Como exemplo, pode-se citar a obrigação estatal de exercer seu poder de polícia e supervisionar os cuidados com a captação, manuseio e armazenamento do sangue, prescritos nas leis 7.649 e 10.205, além da obrigação de implementar medidas de controle de vetores, de prover acesso à habitação digna, de cuidar para que haja o efetivo atendimento aos níveis secundário e terciário aos enfermos e também fomentar o acesso à educação para a saúde.
No art. 196 está consignado o direito à saúde, afirmando ser um dever do Estado fornecer acesso universal e igualitário às ações e serviços destinados a sua promoção, proteção e recuperação. Nos artigos que se seguem, a Constituição deita cuidados ao detalhar a construção de uma rede regionalizada e hierarquizada, formando, desse modo, o Sistema Único de Saúde, com base na universalização do atendimento.9,16 A Lei 8.080, de 1990, vem regular as disposições constitucionais que tratam do SUS, afirmando o conceito amplo de saúde e abarcando toda a sua complexidade, que está presente em seu art. 3°. Outro exemplo desse entendimento aparece no art. 6°, que afirma estarem incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):
I - a execução de ações:
a) de vigilância sanitária;
b) de vigilância epidemiológica;
c) de saúde do trabalhador; e
d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica.
II - a participação na formulação da política e na execução de ações de saneamento básico;
III - a ordenação da formação de recursos humanos na área de saúde;
- a vigilância nutricional e orientação alimentar;
V - a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho;
VI - a formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção;
VII - o controle e a fiscalização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde;
VIII - a fiscalização e a inspeção de alimentos, água e bebidas, para consumo humano;
IX - participação no controle e na fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
X - o incremento, em sua área de atuação, do desenvolvimento científico e tecnológico;
XI - a formulação e execução da política de sangue e seus derivados.17

Para a consecução desses direitos, o Poder Judiciário vem atuando de maneira firme no sentido de permitir a efetiva fruição destes pelo cidadão. Pode-se depreender, a partir desses direcionamentos, que há um entendimento firmado no sentido de garantir efetivamente o direito à saúde, ao menos em seu nível mais básico, entendido desde a concepção tradicional da manutenção da organização da rede hospitalar, até o fornecimento de medicamentos e a garantia de políticas públicas que visem a prevenção e a supressão de doenças. A atuação do Judiciário não abrange, no entanto, todo o espectro do conceito de saúde recepcionado pela Lei 8.080, principalmente no que diz respeito à atenção primária e secundária.
Ao tratar-se da moléstia de Chagas, a situação de calamidade social ainda vigente — fruto de séculos de exploração do homem pelo homem — já era denunciada pelo próprio Carlos Chagas, no início do século:
Pobre gente que trabalha e que produz, de nada lhes valem as perfeições da medicina moderna! Endemias regionais, quase sempre evitáveis, trazem ali a inferioridade do homem, reduzem-lhe o coeficiente de trabalho produtivo, obstam-lhe o gozo de uma existência sadia, degeneram a nossa raça, dificultam a realização de nossos melhores ideais.
[Chagas, 1935]18

As ações devem ser tomadas positivamente a partir da compreensão acerca da dignidade da pessoa humana; de seu direito à moradia digna; de seu direito ao trabalho, entendido como fundamento da ordem econômica; de seu valor social, que permita às famílias obterem pelo menos os insumos básicos; de seu direito à educação, ao conhecimento dos fatores biológicos, ambientais, socioeconômicos, políticos e culturais que os cercam e, por fim; de seu direito à saúde como esforço e resultado de todos os fatores envolvidos. Destaca-se que não se trata mais de uma norma programática, ou mesmo uma política de intenções: como se pensa demonstrado, o direito à saúde pode, deve e vem gradativamente sendo efetivamente exercido.

DIREITO À MORADIA
O direito a se ter um abrigo vem impresso no art. 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, explicitando a necessidade humana de possuir um refúgio, um lugar onde possa repousar em segurança e preservar sua intimidade juntamente com sua família. Este abrigo deve estar em conformidade com as necessidades básicas de saúde, ter dimensões adequadas e proporcionais ao número de habitantes.
Na Constituição de 1988, aparece no art. 23, inciso IX, como matéria de determinação de competências, apontando como competência comum a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a promoção de programas de construção de moradias e de melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. Diz-se que é um poder-dever do Estado, que reveste os entes federativos deste poder de implementação, mas, investe-os do dever de executá-lo.15 Porém, com a Emenda Constitucional 26, o art. 6º da Constituição passou a figurar com o direito à moradia, tão exigível como o direito à saúde.
O direito à moradia envolve outros preceitos constitucionais, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à intimidade, à privacidade e à inviolabilidade da casa, além de constar como a decisão política no sentido da erradicação da pobreza e da marginalização.12 Em matéria de direito comparado, tem-se na Constituição portuguesa, em seu art. 65, a exigência de dimensões adequadas, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar. Na Constituição espanhola, art. 47, a habitação deve ser digna e adequada.12 Tal moradia não se trata especificamente da casa própria, mas seria a medida mais apropriada para extinguir a marginalização e buscar a justiça social.
A ecoepidemiologia do mal de Chagas sofre profundo impacto dos aspectos relativos ao direito à moradia. De fato, o controle dos vetores tem sido tratado, classicamente, considerando-se as seguintes etapas: “a) luta direta contra o vetor; b) melhoria habitacional, e, c) ações de educação e organização social”.19 Assim, a construção de moradias rurais em conformidade com um padrão que impeça a estadia do T. cruzi se harmonizaria com o dever constitucional do Estado em prover o acesso à habitação digna, atendendo também o dever de promover a saúde:
Mais especificamente, melhoria das condições físicas e sanitárias de habitações localizadas em áreas endêmicas, que registrem a presença de espécies domiciliadas do vetor transmissor (colônias intradomiciliares e peridomiciliares) é determinante para o controle da doença de Chagas. Envolvem a restauração de moradias, mediante a substituição e/ou recuperação de paredes e pisos, a execução de reboco e pintura nas paredes internas e externas, a melhoria das condições de ventilação e de iluminação, a recuperação e melhoria das instalações sanitárias, ou ainda a reconstrução total da moradia, com demolição da antiga e substituição por uma nova unidade. Além da unidade habitacional, são feitas ainda ações nas áreas que circundam o domicílio, como a recuperação de abrigos de animais (pocilgas, galinheiros, estábulos), de depósitos de ferramentas e de cercas de proteção. Tais ações foram adotadas pelo Ministério da Saúde, inicialmente de 1967 a 1969, em experiência iniciada pelo DNERu-MG e, a partir de 1976, pela Fundação SESP. Hoje são fomentadas pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa). As ações para melhoria da habitação dirigidas às áreas endêmicas da doença de Chagas interessam diretamente ao gestor municipal. A Portaria nº 443, de 3 de outubro de 2002 define procedimentos para celebração de convênios de natureza financeira pela Fundação Nacional de Saúde (FNS), nos casos que especifica e implanta o sistema de convênios Siscon. A Portaria nº 106, de 4 de março de 2004, por sua vez, aprova os critérios e os procedimentos para aplicação de recursos financeiros (saneamento ambiental: saneamento básico, esgotamento sanitário, melhorias habitacionais para controle da doença de Chagas e outros). Devem ser considerados aspectos da transmissão da doença, comportamento e biologia dos vetores e hospedeiros vertebrados (estudos entomológicos) e, acima de tudo, requerem planejamento e execução tendo a comunidade como condutora e parceira do processo, uma vez que as ações serão efetuadas em suas casas, respeitados seus hábitos e cultura.
[Brasil, 2006].20

DIREITO DO TRABALHO
O significado da palavra trabalho está ligado às origens do nome tripalium, um vocábulo latino que significa uma espécie de instrumento de tortura formado por três paus. É certo que o homem sempre precisou trabalhar de alguma forma para sobreviver. Em algumas sociedades, o trabalho passou a ser delegado a outros menos afortunados — os escravos — e a noção de propriedade privada cresceu chegando a abarcar seres humanos. Assim, o trabalho passou a ser percebido como algo degradante, ficando os homens mais influentes, ou privilegiados, encarregados de outras atividades como as intelectuais, de governo e de guerra. A linha evolutiva do trabalho passou pela escravidão, pela servidão, corporações de ofício chegando às fábricas e hoje, alargando-se para o setor de serviços, no âmago da lógica empresarial.21
O período inicial das fábricas, em seu surgimento na denominada Revolução Industrial é de particular interesse para o estudo das condições de trabalho. Naquela época, na Europa, eram relativamente comuns jornadas de trabalho de até 18 horas por dia no verão, sendo interrompidas apenas por falta de iluminação artificial. As condições de trabalho eram as piores possíveis e trabalhavam mulheres e crianças em exaustivas jornadas, advindo relatos impressionantes desse período. Com o incremento das atividades fabris, os trabalhadores viram a necessidade de se unir para reivindicar melhores condições de trabalho e reduzir as impressionantes jornadas de 12 a 16 horas. Após muitas lutas — culminando com o movimento em Chicago no dia primeiro de maio de 1886, na qual se reivindicava uma jornada de trabalho menor; cujo resultado foi a morte de 100 trabalhadores no dia quatro daquele mês — a legislação passou a limitar jornadas e a versar sobre higiene e educação. A Igreja passou a tratar sobre o assunto, destacando-se a Encíclica Rerum Novarum, em 1891.
Após a Primeira Guerra Mundial, inicia-se uma nova orientação político-social, o constitucionalismo social, um movimento de inclusão de direitos sociais nas constituições dos Estados. Em 1919, com o Tratado de Versalhes, é criada a Organização Internacional do Trabalho, órgão encarregado de cuidar das relações decorrentes do labor.
No Brasil, as primeiras leis relacionadas ao trabalho começaram a surgir em 1891, com a lei que tratava do trabalho de menores. Em 1943, através do Decreto-lei 5.452, foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho, uma reunião sistematizada das normas esparsas que versavam sobre a atividade laborativa. Hoje, a Constituição trata do trabalho nos artigos 7º a 11º, considerando o trabalho capítulo destinado aos direitos sociais e como fundamento da ordem econômica (art. 170).15

Discriminação
A Constituição de 1988 veda qualquer tipo de discriminação, tendo, em seu preâmbulo, explicitada sua orientação político-constitucional, baseada na garantia do exercício dos direitos sociais, na liberdade, na igualdade, na fraternidade e isenção de preconceitos.15 No art. 3°, inciso IV, a Constituição consigna como um dos objetivos fundamentais da República, a promoção do bem de todos, vedando qualquer forma de discriminação. A isonomia apregoada não é a meramente formal, mas também material, buscando-se dar tratamento igual aos iguais e desigual às situações desiguais, com o objetivo de alcançar a justiça, no mais lídimo espírito da eqüidade, formulado desde Aristóteles:
[...] a mesma igualdade será observada entre as pessoas e entre as coisas envolvidas, pois do mesmo modo que as últimas (as coisas envolvidas) são relacionadas entre si, as primeiras também o são. Se as pessoas não são iguais, não receberão coisas iguais; mas isso é origem de disputas e queixas (como quando iguais têm e recebem partes desiguais, ou quando desiguais recebem partes iguais).
[Aristóteles, 1985]22

A Constituição, no art. 5°, inciso XLI, remete à legislação ordinária o dever de punir aquele que praticar qualquer discriminação atentatória concernente ao exercício dos direitos e liberdades fundamentais, ressaltando que o direito ao trabalho faz parte deste rol de direitos fundamentais. Ademais, um dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil é o da dignidade da pessoa humana, o respeito por sua integridade tanto física quanto moral e por sua integridade espiritual. Com base nestas premissas, pode-se projetar a premência por relações trabalhistas que privilegiem a real capacidade de cada pessoa para a execução de trabalhos específicos e não uma política discriminatória, baseada em diagnósticos pretéritos.
Ao se deparar com um candidato chagásico, deve-se entender qual a extensão de sua doença, a natureza do trabalho a ser realizado e verificar se há condições para sua realização, não permitindo que pese sobre os ombros daquele que foi atingido por uma doença biossocial, o estorvo de mais este preconceito. É de amplo conhecimento a relação entre a oferta e a demanda, e que tal relação pende sempre favoravelmente ao empregador que tem a prerrogativa da escolha. Ocorre que em verdade, entre dois candidatos ao mesmo emprego, sendo um infectado pelo T. cruzi e outro não, muito provavelmente o que alberga o protozoário será descartado — uma discriminação indireta, em parte decorrente da crença de que o primeiro apresentará baixa produtividade e alto absenteísmo.
Estudo realizado pela Universidade de Campinas, permitiu constatar a discriminação contra o portador da moléstia de Chagas. Na investigação, foram entrevistados 250 infectados na cidade de Campinas e destes, 40,4 % afirmaram terem sido demitidos pelo menos uma vez ao longo de dez anos, sendo que 8,9 % em função da doença. Daqueles que passaram por exames admissionais, 9,1 % foram recusados, dos quais 92,3 % devido à sorologia reativa.23
No momento da admissão de empregados, é obrigatória a realização de exames médicos por conta do empregador, na forma do art. 168 da CLT. As microempresas, por força do Decreto n° 90.880/85, não estão obrigadas a realizar exames médicos. Nesta ocasião costuma-se pedir uma série de exames laboratoriais sendo que “a inclusão de sorologia para tripanossomíase americana é desnecessária e discriminatória, estigmatizando o candidato [...]”.4 Esta afirmação tem por base uma compreensão realista da história natural da enfermidade, na medida em que, na maioria dos casos, não impede o exercício normal de diversas atividades — na verdade, 60% ou mais dos enfermos com sorologia reativa para o T. cruzi jamais adoecem.24,25,26 De fato, entre os enfermos na fase crônica, somente aqueles que apresentam cardiopatia chagásica crônica (CCC) possuem limitações sérias para o trabalho.
Os exames a serem executados na admissão do trabalhador, que são obrigatórios atendendo à NR-7 (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional), ficam sob decisão médica, podendo ser exigidos “[…] outros exames complementares, a seu critério, para apuração da capacidade ou aptidão física e mental do empregado em razão da função que deva exercer”.27 Observe-se que esta avaliação complementar deve ser realizada em razão da função a ser exercida pelo trabalhador, evitando a segregação injustificada, tendo em vista, por exemplo, que portadores da moléstia de Chagas na fase crônica indeterminada, a princípio, não apresentam restrições ao trabalho.
Na história natural da doença de Chagas, mais da metade dos indivíduos chagásicos com sorologia positiva encontram-se na fase crônica, forma indeterminada, ou seja, não apresentam alterações cardíacas nem digestivas detectáveis. Tratando-se de adultos na faixa etária acima dos 30 anos, esta forma é de bom prognóstico (I Reunião Anual sobre Pesquisa Aplicada na Doença de Chagas, 1985), sendo improvável que no futuro imediato estes pacientes desenvolvam doença grave. Na verdade são indivíduos infectados, porém não doentes. Na forma indeterminada, não há praticamente restrições ao trabalho no exercício de nenhuma função (II Reunião Anual sobre Pesquisa Aplicada na doença de Chagas, 1986).
[Luquetti & Porto, 1997]4

As formas digestivas da moléstia de Chagas também não impedem a realização da maior parte das atividades laborais, devendo ser corretamente diagnosticadas antes de proceder a exclusão preconceituosa do trabalhador do processo admissional. Quando da constatação da tripanossomíase americana através da sorologia, deve-se aprofundar o diagnóstico. Caso o trabalhador apresente CCC, a realização de um eletrocardiograma irá proporcionar o conhecimento da extensão da anomalia, permitindo a ponderação acerca do trabalho a ser executado, visto que, cardiopatias leves não contra-indicam o trabalhador a exercer serviços leves e que não importem em riscos para si e para outros.
Ressalta-se que o trabalhador pode estar tomando conhecimento da doença pela primeira vez nesse contato, portanto, deve-se ter sensibilidade a esse fato, especialmente pela possibilidade de o exame ser falso reativo. Desse modo, o tratamento da questão assume dimensões diversas que devem ser cuidadosamente consideradas durante o processo admissional e do contato com o trabalhador.

A demissão do portador da moléstia de Chagas
A Constituição de 1988 protege o trabalhador contra a demissão arbitrária no inciso I do art. 7°. Isto não quer dizer que nas relações de trabalho, o empregador não possa demitir seu empregado, pois é seu direito potestativo — subordinado à sua vontade. Essa demissão, entretanto, deve ser fundamentada em motivos relevantes tais como necessidade econômica, encerramento de atividade, inépcia do empregado, ou mesmo por justa causa.
A demissão do empregado com base no diagnóstico sorológico é, infelizmente, uma realidade no Brasil, a despeito da existência da proteção presente na Lei Maior, como pode ser observado:
Houve uma taxa elevada da rejeição associada à sorologia positiva para o T. cruzI entre os candidatos do trabalho recusados após os exames pré-admissionais. O diagnóstico sorológico da doença foi também relatado como uma justificação para a demissão, independente da condição clínica dos trabalhadores. Nós observamos também um aumento da demissão sem causa justa. A precária situação laboral dos pacientes com infecção por T. cruzi foi confirmada, particularmente para aquelas com mais grave evidência clínica da moléstia de Chagas.
[Guariento et al., 1999]23

Há casos, no entanto, em que é concedida ao trabalhador a garantia de emprego. Desses casos, o que tem relevância para o portador da moléstia de Chagas é o caso do acidentado no trabalho. O art. 118 da Lei 8.213 concede ao trabalhador que se acidentou no exercício de sua atividade laborativa, a garantia de emprego durante doze meses, contados a partir do término do auxílio-doença acidentário. O art. 20 da mesma lei define como acidente de trabalho a doença do trabalho adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado. Porém, não é considerada doença do trabalho, a doença endêmica adquirida por segurado habitante da região em que ela se desenvolva, exceto quando o segurado habite a região em função da realização do trabalho, ou que comprove ser conseqüência de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. No caso da aquisição da moléstia de Chagas no exercício de atividades estritamente relacionadas com o trabalho, tal evento é considerado um acidente de trabalho, garantindo a permanência do trabalhador em seu emprego por doze meses após o término de um possível afastamento para tratamento.

A doença do trabalho
Há uma distinção fundamental entre a doença do trabalho e a doença profissional. A doença do trabalho decorre do exercício de uma atividade laborativa que não apresenta riscos à saúde do trabalhador, porém, torna-se nociva por conseqüência das circunstâncias em que é realizada. A doença profissional é a que surge como conseqüência direta de uma atividade específica, pela exposição ou mesmo contato com agentes físicos, químicos ou biológicos. São denominadas também como idiopatias, tecnopatias ou ergopatias.
A doença do trabalho é caracterizada quando coincidir com alguma daquelas listadas no Anexo II do Decreto n°. 3.048/99, chamadas de mesopatias. A exceção a esta regra ocorre quando uma mesopatia que não conste no Anexo II, tenha resultado de condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, e será considerada pela Previdência como acidente do trabalho, conforme o § 2° do art. 20 da Lei 8.213.28 Não são consideradas como doenças do trabalho:
(1) a doença degenerativa;
(2) a inerente a grupo etário, como osteoporose, esclerose, e outras;
(3) a que não produz incapacidade laborativa;
(4) a doença endêmica adquirida por segurados habitantes de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que resultou de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

No item 25.1 do Anexo II do Decreto 3.048, vem consignado como agente patogênico da doença do trabalho, o T. cruzi, citando também as formas de trabalho que mais se expõem ao risco. Além disso, a exposição ou contato direto a que se refere a lei pode ocorrer e, por vezes ocorre em trabalhadores que são deslocados para áreas endêmicas como os ferroviários e funcionários da Administração Pública.

COMUNICAÇÃO DA DOENÇA

No âmbito da saúde coletiva, há a obrigatoriedade da comunicação da ocorrência da moléstia de Chagas aguda, que, além de se constituir em um dever ético – arts. 11 e 44 do Código de Ética Médica (CEM)29 — é tomada como fonte de informação e medida de controle dos quadros endêmicos nacionais. A Lei 6.259 dispõe sobre as medidas de vigilância epidemiológica e, prescreve, como obrigatória, a notificação à autoridade sanitária sendo uma função exercida pela União através do Ministério da Saúde — Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS). A SVS conduz ações de caráter estratégico e de longo alcance, aos Estados e Municípios, competem as ações executivas que exigem conhecimento analítico da situação de saúde local. No inciso II, do art. 7° da referida lei, há a referência indireta da obrigatoriedade da notificação, pois cita doenças constantes de uma relação elaborada pelo Ministério da Saúde, presente na Portaria nº 5, de 21/02/2006. A não observância do dever de comunicação das doenças relacionadas nesta Portaria, constitui infração à lei federal, de acordo com o art. 14 da Lei 6.259. As penalidades, em casos de omissão da comunicação das doenças listadas na Portaria n° 5, estão previstas na Lei 6.437, de 20/08/1977.
Um aspecto pouco destacado é o comando do art. 8° desta lei de 1975 que reparte a obrigatoriedade da comunicação da ocorrência de uma das doenças listadas acima entre profissionais de saúde, responsáveis por estabelecimentos públicos e privados de saúde e ensino, e cidadãos. Tal preceito vem harmonizar-se com o § 2° do art. 2° da Lei 8.080 que convoca toda a sociedade a participar dos esforços pela saúde.
A Lei 6.437, que versa acerca das infrações à legislação sanitária federal, define o conceito de infração em seu art. 10°, estando aquelas que interessam ao tema, descritas a seguir:

VI - deixar, aquele que tiver o dever legal de fazê-lo, de notificar doença ou zoonose transmissível ao homem, de acordo com o que disponham as normas legais ou regulamentares vigentes;
VII - impedir ou dificultar a aplicação de medidas sanitárias relativas às doenças transmissíveis e ao sacrifício de animais domésticos considerados perigosos pelas autoridades sanitárias;
VIII - reter atestado de vacinação obrigatória, deixar de executar, dificultar ou opor-se à execução de medidas sanitárias que visem à prevenção das doenças transmissíveis e sua disseminação, à preservação e à manutenção da saúde;

No caso de ocorrência de uma das infrações citadas, o responsável poderá, após o devido processo administrativo, ser penalizado com advertência ou multa.
Além dessas previsões especiais, há a previsão geral constante no Código Penal, que tipifica, em seu art. 268, a infração de medida sanitária preventiva, punindo o infrator, caso condenado, à detenção de um mês a um ano e multa. Caso o infrator seja médico, o Código Penal trata da omissão de notificação de doença em seu art. 269, constituindo-se em crime próprio, pois há um agente específico — o médico. A pena prevista é a detenção de seis meses a dois anos, e multa.
A comunicação a respeito da doença deve ser estendida ao paciente, como preceitua o art. 59 do CEM,29 mas também é necessário o estabelecimento de um diálogo preventivo, esclarecendo o enfermo sobre os riscos ambientais a que está exposto devido a natureza de seu trabalho ou às condições em que ele é realizado — arts. 40 e 41 do CEM.29
No âmbito das relações de trabalho, o médico deve zelar pelo sigilo das informações obtidas através dos exames médicos, de acordo com os arts. 102 e 105 do CEM.29
Mesmo que o empregador exija tais dados, o médico deve guardá-los no atendimento de seu código de conduta, exceto em situações que possam por em risco a saúde dos empregados ou da comunidade. Nesta mesma direção, posicionam-se o §5° do art. 168 da CLT e o art. 9° da Resolução 1.665/2003 do Conselho Federal de Medicina, ao afirmar que o médico, ao comunicar os resultados de exames ao trabalhador, deve observar os preceitos de ética médica.
Quando da ocorrência de uma mesopatia, ou seja, a aquisição de uma doença — no caso específico, da doença de Chagas — em virtude de condições especiais de trabalho, a notificação da doença será obrigatória, conforme o art. 169 da CLT.28


DIREITO DA SEGURIDADE SOCIAL


Nas sociedades mais remotas a seguridade social era exercida no âmbito familiar, uma questão de solidariedade entre os próximos. No entanto, há registros do esboço de um sistema de cooperação social na Hélade (228 a.C), que dá conta de uma junção de membros que colaboraram para um fundo que servia a prestar auxílio aos contribuintes que sofressem reveses no decorrer de suas vidas. Há indícios que também em Roma existiam associações que prestavam auxílio a seus membros e ainda instituições de caridade.30
Muito mais tarde, no alvorecer do século XVII, a Inglaterra editou o Poor Relef Act que tornava obrigatória a contribuição social,31 um grande avanço, mas, que pode ser entendido como conseqüência do desenvolvimento precoce da indústria daquele país em comparação com o restante da Europa.
A Revolução Francesa lançou seus princípios sociais com o intuito de proteção a todo homem, movimento que, reconhecidamente, tinha endereço certo: liberar a burguesia do peso da nobreza. Era o período áureo do liberalismo econômico e o papel do Estado neste enfoque era não intervir, deixar aos comandos da razão o destino das relações econômicas e sociais. Era muito difícil justificar a intervenção estatal no domínio social, portanto, os desafortunados tinham que resolver suas dificuldades com suas próprias habilidades e contando com sua razão. Não faltou quem dissesse que a miséria em que se encontrava boa parte da população era fruto de sua imprudência ao não se proverem de recursos antes de obedecer aos preceitos bíblicos de crescei e multiplicai-vos.30 Em 1898, entretanto, foi criada a assistência à velhice e aos acidentes do trabalho, na França.
Já no princípio do século XX (1907), foi elaborado o sistema de assistência à velhice e acidentes do trabalho, como na França, e o Old Age Pensions Act, na Inglaterra, concedendo pensões às pessoas com idade superior a 70 anos.31
A partir deste ponto, os direitos sociais foram se avultando, passando por sua previsão constitucional na constituição do México, em 1917, e na constituição de Weimar, em 1919, mesma data da criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em 1948, surge a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que imprime como direito fundamental da pessoa humana, a proteção previdenciária, cabendo ressaltar o art. 25 da Declaração:
Todo homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, o direito à seguridade no caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice, ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
[United Nations, 1948]6

No Brasil, a primeira menção à seguridade social esteve presente no art. 179 da Constituição de 1824, que fomentava a constituição dos socorros públicos, havendo, posteriormente, alguns adendos. No Código Comercial de 1850, constava em seu art. 79 a previsão do auxílio-doença em virtude de acidente de trabalho. Na Constituição de 1891 houve a primeira referência ao instituto da aposentadoria, sendo que a implementação da previdência social se deu em 1923, com a Lei Eloy Chaves. O sistema evoluiu, até que em 1988, com a atual Constituição, adquiriu a forma presente, particularmente detalhada no art. 201.

Quem é o segurado?
Segurado é todo aquele indicado pela Lei 8.213, de 1991, consistindo, deste modo, em um status jurídico. Com definição, pode-se entender o segurado como sendo a pessoa física que exerce, exerceu ou não atividade, remunerada ou não, efetiva ou eventual, com ou sem vínculo empregatício.31 Esta definição, que abrange o conceito legal, atende ao princípio da universalidade que é uma das bases do Direito Previdenciário.
Para que o segurado passe a ter direito às prestações previdenciárias, a lei determina um período de carência que pode ser definido como um prazo mínimo de vinculação cumprido antes da eclosão do evento que justifica a prestação.30 O tempo de carência varia segundo a natureza da prestação específica, podendo ser de 12 contribuições mensais em casos de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez e de 180 contribuições mensais em casos de aposentadoria por idade, por tempo de serviço ou especial. Há casos em que não é exigida a carência, tais como a pensão por morte, auxílio-reclusão, salário-maternidade, salário-família e auxílio-acidente. Do mesmo modo, não há carência na prestação do auxílio-doença e da aposentadoria por invalidez decorrente de acidente de qualquer natureza e nos casos em que o segurado é acometido de alguma das doenças listadas pelo Ministério da Saúde e do Trabalho e da Previdência Social ou aquelas presentes no art. 151 da Lei 8.213, logo após filiar-se. Em relação aos trabalhadores rurais, a lei dá um tratamento especial, concedendo-lhes os benefícios da aposentadoria por idade ou por invalidez, do auxílio-doença, do auxílio-reclusão ou da pensão, no valor de um salário mínimo, necessitando apenas a comprovação do exercício da atividade no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício. Não há carência também para a utilização do serviço social e da reabilitação profissional.
É de particular interesse as prestações devidas em face do auxílio-doença, tendo em vista o acometimento do mal de Chagas; aquelas devidas em função da aposentadoria por invalidez, mais precisamente nos casos de cardiopatia chagásica; e a reabilitação profissional.

Auxílio-doença
Esta prestação previdenciária está prevista no Decreto 3.048/99 e é devida quando o segurado torna-se incapacitado para o exercício do trabalho por mais de quinze dias consecutivos, perdurando até o término da incapacidade, pressupondo neste caso, uma relação de emprego, quando a empresa deverá custear os primeiros quinze dias de afastamento. No caso dos segurados especiais (pescador, artesão, arrendatário rural, e outros, listados no art. 9°, VI do Decreto 3.048/99), o benefício será devido a partir do início da incapacidade e enquanto permanecer incapaz. Tal benefício é devido também ao desempregado, desde que ainda segurado. Para todos os casos citados, há a necessidade de requerimento do benefício. Nos casos em que a Previdência Social estiver ciente do tratamento ou da internação, devidamente comprovados por atestado e pela perícia médica, não será necessário o requerimento.
Em relação ao mal de Chagas, o auxílio-doença é devido ao segurado que apresentar CCC grave, que o incapacite para o trabalho. Caso a doença seja preexistente ao ingresso na Previdência, o trabalhador não terá direito ao benefício, exceto quando sua incapacidade for decorrente do agravamento da doença.
A Previdência deve processar de ofício o benefício, quando tomar ciência da incapacidade do trabalhador, ainda que este não o tenha requerido. O benefício cessa quando houver a recuperação (não se aplicando ao caso da cardiopatia) ou quando é transformado em aposentadoria por invalidez. Em casos de cardiopatia leve, quando o trabalhador exerça serviços pesados ou de risco, este deve ser encaminhado ao programa de reabilitação profissional com o objetivo de redirecioná-lo em relação às atividades que possa exercer.

Aposentadoria por invalidez
Este é um benefício previsto no Decreto 3.048/99, sendo concedido ao trabalhador que, por doença ou acidente, torna-se incapaz para exercer suas atividades laborais ou quaisquer outros tipos de serviço que lhe garanta a subsistência. Tal incapacidade deve ser atestada pela perícia médica da Previdência Social. Da mesma forma que no auxílio-doença, não faz jus ao benefício aquele segurado que já apresentava a doença ou lesão ao ingressar na Previdência, excetuando-se o caso da incapacidade gerada pelo agravamento da enfermidade ou lesão. Entretanto, o Judiciário vem dando um entendimento mais favorável ao trabalhador, considerando verificar a boa-fé do segurado ao ingressar na Previdência, que justificaria o benefício. Esse entendimento pode ser estendido aos casos de auxílio-doença, quando, pela ausência de má-fé — entendida neste caso como o desconhecimento anterior da doença —, o trabalhador ingressa na Previdência e logo após, requer o benefício.
A aposentadoria por invalidez, nos casos de manifestações chagásicas, é concedida normalmente, em casos de CCC grave:
No caso de profissões consideradas pesadas, tais como servente de pedreiro, carregador, está indicado um teste cicloergométrico, o qual pode demonstrar a presença de extra-sistolia ventricular freqüente, multifocal. Neste caso é concedido o benefício e, de acordo com a evolução, a aposentadoria por invalidez, independentemente da idade. Esta é a decisão médica.
[Luquetti & Porto, 1997]4

Luquetti e Porto (1997) destacam a decisão médica porque caso o segurado não tenha superado o período de carência, ou tenha adquirido a doença anteriormente ao seu ingresso na Previdência, por exemplo, estará em posição delicada pois, do ponto de vista médico, é incapaz para o trabalho e, do ponto de vista administrativo, não fará jus ao benefício, permanecendo em uma área neutra que lhe trará muitas dificuldades, podendo levá-lo a ingressar no mercado informal.
O segurado que receber as prestações da aposentadoria por invalidez terá a obrigação de se submeter aos exames periciais bienalmente. Caso venha a recuperar sua capacidade para o trabalho, o benefício é suspenso, obedecendo aos preceitos do art. 49 do Decreto n° 3.048.

Reabilitação profissional
Quando o trabalhador encontra-se incapacitado para o exercício das atividades que habitualmente executava, mas, tem a possibilidade de exercer outras de natureza diversa, mais leves ou não perigosas, independentemente de carência, deve ser encaminhado ao serviço de readaptação profissional da Previdência. Tal serviço, previsto no Decreto n° 3.048, tem o objetivo qualificar o segurado para o exercício de atividades compatíveis com a sua condição e que encontrem demanda no mercado de trabalho local. Não há obrigatoriedade da efetiva inclusão do segurado no mercado de trabalho, há sim, uma obrigação específica da emissão de um certificado de qualificação. Esta qualificação é efetivada através de cursos e treinamentos, na comunidade, por meio de contratos, acordos e convênios com instituições e empresas públicas ou privadas. O acompanhamento e o direcionamento do segurado será executado preferencialmente — quer dizer, não obrigatoriamente — por uma equipe multiprofissional especializada em medicina, serviço social, psicologia, sociologia, fisioterapia, terapia ocupacional e outras áreas afins ao processo.
As empresas que possuem cem ou mais empregados ficam obrigadas a preencherem seus quadros com uma quantidade que vai de dois a cinco por cento de seus cargos com trabalhadores reabilitados ou portadores de deficiência, de acordo com o art. 141, do Decreto n° 3.048. Esta medida tende a suprir a falta da obrigatoriedade da inclusão, pela Previdência, do trabalhador reabilitado:
O segurado tem cardiopatia chagásica e exerce profissão incompatível com as alterações que apresenta. Por exemplo, apresenta bloqueio completo de ramo esquerdo do feixe de His e extra-sístoles ventriculares e é um motorista de caminhão de 30 anos de idade. O segurado é alfabetizado e completou o primeiro grau. A proposta correta do MPL será conceder o benefício por 90 dias, encaminhando o segurado ao Serviço de Readaptação Profissional para avaliação detalhada e com a recomendação de aprender nova profissão, leve, compatível com as alterações que apresenta, como por exemplo, digitador na mesma empresa de transporte.
[Luquetti & Porto, 1997]4


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